V
TÉCNICA DAS NOÚRES
Quando do estudo do meu pequeno caso nos elevamos à interpretação dos gigantescos casos da inspiração, devíamos ter percebido que a ciência com suas concepções é muitíssimo pequena para contê-los, pois eles envolvem algo de sobre-humano, indispensável para sua compreensão, e fatores transcendentais que a ciência ignora. Existem no fenômeno elementos substanciais e determinantes que encontramos em todos os casos, que representam, portanto, suas características fundamentais, elementos não menos reais por serem imponderáveis, embora a ciência moderna, por suas premissas e orientações, se houvesse tornado incompetente para apreciá-lo.
Para trazer o fenômeno aos termos da psicologia científica moderna, impõe-se uma redução, quase uma mutilação do próprio fenômeno, em seu aspecto técnico e mecânico, qual é o da psicologia. É este lado particular, técnico e científico, do problema que vamos aprofundar neste capítulo. Buscaremos, simultaneamente, elevar a ciência, infantil neste campo, até à compreensão destes fenômenos e das forças imponderáveis que os governam.
Temo-nos movido, até agora, num campo supercientifico, num mundo de sonhos, de emoções e de esperanças, o mundo do espírito. Para quem o sente, tudo isso já é por si mesmo supremamente persuasivo. Agora vou mudar a engrenagem do meu pensamento e falar a quem não sente, a quem, para convencer-se, tem necessidade de tocar, medir, experimentar. Importa, porém, considerar aqueles fatores espirituais, embora exista quem os negue por não os possuir na própria consciência, porquanto constituem fatores integrantes do fenômeno, fundamentais na definição de seu desenvolvimento. De resto, já afirmei que eles são produto de estados evolutivos que se elevaram além da mediania. É óbvio, pois, que somente através de uma descensão eles se possam reduzir aos limites da psicologia normal da realidade sensória.
Assim, pois, ao falarmos sobre vibrações e ondas, recordemos que apenas tocamos a fase perceptiva humana do fenômeno, a última e mais baixa zona da transmissão noúrica, seu termo inferior e seu momento final de chegada, que é o mais compreensível por ser o mais próximo da fase sensória que chega ao contacto humano. A fase mais elevada é uma emanação abstrata, supersensória e superconceptual, que se verifica numa outra dimensão de consciência e num outro plano de evolução, fase que a ciência e a própria psique humana normal não podem perceber e conceber por falta de meios, a não ser que haja uma redução dimensional, que é justamente o que a recepção inspirativa opera nas correntes noúricas.
Quando, na fonte, nos encontramos num nível evolutivo supertemporal e superespacial, é absurdo pretender compreendê-lo inteiramente nos termos de uma pura questão técnica. No seu estado de emissão, a noúre não é ainda pensamento, qual normalmente o concebemos. Para falar nos termos da psique normal, eu mesmo tenho de operar uma redução da emanação originária e de minha percepção dela à dimensão pensamento, que é um estado vibratório muito mais denso; operarei um regresso involutivo ao mundo mais concreto das oscilações da matéria, vestindo a irradiação primitiva de um invólucro físico que lhe permita estimular a reação sensível da psique imersa nos centros cerebrais. Recordemos, pois que este estudo do fenômeno no seu menor aspecto técnico não o abrange senão no plano humano de chegada e não no sobre-humano, de partida. Neste estudo, a fim de atingir a solução desses inexplorados problemas, para a qual não encontro no conhecimento humano elementos guiadores, servir-me-ei, quando não me bastarem cultura e razão, do método intuitivo e da pesquisa por captação de correntes noúricas. Neste momento, sinto que apenas possuo uma idéia vaga e inicial do assunto, mas sei que, ao escrever, irei tendo resposta a cada interrogação.
Ao estudar o fenômeno, em seus casos grandes e pequenos, já delineei uma sua interpretação sumária; nas características, que vimos retornarem com uma constância que tem um significado, traçamos uma linha fundamental de sua figura. Entre essas características, vimos estar em primeiro lugar a progressividade, pela qual defini o fenômeno inspirativo como um caso normal de sensibilização por evolução biológica continuada nos superiores estádios de evolução psíquica e ascensão espiritual. O caso, como evolução, é normal; como posição, em face da relativa da mediania, é supranormal. Trata-se de um processo evolutivo de desmaterialização do ser em planos superbiológicos, de um processo de purificação psíquica e orgânica, cujos fatores são dor, renúncia, regime de purificação passional e dietética. A esse respeito já falei nos capítulos: "O Fenômeno e "O Sujeito".
Encontramos esses elementos na história dos grandes inspirados. Suprimindo-se esses fatores determinantes, naturalmente o fenômeno se detêm ou retrocede. Estes conceitos, embora vão ter a um campo supercientifico, possuem bases científicas, pois representam a continuação da evolução biológica darwiniana, evolução orgânica que, se deve continuar, como a lógica impõe, já não pode ser senão psíquica e espiritual.
É necessário que a ciência materialista, se quer continuar seu progresso, compreenda justamente este problema da desmaterialização do organismo humano, obtida lentamente por progressiva atrofia de funções orgânicas e hipertrofia de funções psíquicas. Refiro-me a posições relativas ao momento evolutivo atual. Também isso é lógico e sobre o assunto já falei. Esses princípios gerais, como sempre sucede na natureza, passam por adaptações no caso particular, que é sempre o de um tipo especializado, e permanecem verdadeiros, embora não apareçam no breve âmbito de uma vida.
Falei em progressividade de sensibilização. E que é a evolução senão um processo de sensibilização contínua? Num primeiro plano temos o mineral, que também sabe modelar-se, sentindo a resistência do ambiente nas formações cristalinas, depois a planta, com uma sensibilidade que abrange a vida vegetativa; em seguida, o animal, que vê e ouve e em que se delineia o mundo sensório; logo após, o homem, que da síntese sensória se eleva a uma interpretação racional da vida; depois, o super-homem que, com a capacidade da intuição, supera os limites da razão e sente diretamente o universo. E poderíamos continuar com os seres incorpóreos chamados anjos, através de toda a hierarquia de sua elevação.
O mineral se orienta, a planta sente, o animal percebe, o homem raciocina, o super-homem conhece por intuição eis a evolução da sensibilidade.
Se com a civilização diminui a ferocidade é porque aumenta a sensibilidade, à qual é ela inversamente proporcional. Como se cultivam as plantas, cultivam-se os espíritos e se domesticam os animais. E a planta cultivada perde os espinhos; o animal domesticado, os instintos ferozes; os homens civilizados se enobrecem nos pensamentos e nos atos. É um idêntico e universal processo de sensibilização esse, que absorve a ferocidade. Por isso, a sensibilidade dolorífica dos animais e dos selvagens é muito menor que a do homem civilizado. A reação investe sempre mais os estratos profundos. Os limites do universo são dados unicamente pela capacidade perceptiva e se dilatam à medida que essa capacidade aumenta
Notamos também uma outra característica do fenômeno inspirativo, comum a certos inspirados, isto é, a crise espiritual em que o fenômeno explode, após uma longa e invisível maturação. Essa explosão se liga a profundas deslocações nos equilíbrios evolutivos e a novas estabilizações em planos mais elevados. Vimos, depois, o problema das melhores condições de ambiente e a importância deste para a pureza da recepção. Existe sempre, para todos os inspirativos, uma necessidade de solidão, que funciona como isolante. E também de oração, que é elevação de espírito, que põe a psique em estado de receptividade, o que significa corrente elétrica negativa, necessária para fechar o circuito com a corrente das noúres, que é positiva e ativa. A prece pode ser também um desejo, que auxilia a elevação da tensão nervosa necessária para atingir os planos superiores de consciência, mais sutis, porém, mais potentes, e que representam, portanto, em face das correntes nervosas no estado normal, correntes de alto potencial. Tudo que eleva o potencial nervoso facilita a recepção noúrica, porquanto dinamiza; e na evolução, a desmaterialização é proporcionalmente compensada por esta sua inversão dinâmica. A percepção noúrica, de fato, dá uma sensação de alegria e de potência ao espírito, verificando-se em organismos purificados da animalidade e representando, em si mesma, um raio de ação e sensibilização muito mais vasto que o normal.
Descrevi minhas progressivas posições até alcançar a sintonização com a emanação noúrica, processo de adormecimento da consciência a um potencial normal e de ativação da consciência a um alto potencial, que momentaneamente neutraliza e reabsorve o funcionamento da outra. Começam a delinear-se aqui o significado e o porquê das condições do fenômeno.
Nesta primeira parte do capitulo, procurei eliminar os aspectos mais espirituais e menos técnicos da questão, a fim de sondar o fenômeno até seu aspecto mais simples e esquemático, mais facilmente analisável, portanto. Das outras características, sumariamente indicadas nos primeiros capítulos, como captação consciente e ativa das noúres, individualidade ou natureza de sua fonte, minha capacidade de oscilação entre consciência e superconsciência, sintonização por afinidade entre centro transmissor e meu centro psíquico registrador, etc., falaremos no estudo técnico que se segue, que não poderia ser feito na primeira parte, preponderantemente descritiva, mas só agora, que já expus e fixei os elementos de fato.
