Com
Claude Bernard, temos constatado a originalidade de processos da matéria organizada
para fabricação das substâncias necessárias ao funcionamento vital, atribuindo
essas propriedades aos órgãos dotados de uma virtude especial, inencontrável
nos corpos brutos. A existência de uma força animante do organismo torna-se,
porém, mais evidente ainda, ao examinarmos a evolução de todos os seres vivos.
Tudo
o que tem vida nasce, cresce e morre. É fato geral que quase não padece
exceção.[i]
Mas, por que morrer? Excetuando-se os casos de acidentes ou de enfermidades que
destroem irremediavelmente os tecidos, como se dá que, mantendo constantes as
mesmas condições gerais, indispensáveis ao entretenimento da vida, isto é, a
água, o ar, o calor e os alimentos, o ser depereça até à dissociação total?
Dizer
que os órgãos se gastam é indicar apenas uma fase da evolução, é demonstrar um
fato. Neste caso, pergunta-se: mas por que se gastam os órgãos e por que se
mantêm perfeitos na idade viril, do mesmo passo que aumentam de energia na juventude?
São
interrogativas diante das quais a ciência materialista emudece. Sem embargo,
uma explicação se oferece e nós vamos expô-la.
Desde
que admitamos na célula fecundada uma certa quantidade de força vital, tudo se
torna compreensível.
A
vida total de um indivíduo é o resultado de um trabalho a completar-se,
trabalho esse mensurável pelas incessantes reconstituições da matéria
desgastada pela função vital, e a força para isso necessária pode considerar-se
como uma função contínua, que aumenta, atinge um máximo e baixa a zero.
Se
projetamos no ar uma pedra, comunicamos à pedra a força dos nossos músculos. A
pedra eleva-se rápida, a despeito da atração centrípeta, até que as duas forças
contrárias se equilibrem. Depois, a atração predomina, a pedra cai e, quando
chega ao ponto de partida, toda a energia a ela comunicada tem desaparecido.
Pode
conceber-se que algo de análogo se passe com os seres vivos. O reservatório de
energia potencial, proveniente dos genitores, e que se encontra na célula
original, transforma-se em energia natural, à medida que organiza a matéria. De
começo, a ação é assaz enérgica, as assimilações, o agrupamento das moléculas,
ultrapassam a desassimilação, o indivíduo cresce; a seguir, vem o equilíbrio de
perdas e ganhos: é a maturidade, a estabilidade do corpo, até que, chegada a
senectude, esgotada a força vital, não mais suficientemente alimentados os
tecidos, a morte sobrevém, o organismo desagrega-se, a matéria retorna ao mundo
inorgânico.
Assim,
pois, acreditamos haja certa quantidade de força vital distribuída por toda
criatura que surge na Terra; e, como a geração espontânea não existe em nossa
época,[ii]
é por filiação que se transmite essa força, aliás, só manifesta nos seres animados.
Mas,
não só na matéria e no seu condicionamento residem as propriedades da vida
orgânica. Há que lhe presumir, ainda, uma força vital renovadora, ou seja,
refectiva das partes destruídas. Daí, o absoluto erro dos sábios, que imaginam
surpreender o segredo da vida em promovendo a síntese da matéria orgânica.
Suponhamos que, em consequência de manipulações químicas, tão sábias e
complicadas quanto às possamos imaginar, e movimentando todos os agentes
físicos – calor, eletricidade, pressão, etc. –, chegássemos a fabricar
protoplasma artificial...
Mas...
A vida? Tê-la-ia tal produto? Não, certo, porque o que caracteriza a vida é a
nutrição reparadora do dispêndio.
Essa
massa protoplásmica há de ser inerte, insensível às excitações exteriores, qual
se não dá com a massa viva. Mas, ainda supondo que assim não fora, só pudéramos
justificá-lo em detrimento da estrutura íntima, destruindo-se. Essa massa
artificial poderia subsistir a título precário, mas, uma vez exausta, não haveria
como reproduzir-se, não viveria mais.