São dois momentos, estes, que tinham de ser bem distintos: primeiro, a descrição e depois, a interpretação dos fatos; observação exterior de conjunto, a princípio e penetração do significado, no final. Compreender-se-á, então, a necessidade de um ambiente bem sintonizado, como o dos bosques e montanhas, dum templo ou do próprio gabinete saturado de emanações noúricas; a necessidade de estados de ânimo de paz e do afastamento de interferências de vibrações psíquicas baixas, que perturbam a pureza da registração; compreender-se-á a necessidade da purificação orgânica e psíquica, processo evolutivo que leva à afinidade com a fonte, possibilitando, portanto, a sintonização, com ela, do instrumento de ressonância, que é toda a personalidade do médium; compreender-se-á o paralelismo que existe entre ascensão espiritual e sensibilização receptiva. Compreender-se-á como o instrumento, como tem acontecido com alguns místicos, possa a princípio interpretar mal, se ainda não se encontra bem maduro; compreender-se-á, no meu caso, a transformação progressiva da minha mediunidade, de passiva e inconsciente, a princípio, a uma forma sempre mais ativa e consciente, em seguida. Compreender-se-á, finalmente, como todos esses fenômenos noúricos, não obstante a diferenciação individual que os separa, encontram sua unidade na grande corrente central que se chama DEUS.
Aprofundemos, pois, o aspecto técnico do fenômeno, focalizando novamente nossa atenção. Qualquer fonte de emanação irradia em torno de si um impulso que se transmite. Chamemos essa fonte de centro transmissor. Verifica-se por lei geral, em todos os planos de evolução, inclusive os superpsíquico e, portanto, superespaciais, este fenômeno de expansão cinética, que é um princípio de unidade e amor que coliga em suas partes e elementos todo o universo.
Faltam-me palavras superespaciais, supertemporais e superconceptuais que me permitam exprimir-me; mas, evito qualquer referência às dimensões espaço e tempo, que no centro transmissor não existem mais. Para entender também este aspecto técnico importa haver compreendido o universo, escalonado como é em suas fases evolutivas, que significam planos ou níveis de existência, de sensibilidade, de concepção. As fases mais concebíveis e mais próximas de nosso universo são matéria, energia e espírito: o universo físico evolve para universo dinâmico, que evolve para universo psíquico; mais além, evoluciona para planos superpsíquicos que, atual e normalmente, constituem para o homem um inconcebível.
É preciso haver compreendido e ter presente a teoria da evolução das dimensões, como é desenvolvida em "
A Grande Síntese"
, pois, a passagem, por evolução, de um plano a outro, provoca mudança de sua dimensão ou unidade de medida. Volvendo ao conceito inicial: aquele principio de irradiação lança, nas várias dimensões de evolução, emanações que, ao encontrarem um centro sensível, podem ser registradas. Veremos, depois, se se trata de recepção passiva ou de captação ativa. Este segundo centro é o instrumento receptor.
Estão, assim, determinados os dois termos do fenômeno, que é essencialmente um fenômeno de transmissão e recepção, que tem sua correspondência no plano inferior do universo dinâmico, na transmissão acústica e, num nível relativamente mais elevado, na transmissão radiofônica por meio das ondas hertzianas, forma de energia mais evolvida das ondas acústicas.
Trata-se sempre de oscilações no centro transmissor, comunicadas por vibrações do meio (ar ou éter) ao receptor (ouvido ou aparelho radiofônico). As variações ou modulações do impulso originário são repetidas exatamente pelo órgão de chegada, pois os dois centros distantes são aproximados pelo meio, que os torna realmente comunicantes e fundidos numa união de movimento. O símile acústico ou radiofônico não prejudica a espiritual imaterialidade do transmissor, porquanto, efetivamente, o universo, nos seus vários planos, responde a um princípio único que, embora no Alto seja um inconcebível, se reflete em nosso universo físico, se bem que tornado rude pelo seu revestimento mais denso. No Alto, apesar de nos movermos em dimensões superespaciais, permanece, ainda quando destilado como pura emanação cinética, o princípio que, nos planos inferiores, é transmissão espacial por ondas esféricas. A analogia implica uma redução de potência e de pureza, mas é exata, considerando-se que a vibração ondulatória é a forma de chegada (pensamento) e não a forma noúre, de partida. Por isso, apenas chamamos emanação, a fim de exprimir o mesmo princípio de difusão, recordando, entretanto, que estamos além do plano espacial, dinâmico e do próprio plano psíquico.
Existe, todavia, uma grande diferença entre o caso inspirativo e o confrontado. Ao passo que neste, transmissor e receptor se localizam ambos no mesmo plano de evolução (dinâmico), no caso inspirativo os dois termos comunicantes estão situados em dois planos diversos de evolução e, portanto, em duas dimensões diferentes. Na recepção radiofônica o período final é acústico como o inicial; a vibração acústica originária é transformada em vibração elétrica para retornar, finalmente, acústica; e tanto melhor será a recepção quanto mais o fenômeno final se identificar com o inicial. Houve apenas uma transformação da forma dinâmica menos evolvida e, portanto, mais lenta, menos ágil e veloz porque mais aprisionada na matéria, — o som —, na forma elétrica, mais evolvida, mais rápida, mais livre da dimensão espacial e que, portanto, domina um campo espacial muito mais amplo. E nisso consiste justamente a utilidade e o progresso da descoberta.
Na recepção ultrafânica temos muito mais. Não existe apenas uma transformação temporária, com o objetivo único de transmissão, para voltar ao ponto de partida. Em radiofonia há uma permanência no âmbito da dimensão espaço-tempo do mundo dinâmico. Em ultrafania atravessa-se uma mutação muito mais substancial e profunda, que não é uma simples transformação de ondas acústicas em elétricas e vice-versa, nem uma simples transmissão espacial. A fonte inspirativa se localiza numa outra dimensão e a transmissão não se dá num sentido espacial, isto é, no campo da mesma dimensão espaço, porém, através de diversas dimensões.
Como já disse, aqui, os conceitos científicos não bastam e é necessário que a ciência faça seus estes conceitos transcendentais, indispensáveis à compreensão também do aspecto técnico do fenômeno.
O centro genético das emanações noúricas não possui nem os caracteres do mundo dinâmico nem os conceptuais do mundo psíquico humano, mas está situado numa dimensão superconceptual de caráter abstrato, onde se encontram os princípios universais. A fonte não vibra, não irradia vibrações no sentido por nós conhecido, sejam elas embora de pensamento; não transmite ondas-energia na dimensão espaço-tempo, mas emana um quid absolutamente imaterial, um impulso, uma potência que não se pode definir com os atributos das dimensões do nosso universo. Dessa sua dimensão mais elevada, a emanação deve descer; essa potência deve precipitar-se sobre a dimensão conceptual do pensamento humano e a chamada recepção não pode realizar-se senão em virtude dessa descida.
O fenômeno muito mais complexo da inspiração, e que a distingue da radiofonia, é justamente este. Os dois termos do circuito estão qualitativamente distantes e, portanto, a comunicação, que determina a repetição do impulso originário no receptor, não se pode estabelecer senão através de um processo de transformação dimensional. Este processo noúrico poder-se-ia comparar ao de um transmissor que pensasse ou compusesse "diretamente" em ondas hertzianas que, para serem percebidas no plano sensório, devem sofrer uma transformação involutiva até se tornarem energia mecânica (vibração da membrana microfônica) e, finalmente, sonora.
Para unir os dois pólos do circuito é necessário realizar esta inaudita operação, que é a passagem de um plano evolutivo a outro, o que significa mudança de substância, de uma a outra forma sua Noutros termos, para exprimir a emanação originária como pensamento, dentro do concebível humano, importa operar uma redução de dimensão; essa descida à terra significa que aquela potência tem de percorrer um regresso involutivo: é esta a condição para que ela possa manifestar-se na dimensão humana do inteligível. Essa redução de dimensão e esse regresso involutivo são um processo de íntima transformação da substância cinética da forma radiante e se realiza não no espaço, mas atravessando várias dimensões de diversas fases evolutivas para chegar, sozinho, ao termo de sua transformação, à nossa dimensão e fase de evolução. O caminho não é, pois, percorrido em sentido espacial mas, sim, em sentido evolutivo, isto é, ao percorrer a dimensão evolução, evolvendo se ascende para o transmissor e involvendo se desce para o receptor.
Como vemos, não obstante a correspondência entre os vários planos, inevitável num universo orgânico regido por um princípio unitário, o fenômeno inspirativo é bem mais profundo e complexo que o fenômeno radiofônico. Se, por exemplo, em telepatia se pode falar de ondas-pensamento porque existe pensamento, na inspiração falar de vibrações é um absurdo, porquanto a dimensão da zona psíquicoconceptual foi superada. Direi mais exatamente: no fenômeno inspirativo não encontramos a forma vibratória da onda-pensamento senão na extrema fase da recepção, no final da redução involutiva, qual último derivado, por continuidade, da emanação original traduzida em termos do pensamento humano. Por tudo isso se compreende quanto estes fenômenos superam a psicologia experimental de gabinete e como é necessário, para seu estudo, que a ciência se afine e faça seus esses elementos do transcendental.
As duas estações estão, pois, situadas, uma, na fase evolutiva ou plano dinâmico (se se trata de mediunidade à base de percepções sensórias) ou psíquico (se se trata de conceitos como na mediunidade intelectual-inspirativa) isso do lado humano; a outra, do lado super-humano, está situada na dimensão superconsciência, que supera a do psiquismo humano. Não me refiro à mediunidade barôntica ou física, em que o transmissor pode encontrar-se no mesmo nível humano ou ainda inferior a este. E se evolução é desmaterialização e espiritualização, a comunicação entre o transmissor evolvido e o receptor humano relativamente involvido não se pode realizar senão materializando a emanação, o que significa redução de potência e revestimento do conceito abstrato, sintético, instantâneo com a forma do pensamento objetivo, analítico e progressivo na palavra, qual é o humano.
Vejamos, agora, como se pode estabelecer a comunicação entre os dois centros. É evidente, que sendo o universo sempre todo presente em suas várias fases evolutivas e dimensões que os seres atravessam no infinito, o limite do perceptível somente existe nos meios individuais de percepção e não nos fenômenos. Assim, por exemplo, o ouvido humano não abarca senão uma determinada amplitude na freqüência de vibrações dos sons, além da qual não há percepção. É óbvio também que, como com a criação de novos instrumentos e recursos de pesquisa se alcançou a revelação de um novo mundo, do mesmo modo toda extensão de sensibilidade desloca o limite do cognoscível, que é justamente uma função daquela, um relativo suscetível de contínua evolução. O perceptível, pois, não tem fronteiras em si mesmo, mas apenas na relatividade de nossa posição evolutiva; se esta se eleva, automaticamente também se dilata o perceptível.
Já expliquei como evolução é progressividade de sensibilização. A percepção e a concepção do universo são, portanto, relativas à sensibilidade individual, e mudam, dilatando-se, com o progredir desta. Amplia-se a visão do universo à medida que a consciência evolve. Do mesmo modo, também, o concebível é progressivo, a visão da verdade é relativa à potência individual e não pode ser atingida senão por sucessivas aproximações. Se quisermos traduzir graficamente o conceito, poderíamos graduar a sensibilidade progressiva do ser em evolução ao longo de uma escala, nesta ordem: mineral, planta, animal, homem, super-homem, — capazes de responder a uma gama de radiações sempre mais vasta e profunda. Isso equivale ao processo de exteriorização cinética, que é a substância da evolução; é simultaneamente dilatação de consciência ao longo da linha da sensibilização psíquica e manifestação da Divindade, duplo processo de aproximação dos dois extremos, através do qual a criatura volta ao Criador.
Pode-se, pois, estabelecer para todo indivíduo, conforme o ponto mais elevado que alcançou na escala, uma amplitude de capacidade perceptiva que compreende todas as menores, mas em que se excluem as mais amplas. Para que dois seres inclusive no mundo humano, possam comunicar-se isto é, compreender-se é necessário que usem a mesma linguagem e expressem a mesma sensação do universo, o que significa que sua sensibilidade abranja o mesmo campo de capacidade perceptiva. A compreensão só é possível até onde o campo se sobrepõe, até onde haja coincidência de amplitude. Assim, o mais pode compreender o menos, mas não o contrário. Experimentemos explicar um conceito abstrato a um ignorante; ele não o compreenderá se não soubermos reduzir a idéia abstrata à sua dimensão conceptual de representação sensória Esta é a condição da comunicação.
Tudo isso também pode ser dito doutro modo Se, postos dois diapasões vibrantes à mesma nota, percutirmos um deles fazendo-o vibrar, também o outro se porá em vibração emitindo o mesmo som. Este princípio de ressonância é universal e verdadeiro tanto no campo acústico ou elétrico quanto no psíquico e superpsíquico. O contacto da consciência com o mundo exterior pelos caminhos dos sentidos é devido justamente a um fenômeno de ressonância. Nisso se baseiam a radiofonia e a telepatia. Muitas vezes quando uma pessoa está para dizer-nos uma coisa, nós já a sentimos no próprio pensamento. "O fenômeno de ressonância consiste no fato de que dois órgãos suscetíveis de oscilações, tendo a mesma característica ou freqüência (no caso de um diapasão, o número de vibrações por segundo) podem influenciar-se reciprocamente, se um deles, mediante as próprias oscilações, produz ondas num meio que abranja ambos". (Eng. E. MONTÚ, "Rádio", pág. 31). Também o pensamento pode transmitir-se por ressonância quando os centros cerebrais, nos movimentos atômicos de sua estrutura celular sejam suscetíveis de oscilações que possuam idênticas características. Então, os dois centros psíquicos podem influenciar-se mutuamente, através de um meio comum que receba e transmita suas vibrações. É indubitável que o pensamento seja uma vibração, porém, reduzida a sutilíssima e evolvidíssima forma dinâmica, em vias de superar a dimensão espaço-tempo. Na verdade a psique humana é um órgão capaz de vibrar e de entrar em ressonância, de transmitir e registar normalmente correntes psíquicas, porquanto é assim que se forma, se projeta, se comunica e se recebe o pensamento, que, como a luz, circula por toda parte na atmosfera humana e além dela. Assim se transmitem estados de ânimo sentimentos, além de conceitos. O segredo dos oradores, dos caudilhos que arrastam as massas, está em saber despertar essas ressonâncias. O pensamento vibra no universo, repercute, reage, volve à fonte, une em sintonia os centros distantes, anula-se, acumula-se, soma-se, desintegra-se; nós irradiamos e recebemos irradiações do ambiente humano, dos planos inferiores, do Alto, num mar de noúres, de vibrações infinitas. Cada um entra em correspondência como sabe e como pode, conforme sua capacidade; mas, a consciência do sensitivo é uma caixa harmônica fremente de todas as irradiações do universo.
A telepatia outra coisa não é que um fenômeno de ressonância. Ressonância significa sintonização no mesmo estado vibratório, base da percepção sincrônica. Significa simpatia, afinidade. E por ressonância não só se transmite, mas também funciona o pensamento que é levado a mover-se por conexão de idéias, que é sua forma de menor resistência. As idéias se atraem espontaneamente por afinidade. Sua reaparição na consciência se deve à excitação de um estado vibratório que se propaga às formas semelhantes, capazes de ressonância. Os caminhos da mnemônica são os caminhos dessa ressonância por conexão. As estradas reais da consciência coletiva são as da ressonância. A compreensão é um fenômeno de ressonância. O pensamento, finalmente, tende, como todas as formas menores do mundo dinâmico, à difusão e, uma vez projetado, é indestrutível.
Tudo isso nos conduz às mesmas conclusões do início. Para que se efetue a comunicação entre os dois centros é indispensável a mesma capacidade de ressonância, isto é, que eles sejam suscetíveis de deslocamentos cinéticos, dotados das mesmas características. Ora, para obter isso é necessário partir do mesmo equilíbrio cinético, isto é, importa achar-se no mesmo grau de evolução e de sensibilização que abranja o mesmo campo de capacidade perceptiva ou conceptual. Só então pode realizar-se a sintonização. A base desta, portanto, é a afinidade. Para que se possa estabelecer a comunicação é necessária uma sintonização entre a consciência do médium e o centro de emanação, um estado de simpatia que permita a atração, um estado complementar e de semelhança que estabeleça a fusão. As leis de afinidade se encontram na base de todos os fenômenos, inclusive daqueles comumente controláveis, de atração psíquica. Eis porque tanto tenho insistido sobre o paralelismo entre sofrimento e mediunidade inspirativa, justamente porque o primeiro é instrumento de evolução, que é sensibilização conducente à afinidade com os mais altos centros transmissores. A recepção noúrica, que é comunicação com centros superevolvidos, exige a ascensão espiritual até àquele nível. Para que se possa estabelecer o contacto com a fonte é necessário que a consciência se sensibilize por evolução, até o ponto de atingir uma amplitude de capacidade perceptiva que se sobreponha à da fonte: esta é a condição da compreensão; importa adquirir por ascensão de espírito a capacidade que lhe permita responder às sutis emanações noúricas. "Para comunicar-se, o espírito desencarnado se identifica com o espírito do médium e esta identificação não se verifica senão quando existe entre eles simpatia, pode dizer-se mesmo, afinidade", diz Allan Kardec no seu "Livro dos Médiuns", pág. 319
. "A alma exerce sobre o espírito livre uma espécie de atração ou de repulsão, conforme o grau de semelhança ou diferença entre eles; ora, os bons sentem afinidade pelos bons e os maus pelos maus, donde se segue que as qualidades morais do médium têm uma influência essencial sobre a natureza dos espíritos que se comunicam por seu intermédio. Se ele é vicioso, em torno dele se agrupam espíritos inferiores, sempre prontos a tomar o lugar dos bons espíritos que foram chamados. As qualidades que atraem, de preferência, os bons espíritos são a bondade, a benevolência, a simplicidade de coração, o amor do próximo, o desprendimento das coisas materiais; os defeitos que os afastam são: o orgulho, o egoísmo, a inveja, o ciúme, o ódio, a cupidez, a sensualidade e todas as paixões por meio das quais o homem se prende à matéria Todas as imperfeições morais são outras tantas portas abertas que dão acesso aos maus espíritos".