Citamos
o protoplasma porque ele representa a matéria simples por excelência; mas, se
tomássemos uma célula, a complicação aumentaria, visto que a célula tem forma
determinada e a Ciência é absolutamente incapaz de explicar essa forma, como
veremos dentro em breve.
Aqui,
importa definir precisamente o que pensamos, para que fique bem clara a nossa
concepção.
Máquina
delicada e complexa é o corpo humano; os tecidos que o formam originam-se de
combinações químicas muito instáveis, devido aos seus componentes; e nós não
ignoramos que as mesmas leis que regem o mundo inorgânico regem os seres
organizados. Assim, sabemos que, num organismo vivo, o trabalho mecânico de um
músculo pode traduzir-se em equivalente de calor; que a força despendida não é
criada pelo ser, e lhe provém de uma fonte exterior, que o provê de alimentos,
inclusive o oxigênio; e que o papel do corpo físico consiste em transformar a
energia recebida, albergando-a em combinações instáveis que a emanciparão à
menor excitação apropriada, isto é, sob ação volitiva, ou pelo jogo de
irritantes especiais dos tecidos, ou de ações reflexas.
Até
aí, nada de mais explicável pelas leis físico-químicas.
Mas,
quando ocorre uma dessas ações, quando a substância do músculo operante se destrói,
é, então, que a força vital intervém para reconstituir o tecido, refazendo as
células servidas à manifestação vital. Nisso está, precisamente, o que
diferencia da matéria bruta o ser animado.
Na
planta mais ínfima existe alguma coisa
mais que no mineral, e essa alguma
coisa não repara o corpo sempre nas mesmas condições. Essa refecção varia
com a idade: integral na juventude, incompleta na velhice. É uma força que
tende a diminuir, até que se extingue.
Há,
portanto, uma força vital, inteiramente outra que as de nós conhecidas, mas,
força que também não deixa de ser uma modificação da energia universal, tal
como a eletricidade, que se distingue do calor ou do magnetismo, posto que
estas duas forças não passem também de modalidades da mesma energia. Por si só,
essa força vital nada engendraria, não lhe estivera a inteligência associada, a
partir das manifestações mais rudimentares, por culminar no mais elevado
complexo – o homem. Todo ser vivente possui uma parcela de inteligência rudimentaríssima,
quanto a possamos imaginar nas formas vitais primitivas, mas que aumenta e
especifica-se à proporção que galga a cadeia dos seres, para abrolhar na humanidade.
Teremos
ocasião de voltar a este assunto tão relevante, tão logo tenhamos fixado o papel
do períspirito nos seres animados.
A
força vital por si só não bastaria para explicar a forma característica de todos os indivíduos, e tampouco
justificaria a hierarquia sistematizada
de todos os órgãos, sua sinergia em função de um esforço comum, visto serem
eles, simultaneamente, autônomos e solidários. Neste ponto é que incide o
ascendente da intervenção do períspirito, ou seja, de um órgão que possua as
leis organogênicas, mantenedoras da fixidez do organismo, através das
constantes mutações moleculares.
[i] Dizemos
quase, porque organismos inferiores, como as moneras, que são uma simples
célula, jamais se destroem, a não ser acidentalmente. De fato, o que sucede é
que, depois de atingirem um certo volume, por efeito da nutrição, esses corpos
de bipartem e os dois segmentos tornam-se dois seres distintos, a crescerem e
se reproduzirem pelos mesmos processos. Nesse caso, não há morte, não se pode
distinguir a geradora da gerada, nem saber em qual reside à individualidade.
São, portanto, realmente imortais.
[ii] As
experiências de Pasteur demonstraram à saciedade que, presentemente, todo indivíduo
provém de um semelhante. Nada prova, porém, que assim tenha sido
originariamente e que, em épocas prístinas, as condições vitais não pudessem
variar a tal ponto que a monera engendrasse, mediante evoluções gradativas e ascendentes,
o homem atual.
Gabriel Delanne Livro: A Evolução Anímica