Temos, portanto, dois centros, transmissor e receptor, situados em planos diversos de evolução. Comunicam-se pelo princípio de ressonância, que se dá somente quando exista capacidade de vibração em uníssono, o que sucede, por sua vez, apenas quando os dois centros se encontram no mesmo nível evolutivo, isto é, de sensibilização, perfeição moral e potência perceptiva conceptual.
Kardec considera particularmente o lado moral da afinidade, mas evolução é ascensão de todo o ser e implica também uma sensibilização às ressonâncias mais sutis, uma expansão perceptiva e uma potencialidade conceptual. O fenômeno da mediunidade intelectual inspirativa é, pois, um fenômeno de sintonização, cuja condição é a afinidade. O problema da comunicação reside, portanto, na afinidade. Há uma distância qualitativa, de capacidade de correspondência, entre os dois centros e é preciso preenchê-la. Para sua união, em sintonia, se impõe, então, uma transformação e são dois os casos: ou a transformação se processa por obra do transmissor, que involve suas emanações (os dois centros são ativos e conscientes) até o nível perceptivo sensório do receptor, e este é o caso das audições acústicas, visões óticas e outras percepções sensórias de vários místicos, cuja fonte, embora de efeitos físicos, se distingue sempre das produções barônticas pela elevação da proveniência demonstrada pelo tipo de aparição e pelo seu elevado conteúdo moral. O encontro, pode, assim, dar-se também no plano sensório humano, se esta é a via de menor resistência, dadas as características do médium. Este pode ser um santo do sentimento e da bondade e não da intelectualidade, não especializado, portanto, no lado psíquico, até a superconsciência. Ou então, — segundo caso — a transformação se efetua por obra do receptor que pelo seu grau de evolução, sabe elevar-se por si mesmo até o plano conceptual do transmissor. Este é o meu caso de mediunidade intelectual inspirativa e consciente. Agora se começa a compreender sua estrutura e seu complexo funcionamento.
Neste caso, a capacidade do médium consiste em saber a distância que o separa da fonte inspirativa, ascendendo ele próprio a escala evolutiva e alcançando a afinidade, que é base do fenômeno da ressonância, e isso no campo particular (moral, intelectual, artístico, heróico) que diz respeito à comunicação
. O inspirado deve saber emergir ativa e conscientemente na dimensão conceptual própria do centro transmissor e, para atingi-lo, deve haver atravessado todo o tormento de sua purificação, porque só esta pode sensibilizá-lo até à captação das noúres mais elevadas. Se, atingida a imersão numa atmosfera rarefeita, a recepção é espontânea, agradável, dinamizante, o esforço, não só da longa maturação evolutiva, mas também o imediato, de colocação em fase de alta sintonização e de atingir a necessária tensão nervosa em alto potencial, é todo do médium. E ele tem de manter-se, demorada e normalmente, em casos de registrações volumosas, naquele estado de tensão; tem de suportar sozinho, sem conforto e sem compensações humanas, a exaustão orgânica subsequente e a tristeza na solidão que sucede ao esforço supranormal. Atingida a noúre, ele deve manter o contacto em perfeita consciência, tudo relacionando e conservando completamente a própria lucidez e potência de análise. Finalmente, embora imergindo numa diversa localização em fase de consciência, o inspirado não deve fechar as pontes atrás de si e sim deixar unidas sua superconsciência e sua consciência normal, a fim de que seja possível, após haver subido evolutivamente, descer involutivamente para transmitir à sua consciência comum e com esta aos seus semelhantes, o conteúdo de sua visão.
Indispensável é, pois, saber manter desperta a consciência nos diferentes planos, não só no Alto, mas também nos planos inferiores e saber sustentar as já referidas união e comunicação para poder sempre surgir à superfície da consciência humana normal. Continuamente se faz preciso o dinamismo dessas deslocações, que permitem a tradução das sensações e concepções de um a outro plano. O inspirado tem, pois, não só de dominar uma amplitude perceptiva amplíssima, em que sua sensibilidade é posta a dura prova; seu ouvido psíquico não deve captar somente uma gama musical imensamente mais ampla que a do concebível humano; tem ele que possuir rapidez de mutação interior, agilidade de deslocação ao longo da linha da evolução, presteza de adaptação às sucessivas focalizações dos vários visuais de perspectiva. Sem essas qualidades seu trabalho seria impossível. E essas deslocações ele tem de efetuar sem descontinuidade, sem zonas de inconsciência, sempre cientemente. Deve movimentar-se comodamente de um a outro extremo, seja na pequena consciência sensória e racional, apropriada aos conceitos analíticos e ligados à vida humana, seja na consciência intuitiva, adequada aos grandes conceitos longínquos, abstratos e sintéticos do absoluto. Somente neste caso se pode falar de mediunidade inspirativa consciente, a que domina o fenômeno, sente, joeira e escolhe as correntes, controla seu pensamento, julga-o e aceita-o. Quando o grau evolutivo do ultrafano é inferior ao da noúre captada, então a redução dimensional não pode efetuar-se em sua consciência e se tem a mediunidade mais comum, passiva e inconsciente, em que o sujeito é um mero instrumento que regista sem compreender. O verdadeiro ultrafano consciente tem de realizar, nas profundezas de seu eu, um laborioso esforço, pois, funciona como transformador de emanações noúricas em vibrações-pensamento, como instrumento de redução do superconsciente inconcebível ao consciente concebível. Se não executasse essa descida psicológica não saberia exprimir-se e se conseguisse expressar-se seria julgado um louco. Além de tudo isso, deve ele possuir também a memória precisa de seus complexos estados, para poder oferecê-los como elementos de observação; deve ter igualmente qualidades de auto-análise e introspecção, que lhe permitam analisar e interpretar o fenômeno e apresentar e usar o método intuitivo na pesquisa sistemática do inexplorado científico.
No meu caso, a registração dos conceitos não é recepção passiva, mas captação ativa, de sinal não negativo, mas positivo. Minha inspiração pode ser definida, então, como mediunidade intelectual (registração de conceitos), inspirativa (isto é, proveniente dos mais elevados planos de evolução), ativa (isto é, por captação) e consciente (nos vários planos e dimensões). Tudo isso se torna para mim um método normal de pesquisa por intuição, uma verdadeira técnica de pensamento para mim, um sistema intelectual e cultural que domino perfeitamente.
Já descrevi os meios com que o consigo e conservo. Se particulares condições são requeridas, isso não tira o valor dos resultados práticos que com ele obtenho e que constituem um fato.
Nos descritos estados de adormecimento da consciência normal, eu realizo, por iniciativa e com esforço próprios, a transformação acima descrita, que faz ascender meu eu consciente a uma dimensão superior. E quando a visão superespacial, instantânea, abstrata, atravessa minha sensibilidade, devo saber descer novamente ao nível psicológico normal, realizando a transformação em direção inversa, pois que sem isso não me seria possível comunicar-me nem me fazer compreendido. Devo, assim, saber oscilar ao longo da escala da evolução e da involução, com diferentes focalizações de consciência, que me permitam exprimir, em termos racionais e de análise, a intuição sintética que em sua forma originária é inexprimível.
O que descrevi é, sobretudo, a técnica funcional do meu fenômeno, que melhor que ninguém eu conheço. Assim, confiando-me, nos pontos mais salientes, à intuição, defini o problema, para mim também até agora incerto, de minha inspiração.
* * *
Estabelecida, assim, a estrutura central do fenômeno, completemo-lhe a interpretação em outros aspectos seus.
O pensamento é, portanto, totalmente uma noúre e se comunica e ecoa de centro a centro; o universo está saturado de emanações conceptuais que são percebidas todas as vezes que o ser, por evolução haja alcançado o grau de sensibilização suficiente para entrar em ressonância. No plano dinâmico e psíquico, o universo aparece ao sensitivo como um oceano ilimitado de irradiações de todo gênero. Essas emanações, cada uma em seu nível em formas diversíssimas obedecem ao mesmo princípio universal de expansão, coligam o universo em todas as suas partes e representam o órgão de sua sensibilidade física e psíquica. Quando mais se ascende evolutivamente mais sutilmente se sente o universo, mais claramente se percebe e concebe a si mesmo. A consciência altíssima que conhece todo o funcionamento do grande organismo é a idéia diretriz de Deus. E este o Centro a cuja direção ascendem os vários planos da evolução, a meta longínqua a que tendem esses sobrepujamentos de consciência e de dimensões. Eis porque o conteúdo da mediunidade inspirativa é a revelação, eis porque ela conduz à unidade e à verdade.
Isso nos faz compreender como somente em nosso mundo involvido em que o pensamento é continuamente estorvado em sua circulação pelas resistências da matéria, ele se possa conceber aprisionado, separado na forma da individualidade humana. Somente nesses planos mais baixos o pensamento pode permanecer diferenciado, entre barreiras pessoais; mais no alto, ele circula livremente, fundindo com facilidade na mesma ressonância os centros hipersensíveis, que assim se unificam no mesmo modo de ser e cujo timbre é definido pela corrente de seu plano. Nesse nível a forma do ser é psíquica, não mais física; não é mais um corpo, mas um estado de consciência e é definido pela irradiação naturalmente dominante naquele plano, em que os seres automaticamente se equilibram, pelo seu peso específico, na escala da evolução. Como estamos vendo, é possível afrontar e resolver problemas de alta teologia com os conceitos mais exatos da psicologia científica.
Pode-se, agora, melhor compreender o que já foi dito sobre o problema da individualidade do centro transmissor, o que já foi por outrem percebido, isto é, que essa voz inspirativa "não deve ser entendida como um ser invisível individual, mas como uma emanação de energias espirituais fundidas num feixe". (Ferder, "O Ciclo Progressivo das Existências").
Quando a inspiração toca um certo nível, não mais se pode falar de uma entidade como centro psíquico, num sentido pessoal humano, não se pode definir nem limitar a fonte a um nome; pode-se apenas indicar a direção de proveniência e falar de planos de evolução e de correntes noúricas que os percorrem e definem.
Foi nesse sentido que falei de Cristo como centro de emanação, fonte de revelação, corrente de pensamento sempre presente que governa o mundo. Somente esta concepção cósmica do Cristo, muito superior à histórica e humana
, pode dar-nos o sentido de Sua divindade e de Sua presença, atividade e função histórico-social. A imprensa sul-americana, com muita precipitação e simplicidade atribuiu, sem mais, a Cristo as "Mensagens" e a "Grande Síntese", pelo seu sabor evangélico.
É preciso, porém, compreender quanto é perigoso e anticientífico, definir de forma tão categórica, uma proveniência que reduz o Cristo à comum concepção histórica humana; é preciso entender que o Cristo real não pode ter, em Sua essência, nenhuma forma em nosso concebível, que não o alcança e encerra senão reduzidamente. No meu caso, pois, só se pode falar de direção da descida das noúres; pode-se dizer que, desde a direção, ninguém sabe quão longínqua e de qual vertiginosa altura, que tem seu início em Cristo e na Divindade, procede uma noúre, através não se sabe de quantos planos e sofrendo desconhecidas reduções de adaptação, até o plano em que minha mais alta consciência inspirativa, ascendendo fatigosamente, pode captá-la, para realizar o último e certamente o mais rápido caminho que devia levá-la à forma da psicologia humana.
"A vós venho do Alto e de muito longe" diz Sua Voz na Mensagem do Perdão
.
"Não podeis perceber quão longo é o caminho que nós, puro pensamento, devemos percorrer a fim de superar a imensa distância espiritual que nos separa de vós, imersos na terra lodosa. Vossas distâncias psicológicas são maiores e mais difíceis de ser vencidas que as distâncias de espaço e de tempo".
Isso significa distância conceptual da fonte e longo caminho percorrido, isto é, redução dimensional operada para superar aquela distância e descer daquela altitude ao nosso plano de evolução: distâncias psicológicas, evolutivas, de dimensão conceptual. Só agora, que delineamos este estudo técnico sobre as noúres, podemos compreender qual processo de redução implique essa descida de correntes espirituais, qual série de filtragens seja necessária, através de vários planos, para que a luz seja perceptível e a irradiação acessível; quantos intermediários, de gradual transparência espiritual, devam colaborar para que a cegueira espiritual do intermediário possa alcançar o alto e a potência conceptual possa chegar, límpida, sem ofuscar-se, ao plano terreno. Nesse complexo processo, muitos auxílios são necessários ao lado de meu esforço e, não obstante minha forma de mediunidade inspirativa consciente, grande parte da transformação tem de se realizar fora de minha consciência, em planos superiores aos que me são acessíveis; um trabalho de preparação, que ignoro, tem de realizar-se acima de mim, para trazer a noúre até o plano de minha captação. O fenômeno é vasto, feito de diversas colaborações, através de gradações de pureza e elevação de que eu sou apenas o último termo, o mais baixo e involvido. No Alto, como realidade objetiva e científica que eu sinto, se acha um coro de hierarquias que gravitam, de esfera em esfera, na grande luz de Deus; até os planos inferiores se prolonga a hierarquia e a Terra recebe as irradiações do Alto e é guiada.
Após tudo isso, compreende-se sempre melhor que o problema para mim fundamental, como primeira condição para minha captação noúrica, é o da ascensão espiritual; compreende-se como, para mim, a questão da mediunidade e a do aperfeiçoamento espiritual devem coincidir.
Se a fonte da inspiração está no Alto, eu devo viver sempre estirado para o Alto, para poder atingi-la. Sou uma antena, sensibilizada pela dor, e deve elevar-se o mais possível aos planos superiores, a fim de trazer deles ao nosso suas concepções. Quanto mais me purificar a mais alto poderei subir e mais se ampliará meu raio de sintonização e captação. Em ultrafania vigora a lei de afinidade. É princípio geral que cada médium não pode entrar em sintonia consciente senão com a noúre do próprio nível evolutivo. Isso porque a recepção inspirativa não se deve a uma transmissão individual, mas é uma imersão minha numa corrente de pensamento ou atmosfera conceptual, em sintonia com a qual se determina a forma de minha consciência. Por isso, se eu descer moralmente me dessensibilizo também e perco a consciência daquele plano de noúres, densifico meu peso específico e perco a capacidade de mover-me naquelas alturas. Devo afinar diariamente o delicado instrumento da minha ressonância no sofrimento e no desapego, a fim de poder facilmente superar, sem correspondência, o mar das noúres involvidas e barônticas que me circunda. Devo sensibilizar, cada dia, o ambiente para que, por diferença de sua natureza, permaneça surdo às vibrações mais baixas e se lance, pelo contrário, para o alto, somente vibrando se percutido por emanações elevadas. Do mesmo modo que a onda elétrica, por ser mais evolvida é também mais potente e mais livre que a onda acústica, isto é, domina um raio de ação mais vasto, chega mais depressa e mais longe porque mais supera a dimensão espaço-tempo, também a emanação ultrafânica, captada pela minha recepção, quanto mais estiver situada evolutivamente no alto, quanto mais é poderosa e livre e mais amplamente supera os limites das dimensões inferiores, tanto mais vasto é o campo conceptual que domina. De qualquer modo, quanto mais elevada for, mais poderosa será. Quanto mais eu subir evolutivamente mais potente será a fonte que poderei atingir, mais se dilatará, pois, o raio de minha captação conceptual, mais profunda será minha visão das verdades absolutas. O progresso e o fortalecimento de minha inspiração provém inteiramente de meu progresso espiritual, porquanto basta subir para saber. Eu não estudo em livros, mas leio na vida. "Há mais coisas no livro de Deus que nos vossos" — dizia Joana D’Arc — "e eu sei ler num livro que vós não sabeis ler". A sabedoria mais profunda é dada pela evolução e não pela cultura. Isso poderá parecer absurdo em face da psicologia prática, mas os fenômenos têm uma lógica e preciso segui-la até às profundezas.
Compreende-se, deste modo, como eu situo o problema de minha mediunidade inspirativa e por que acredito que assim se deve orientar o estudo dos casos de ultrafania elevada. Ao passo que grande distinção da mediunidade comum é entre vida terrena e além, a minha diferenciação fundamental é entre involvido e evolvido; meu problema mediúnico é problema ético, é o problema da ascensão do universo e, enquanto imerge suas raízes na mais baixa animalidade, expande suas ramificações no céu das dimensões superconceptuais. No meu caso, por isso
, não tem sentido, deixando-me indiferente, a comunicação com os espíritos de defuntos que, situados mais ou menos no nosso nível, nada sabem, nada têm para dizer-nos, repetindo as velhas
e pobres coisas humanas
.
A mim urge, ao contrário, superar este plano humano em que vivos e mortos se agitam e em que se permanece sempre aqui em baixo, na sombra. Hamlet dizia: "ser ou não ser". Eu digo: "subir para saber, eis o problema". Estabelecida a premissa, demonstrada na "Grande Síntese", da evolução das dimensões e da ascensão dos seres através de planos de sensibilidade, de perfeição moral e de potência conceptual; estabelecido o monismo, também na "Grande Síntese" demonstrado, isto é, um universo gerado por um princípio único — Deus — e admitida, finalmente, esta teoria, já agora evidente, por mim realizada, da percepção noúrica por sintonização, compreende-se como minha mediunidade não pode ser senão a forma da evolução psíquica e espiritual do homem, o repetir da aspiração de todo o universo, a encaminhar-se para seu centro, Deus.
Minha mediunidade, por isso, é religião, ora e adora; e assim se coloca em face da ciência, porque possui e demonstra a verdade. O fenômeno da minha captação noúrica está aberto diante da eternidade. Sinto que, através dele, de corrente em corrente, de esfera em esfera, eu me remonto àquele divino centro de poder e de conceito. Sinto que Ele me chama das profundezas do meu eu e das profundezas dos seres. Imergindo por meio de minha mediunidade, nos estratos mais íntimos de minha consciência, sinto que, através deles, subo aos vários planos evolutivos e que meu espírito encontra a unidade, o principio, a substância, o absoluto. Nas entranhas do relativo e além dele, sinto a verdade imóvel em torno da qual ele vai girando no vórtice da evolução. Porque a direção das noúres está nas profundezas do nosso eu e das coisas, onde se encontra Deus.
* * *
Dirijamos agora o olhar para o outro extremo, mais baixo e mais acessível, do fenômeno. É evidente que, em suas zonas superiores, o fenômeno não pode ser atingido pela observação e que, além destas declarações que só eu posso fazer, o fenômeno permanece em sua fase de origem, cientificamente incontrolável. Pensemos na relatividade da nossa posição na escala da evolução intelectual dos seres e como nosso maior gênio representa uma redução de dimensão, um meio denso e material em relação a fases mais evolvidas e espirituais. Já nos espantam a instantaneidade do pensamento e a profecia, que domina o futuro, e estas são apenas as primeiras vitórias sobre a dimensão temporal. A ciência, produto da psique humana, não pode possuir os meios de observação do que supera a capacidade da própria psique.
Em sua origem, a noúre elevada da revelação não é pensamento que se transmite esfericamente, por ondas, embora através dum meio sutilíssimo, aos últimos limites da dimensão espacial; é, porém, emanação de um superior estado cinético da substância que, transportado ao nosso concebível, constitui uma realidade inimaginável, porque estendida numa gama de estados cinéticos com os quais a psique humana normal não sabe entrar em ressonância (compreensão).
A noúre penetra na zona do perceptível normal somente em sua fase de chegada, assumindo a forma vibratória de pensamento só depois de concluído o processo de transformação involutiva na consciência do médium. A ciência não possui, por isso, outro meio de pesquisa, não pode atingir o fenômeno senão através desse instrumento. Não existe nenhum veículo mecânico que possibilite a alguém percorrer a dimensão evolução, senão o próprio eu que evolve. Não existem meios para captar o supersensório a não ser esse órgão ultrafânico que funciona como transformador noúrico ou redutor de dimensões. Não resta, pois, à ciência senão uma observação indireta do fenômeno, tal como aparece refletido na psique do médium inspirado. Por isso, quis analisar o meu caso porque só eu o tenho, completo e à mão, para as observações. Só reunindo na mesma pessoa a função da ciência que observa e a do ultrafano que sente e regista, se pode estudar intimamente o problema. Outra pessoa, embora mais sábia, não possui o contacto direto com os fatos do meu mundo interior. Somente eu assisto ao processo de minha captação noúrica e não me é permitido fazer com que outros a ele assistam senão através destas minhas descrições. Para estes, não existe senão a possibilidade de estudo das minhas declarações e da estrutura psicológica das registrações conceptuais por mim realizadas. Permanecerão de fora, contudo, porquanto as mesmas leis do pensamento, que também agora permanecem reais, não me permitem comunicar minhas sensações senão a quem é capaz de entrar em ressonância com tal ordem de vibrações; e quem não o puder, não compreenderá. É natural, pois, que muitos neguem, porque não acham nenhuma correspondência na própria sensibilidade. Nada por eles posso fazer. Não se pode fazer ouvir o som a um surdo nem fazer ver a luz a um cego. Os fatos, porém, permanecem, representando um enigma, e com a acusação de desequilíbrio neurótico me será atribuída a paternidade absoluta da "Grande Síntese", o que esta o desmente com toda a evidência. Para todos, permanece indestrutível o produto do processo inspirativo, a verificação de que é difícil consegui-lo com os recursos culturais normais; permanece a lógica desta minha interpretação, uma construção conceptual que se estende através de todo este volume só para sustentar uma inexplicável humildade que renuncia a fazer próprio um produto intelectual que eu tinha a meu alcance.
Desçamos, agora, da altura da emanação noúrica ao nível humano, onde se detém a transmissão e se fixa a recepção. O último termo da transformação noúrica, o mais baixo do processo fenomênico, a zona de máxima involução está no organismo nervoso-cerebral do médium. Já mostrei que importa elevar o potencial nervoso para atingir a percepção noúrica. É-me necessário, por isso, um aumento de tensão elétrica, que me permita entrar em ressonância com a corrente noúrica, assumindo uma freqüência maior (intuição) do que a racional normal. O período de adormecimento da consciência normal, que inicia a recepção, é o trabalho de colocação em fase, com uma freqüência de percepção superior à normal, saindo da ordem de vibrações comuns para sintonizar com outra mais poderosa. A vontade é uma irradiação mais involvida, proveniente de uma freqüência vibratória inferior e cuja presença tem um poder destrutivo desses mais evolvidos e, delicados estados vibratórios que permitem a sintonização com a noúre. Por isso, o inspirado é um sensitivo e raramente um volitivo, dominador e apto para dirigir, tipo que, diante de tais problemas, por sua vez, é impotente.
Tudo isso explica o trabalho de sintonização ambiental que auxilia minha registração, a necessidade que tenho de encaminhá-la, a uma harmonização vibratória de meu próprio eu, e esta quanto mais se eleva mais tem de ser profunda. Daí o fato de um afrouxamento de tensão de minha parte, por cansaço ou por distúrbios no ambiente, poder produzir verdadeiros fenômenos de evanescência, analogamente ao fenômeno de evanescência (fading) das radiotransmissões. Em sua zona mais baixa o fenômeno tem características elétricas e é constituído, na verdade, no plasma cerebral por disposições de cinética atômica E o átomo é um organismo elétrico
Essa oscilação, pois, que meu ser psíquico tem de realizar ao longo da escala de evolução e involução para ascender a uma dimensão superior e depois reduzi-la à normal, se reflete em sua zona mais baixa, em mudanças de potencial, de tensão e de freqüência vibratória no meu sistema nervoso e cerebral. A transformação de dimensão, iniciada pela emanação originária por processos imateriais supersensórios, incontroláveis pela observação, à medida que desce involutivamente, vai-se tornando acessível aos métodos da ciência, porque se manifesta, finalmente, em forma de onda-pensamento no meu cérebro e termina através de movimentos musculares da mão sobre a ponta da pena. Esta é a fase final, a mais densa, da materialização da noúre. O pensamento, que antes era móvel e fluido, solidifica-se agora na palavra, cristaliza-se numa forma imutável. O pensamento, que antes eu sentia completo, instantâneo e contemporâneo, justamente porque numa dimensão supertemporal, devo transformá-lo, na redução, em consecutivo e filiforme como na palavra: redução de dimensão volumétrica a linear
O momento em que o fenômeno se torna tangível é o da coagulação da substância mobilíssima e evanescente, rapidíssima para escapar, e que eu trago segura, num estado de extrema delicadeza perceptiva, que é também vulnerabilidade nervosa, que me faz estremecer a cada perturbação ou interrupção. Isso se mostra lógico desde que se pense no processo que se tem de realizar em minha psique e no meu cérebro. Acompanho a corrente noúrica como arrebatado em êxtase; devo enfrear e dominar sua contemporaneidade na gênese filiforme do pensamento; devo fazer transparecer na modulação racional e lingüística a modulação da emanação superconceptual originária; devo manter a percepção supersensória anímica e abstrata através da minha tensão como uma ligação delicadíssima que ao mínimo choque se rompe. Medite-se em quanto está distante a emanação de origem da registração final e, no entanto, elas devem estar unidas em ressonância e a modulação de chegada, embora reduzida, deve coincidir, sem distorções, com a modulação de partida. A mínima vibração desarmônica (quanto mais alto se sobe mais o estado harmônico é necessário, porque é um avizinhar-se da unificação), qualquer choque heterogêneo, acústico ou psíquico, que penetre o ambiente pode produzir distorções por interferência. Nesse caso eu sofro e me canso (e aí não deve haver cansaço) pois que tenho de reconstituir a tensão.
Um conceito é um estado vibratório individuado e delicadíssimo que, uma vez perdido. não mais se acha nem com a lógica e muito menos com a vontade, não retornando senão quando excitado por conexão de idéias isto é, por uma nova passagem próxima num estado vibratório afim. Por isso, eu escrevo rapidamente, deixando a forma aos automatismos; minha cultura me é necessária, por esse motivo, porque certos conhecimentos inferiores para alcançarem mais depressa o objetivo devem ser instintivos. Neste caso, as capacidades culturais representam a
exercitação e o crisol do instrumento e são necessárias pela lei do meio mínimo
.
Se a tensão é igual, a sintonização aderente, sem perturbações e interferências, a registração se processa segura, perfeita no conceito e na forma. Por isso, tomo as minhas precauções e escrevo à noite, quer pela ausência de ruídos quer pela segurança de não ser interrompido, mas sobretudo pela tranqüilidade que, com o sono, sobrevêm ao estado psíquico geral, que, durante o dia, pelas emanações violentas, me é verdadeiramente atordoante, finalmente, porque sinto que os próprios raios solares têm um poder destruidor.
Sei que muitos escritores e artistas trabalhavam à noite (por exemplo, Debussy). Sinto até os distúrbios elétricos da atmosfera. Tudo que perturba o rádio também me prejudica, embora relativamente. Porque as descargas elétricas, se bem que poderosas, provenientes de planos de evolução diferentes, dinâmicos e não psíquicos, sendo de natureza diversa, estão qualitativamente mais distantes de mim, ao passo que um estado de ânimo barôntico (igual involvido) dos meus semelhantes, por maior afinidade com minha natureza humana, se introduz mais facilmente em meu estado vibratório. Ferem-me, por isso, um impulso de ira que se dê nas vizinhanças, as emanações dos alcoolizados e de qualquer ambiente moralmente pouco evolvido. Tudo isso, especialmente se inesperado, pode constituir para meu sistema nervoso, um choque que é agudo sofrimento. Certas músicas, ao contrário, especialmente se de profunda orquestração, têm para mim um poder sintonizante acentuado, como Bach, Wagner, o piano de Chopin e Liszt, Rimsky Korsakow, Mussorgsky, Glasunow, Albeniz, Palestrina, Debussy e muitos outros, ao passo que Stravinsky, por exemplo, me irrita, a potencia de Beethoven como a de Miguel Ângelo me esmaga, Mozart não sofre e não clama como eu desejaria. Tenho necessidade de compositores cuja noúre se afine com a minha, para que sua música me ajude, fundindo-se em minha sintonização.
Resumindo, pois: quanto mais é abstrato o pensamento tanto mais é desmaterializada pela forma dinâmica a onda de sua vibração. O conceito, em sua origem, nem sequer de palavra se reveste, não tem linguagem, involvendo-se, em descida cada vez maior, até à percepção sensória e à imobilização no escrito.
Quanto mais desce o fenômeno, involutivamente, mais é apreciável na forma ondulatória das ondas hertzianas e do som, da luz, etc., localizando-se também especialmente numa sede física: o cérebro. Pode-se buscar aqui o órgão especifico da inspiração ultrafânica: a epífise. A epífise pode definir-se: “o órgão do cérebro, não ainda suficientemente conhecido e que é indicado, ultrafanicamente, como o meio mecânico através do qual as noúres são recebidas pelos hipersensitivos". (TRESPIOLI,
"Biosofia", pág. 232). O órgão da sintonização noúrica se encontra no cérebro e é particularmente a glândula pineal
. Disse — "particularmente". Devemos entender-nos logo a respeito dos princípios de fisiologia. A ciência materialista teve a mania da localização das funções cerebrais, dando-se à caça da sede fisiológica das funções psíquicas através de experiências de extrações localizadas. Tudo isso é resultado de sua orientação materialista e não poderia revelar-lhe senão relações e associações superficiais, nunca o princípio funcional do cérebro. Este é somente o órgão das funções psíquicas e sua estrutura é efeito e não causa de funções. O pensamento não é uma secreção do cérebro, mas, sim, o cérebro é, se se pudesse dizer, uma secreção do pensamento.
O órgão cerebral é o produto mais elevado da evolução biológica; é o órgão através do qual a química inorgânica do mundo pré-vital, internando-se, posteriormente, no complexo metabolismo da química orgânica, atinge um estado de superquímica em que os íntimos movimentos planetários atômicos se deslocam até à desmaterialização da matéria.
A ciência não admite nem possui os recursos de observação para conhecer as formas de vida invisíveis, mas reais, que a evolução biológica produziu após o cérebro, isto é, a consciência. Encontra-se, pois, estudando o cérebro, nas mesmas condições de um selvagem que observasse um aparelho de rádio sem conhecer-lhe o princípio. É inútil olhar exteriormente os fios, lâminas e válvulas, se não se conhece o princípio das ondas hertzianas. É inútil pesar o cérebro, medir-lhe o volume, se é a qualidade e não a quantidade que importa; inútil estudar-lhe a anatomia, contar-lhe as circunvoluções, localizar centros corticais, perseguir os circuitos elétricos centrífugos e centrípetos através do sistema nervoso. A ciência se achará sempre e unicamente em face dos fundamentos do edifício, não lhe enxergando a superelevação evolutiva no mundo do imponderável, um outro organismo vivo, em funcionamento, palpitante de vibrações, mas imaterial, cujo conhecimento anatômico é atingido por outros caminhos e com outros instrumentos, porque situado em dimensões hiperespaciais. O cérebro é o substrato material destas forças superbiológicas, seu ponto de contacto com o organismo animal; é o órgão por meio do qual o organismo psíquico entra em contacto com o mundo sensório da matéria. O cérebro, pois, que foi meio construtivo do psiquismo é igualmente seu invólucro exterior, seu apoio material e funcional e está para a consciência como o esqueleto está para o organismo humano que sustenta, mas de que não poderá jamais revelar nem o princípio nem o complexo funcionamento. Para compreender o órgão cerebral não basta, portanto, olhar seu exterior com simplismo pueril, mas importa penetrar na orientação cinética dos movimentos planetários dos átomos de suas células, observar as deslocações que as vibrações ondulatórias do pensamento operam nessas disposições e as mudanças que aí operam as emanações noúricas, quando chegam, por redução involutiva, a esse plano de oscilação dinâmica. A anatomia tem de descer à análise da natureza magnética dessas correntes imponderáveis que de todas as coisas emanam e que impressionam esses centros, nos quais a sensibilização é máxima, porque se encontram no ápice da evolução biológica.
Compreender-se-á, então, como o cérebro, órgão normal da consciência, em certos momentos e casos não a possa conter completamente e ela dele rompa, superando as limitações do meio com uma percepção anímica direta, supersensória. E tanto a consciência supera o meio que só revive à sua destruição, com o grau de sensibilidade que é dado, como vimos, pelo plano de evolução espiritual alcançado em vida, isto é, proporcional ao grau de desmaterialização realizado.
Leio num tratado que a consciência pode persistir também embora a destruição de um hemisfério cerebral completo. Isso demonstra a loucura da teoria das localizações e como é absurdo pretender estabelecer o lóbulo central da consciência. O cérebro não pode ser reduzido à função mecânica de um órgão muscular. Pense-se que ele funciona não somente movido por correntes elétricas nervosas internas, mas é percutido por correntes ondulatórias que percorrem, sem suporte material, o espaço, ao influxo das quais ele também vibra.
Tudo isso expus para demonstrar que a localização da recepção noúrica na glândula pineal é relativa e aproximativa, melhor direi, é preponderante, pois todo o cérebro vibra de ressonância, todo o sistema nervoso, todo o organismo. A glândula pineal é o órgão central, o condensador variável da sintonização e, também podemos dizer, o órgão de amplificação da registração noúrica. Mas, todo o organismo colabora mais ou menos diretamente, em conexão, funcionando como caixa ressonante em que as radiações se repercutem e se harmonizam.
Na epífise a percepção noúrica se realiza por uma diversa orientação impressa pelas vibrações da corrente noúrica, degradada na forma de onda, nos movimentos planetários internos dos átomos das moléculas, lançadas no metabolismo celular da substância glandular pineal. O último termo dos fenômenos está sempre na cinética atômica. Todo o cérebro, porém, é sempre percutido e percorrido por correntes psíquicas que o mantêm em contínua oscilação e ele funciona constantemente como transmissor de vibrações-pensamento. Assim como o olho sempre vibra à luz e o ouvido ao som, do mesmo modo vibra o cérebro ao pensamento. Este princípio geral se aplica no caso da recepção noúrica, em que se destaca, evidente, a ressonância. Na percepção sensória a ressonância se dá dirigida por um meio condutor; na noúrica, processa-se livre, mas sempre se trata de vibração por sintonização. Isso é compreensível hoje, quando também a telegrafia se tornou sem fios.
No meu caso, a epífise deve haver atingido um grau evolutivo de potencialidade (não volume, mas orientação cinética atômica) e de sensibilização, a fim de poder funcionar como antena na dimensão evolução e como transformador, isto é, como redutor involutivo.
O outro problema afim é o de saber como estes órgãos atingem esse grau evolutivo. O funcionamento e o desenvolvimento evolutivo de um órgão é dado pela corrente nervosa que o mantém e lhe excita as trocas, fornecendo-lhe a alimentação dinâmica. Quando do centro não descem mais essas correntes nervosas, o órgão se atrofia, desenvolvendo-se, ao contrário, quando as correntes se intensificam
Essas correntes não são mais que impulsos elétricos que modificam a orientação dos íntimos movimentos do átomo, que é um organismo elétrico, alterando, assim, toda a química da troca, que assim pode encaminhar-se para a atrofia ou para superiores formas de evolução.
O centro irradiante destas correntes está além do sistema nervoso e do cérebro, que são dois intermediários mais baixos; é a própria consciência que está à frente da marcha evolutiva e que à medida que se vai elevando, retira as correntes do funcionamento nos níveis inferiores, centralizando-as num funcionamento evolutivamente mais alto. Desse modo, no inspirado, o organismo tende ao emagrecimento muscular, as funções digestivas não mais admitem labores pesados, tudo tende à atrofia do que é físico para alimentar o que é psíquico. É absurdo procurar no intelectual e no gênio um cérebro mais volumoso, quando ele se acha justamente no caminho da desmaterialização. Estamos nos antípodas da ciência. No caso do órgão cerebral, a desmaterialização progressiva de funções por evolução é, como já disse, problema de cinética atômica e é neste sentido que aqui falei de funções espirituais.
A glândula pineal é, pois, o órgão central da ressonância psíquica e da sintonização noúrica. No meu caso, essa glândula é o órgão principal da ressonância superconceptual e, simultaneamente, de transformação de dimensão, isto é, o órgão em que se forma, por deslocações cinéticas na intima estrutura dos átomos, a redução da emanação noúrica em forma de pensamento.
As ressonâncias, porém, não são todas iguais nos diversos ultrafanos. Alguns deles têm uma extensa gama de possibilidades de sintonização, embora mantendo-se num nível mais baixo; e entre todas, existe muitas vezes a sintonização preferida, que é aquela de maior afinidade. O meu caso, pelo contrário, poder-se-ia chamar — de sintonização fixa, de ressonância única — porque, por instinto de simpatia, eu me ligo ao máximo contacto que minha evolução me permite e rejeito todos os outros. Pelo fenômeno da ressonância, que é unificação de vibrações, estabelece-se uma como fusão do meu eu mais elevado com o centro emissor, uma reabsorção de minha personalidade na noúre, pela qual, naquele nível, não mais existe distinção entre o eu e o não-eu e tudo se torna a mesma força, o mesmo pensamento, a mesma corrente.
A matéria separa, mas quando nos elevamos e nos aproximamos da unificação, a evolução nos conduz ao centro divino.
Naquele plano, não mais faço distinção entre a entidade inspiradora, a noúre captada e o meu eu mais profundo. É natural que o mais absorva o menos, que a pobre chamazinha de meu espírito se confunda no incêndio e eu não mais saiba dizer — eu. A distinção renasce, rápida, apenas quando, na redução de dimensão, torno a descer, involutivamente, até minha personalidade humana. O meu caso é, pois, de ultrafania especializada na captação conceptual, e esta é verdadeiramente a marca das minhas registrações.
Tendo à ligação máxima porque esta me dá o conceito máximo. Isso não impede que a ressonância possa formar-se, e indiretamente ferir-me, também com seres e coisas de planos inferiores. Eu, porém, não os aceito senão como elementos secundários ambientais de harmonização; poderiam eles ser úteis para a inspiração artística e musical, mas não para a conceptual. Existe também nas profundezas de minha psique o poder seletivo, sem o qual se daria, como em alguns velhos rádios, uma confusão de harmonias. Há em minha glândula pineal um órgão de seleção, de que me utilizo, não para captar, mas para afastar, após havê-las reconhecido, as ressonâncias que se apartam de minha registração conceptual e que me soam como dissonâncias barônticas, como distúrbios de que procuro isolar-me.
Se a glândula pineal ou epífise, órgão da sintonização noúrica, não pode sobressair radioscopicamente, pela transparência aos raios dos tecidos, todavia zonas de maior sombra na fotografia positiva e maior luz na negativa, na zona craniana central (nas fotos I e II um pouco acima do centro, entre os olhos; nas fotos III e IV, no centro da caixa craniana) indicam a sede da função noúrica, no ponto central da esfera cerebral e craniana, que funciona como invólucro exterior, protetivo e ressonante. Se, ao centro dessas zonas de maior densidade, se localizam o condensador variável da sintonização e também o órgão de amplificação da registração noúrica, a quase-esfera de matéria cerebral, delineada pela quase-esférica caixa craniana, como tecido especializado, exerce sua função de caixa harmônica de ressonância e segundo órgão de amplificação. A estrutura geométrica desse primeiro ambiente fechado é apropriada à potencialização da onda transmissora e da onda captada, o que se verifica na emanação e na recepção noúricas. Sobretudo neste último caso, da registração de emanações provenientes de dimensões superconceptuais, quando a corrente atinge por redução dimensional a fase dinâmica, assumindo a forma de onda, que se transmite por pulsações esféricas, então, a caixa craniana, fechada em si, multiplica e amplifica, por refração interna (no ambiente cerebral particularmente apto a entrar em vibração, se excitado pela ação de tais ondas psíquicas) aquelas ondas que, justamente na zona cerebral, realizam a última fase de sua redução dimensional, já iniciada antes, fora do espaço e depois no espaço de emanação psíquica do sujeito. Assim transformadas e potencializadas no cérebro, em que se revestem. por absorção, de energia nervosa, ribombando, fechadas finalmente, na caixa craniana, isolante e internamente quase-esférica, as ondas podem impressionar muito mais energicamente a epífise noúrica.
Na radioscopia lateral é visível, como em seção, à margem, a caixa óssea, que funciona como invólucro isolante do ambiente amplificador cerebral. Esta massa se abre para uma zona de maior transparência e menor densidade, que na positiva é uma zona de maior luminosidade e isso na direção do alto, que é a direção das correntes noúricas. E esta seria, por razões de direção e de menor resistência, como também de equilíbrio vibratório, a zona normal de penetração noúrica, a porta aberta através da qual a epífise pode comunicar-se externamente com as ondas que, na fase dimensional mais próxima, são espaciais. E esta não seria apenas a zona de penetração, mas, também, a janela aberta da projeção noúrica, o ponto em que aflora e se projeta exteriormente a irradiação espiritual. Quando, através dessa investigação e dessa técnica, a emanação atinge o sujeito e penetra em sua caixa craniana, a corrente noúrica, degradada em forma de onda, está apta a imprimir, e imprime, uma diferente orientação aos movimentos planetários dos átomos das moléculas das células cerebrais. Então, a pura excitação noúrica se materializa ainda mais, revestindo-se de energia psíquica e nervosa e tornando-se praticamente perceptível, inclusive com instrumentos e como sensação, e então, atingida sua última fase de transformação, é suficientemente densa, podendo por isso impressionar a epífise, que, arrastando consigo, em sua sintonização, o cérebro e o sistema nervoso, dirige a função mecânica muscular da escrita.
A teoria da evolução das dimensões é desenvolvida nos Caps. XXXV, XLVIII e LIII de "A Grande Síntese" e caps. XVIII e XIX de "PROBLEMAS DO FUTURO". (Nota do Tradutor).
No “Livro dos Médiuns”, edição da FEB, 1939, os trechos citados se encontram à pag. 258 (Cap. XX, parags. 227 e 228). (Nota do Tradutor).
É este o aspecto geral do mediunismo europeu e também do nosso. E é a esse intercâmbio vão e muitas vezes perigoso que o Prof. Ubaldi se refere, de acordo com a sua experiência no ambiente do velho Mundo. Sabe ele, entretanto, e não poderia deixar de assim ser, que existem os verdadeiros instrumentos da Luz Superior. Várias vezes, aqui no Brasil, teve ele oportunidade de referir-se, não só em conversas intimas como também através da imprensa espiritista e leiga, à
missão de Francisco Cândido Xavier, de quem já leu vários livros mediúnicos, sobre os quais teceu os mais entusiásticos louvores. Impressionaram profundamente o Prof. Ubaldi diversas mensagens do livro
"Falando à Terra". Recordo-me de que, em nossas palestras em Campos e Atafona, ele me falou sobre a profundeza conceptual das Mensagens de Teresa d'Ávila, do Cardeal Arcoverde, do Marquês de Maricá, de João de Brito e outros. Lamentou que nossos irmãos católicos não pudessem aceitar as grandes verdades da Mensagem de Arcoverde (pág. 108 de "Falando à Terra") e comentou, achando-a admirabilíssima, a reflexão de Maricá, sobre Diógenes e o homem (idem, pág. 150).
Impressionou-o vivamente, também, pela beleza de expressão e pela elevada sabedoria, o “Lembrete” de Santa Teresa, à pág. 179 do mesmo volume.
Esta nota é dada para que não se julgue que Pietro Ubaldi englobe no número incontável de pelotiqueiros da baixa mediunidade os verdadeiros instrumentos da Luz Superior, intérpretes da Verdade Divina, a exemplo de Francisco Cândido Xavier. (Nota do Tradutor).
O princípio do meio mínimo "regula a economia da evolução, evitando inútil dispêndio de forças".
Sobre o assunto fala "A Grande Síntese" no seu cap. XL ("Aspectos menores da Lei").
(Nota do Tradutor).