terça-feira, 24 de julho de 2012

A Doutrina da Fé...









A DOUTRINA DA FÉ

A fé cega é como um farol cujo vermelho clarão não pode transpassar o nevoeiro.
Léon Denis


Prosseguindo no estudo dos textos Evangélicos citados pelo Senhor professor Faustino, continuamos a acompanhar s.s. par passo em suas pesquisas apresentando-lhe a controvérsia de suas conclusões à priori tão levianamente distribuídas à luz da publicidade.
Diz o ilustre moço: "Não admitindo a comunicação direta entre a criatura e o Criador, senão por intermédio dos espíritos, nega o que afirma o Evangelista citado". (Mateus VI, 33).
Ora, vejamos o que diz o Evangelista citado, Mateus VI, 33: "Buscai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça e todas as coisas vos serão acrescentadas". Esta passagem do Evangelho, não vem absolutamente ao caso das considerações feitas pelo professor Faustino, e quem não participar da nossa opinião que se de ao trabalho de ler todo o cap. VI do Evangelista evocado que há de ter ocasião de se convencer que o Senhor professor Faustino, habilmente destacou um versículo da carta do Apóstolo para acomodá-lo (se acomodasse) às suas idéias sistemáticas.
"Buscai primeiramente o Reino de Deus e a sua justiça e todas as coisas vos serão acrescentadas", quer dizer: abandonai o egoísmo que vos afasta do vosso Criador, andai em espírito se quiserdes participar da herança reservada para aqueles que a procuram. "Buscai primeiramente o Reino de Deus", é um complemento do que Jesus disse e o Evangelista narrou em sua carta: "Não andeis cuidadoso quanto a vossa vida pelo que haveis de comer ou beber ou vestir: quando orardes, dizei: Pai nosso etc., etc.; quando derdes esmola não toqueis a trombeta; não ajunteis tesouro na terra onde a traça e a ferrugem tudo os consomem, porque onde estiver o vosso tesouro aí estará o vosso coração, etc. etc.".
Aí tem s. s. o sentido do trecho citado por s. s. cuja interpretação só pode ser dada pelo Redentor da humanidade. Logo adiante diz o prof. Faustino: "Que importa que as sessões espíritas sejam abertas e encerradas em nome de Deus se nem por isso estão livres de condenação. Mateus VII, 21 e 22".
O raciocínio sutil e insidioso, permita-nos s. s. a expressão, em vez de satisfazer a própria pessoa que o formulou, vai ainda concorrer para que a sua consciência num desses momentos de frisante lucidez se revolte contra o ato pecaminoso.
Serão cristãos os que assim se dizem, sem se tornarem melhores, mais caridosos e indulgentes para com o próximo? Não se lembra, s. s. o que disse Paulo: "Ainda mesmo que tivesse o dom da profecia, se não tivesse caridade nada seria?"
Onde está a condenação das sessões espíritas no texto do Evangelista?
Não tomamos por trabalho transcrever os v. v. 21 e 22 do cap. VII de Mateus, para melhor esclarecimento dos que nos lêem:
"Nem todo o homem que diz Senhor, Senhor, entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? - em teu nome não expulsamos demônios? - em teu nome não fizemos muitas maravilhas?"
Estas palavras de Cristo são a condenação mais formal da doutrina da fé propagada pelo ilustre professor. Jesus quis, com aquelas palavras dizer: "que a fé sem as obras é morta". Chamá-lo de Senhor e não seguir os seus ensinamentos para nada serve. Expelir os demônios, profetizar, fazer maravilhas não é ser Cristão, mas sim praticar a caridade, o bem, etc. Para que servirá honrar o Senhor com os lábios, quando damos pasto ao nosso orgulho e egoísmo, a cupidez e a todas as paixões?
O que o Cristo condenou não foi: "profetizar, - expelir demônios, fazer maravilhas; não, mas sim a hipocrisia, as paixões desordenadas, etc., etc.
Já dissemos que não é bastante fazer sessões, - e dizer-se espírita ou cristão, é preciso que a Caridade seja o nosso lema porque havendo caridade ("Deus caritas est") há a verdadeira fé que nasceu dos conhecimentos adquiridos pela observação e estudo.
Prosseguindo diz o ilustre moço: "Proclamando como principio fundamental a expiação e reparação do pecado, nega a Redenção por Cristo e contesta ipso fato o que afirma S. Marcos no cap. II, 5 a 10".
Esta passagem se refere ao caso da cura do paralítico por Jesus, que ainda vem confirmar a expiação do pecado cometido. "Filho, disse Jesus ao paralítico, estão perdoados os teus pecados, e o paralítico levantou-se, tomou o seu leito, etc. etc.". Parece bem claro que se a paralisia não tivesse por causa os pecados cometidos pelo pobre homem, que já tinham sido expiados pelo sofrimento, - cadinho depurador das almas endurecidas, Jesus não diria francamente - "estão perdoados os teus pecados".
O último artigo do Senhor professor Faustino encerra uma série de contradições que por si só já constitui a verdadeira refutação de suas conjeturas inconcebíveis. Por exemplo, diz o Senhor professor: "O elemento da propaganda espírita são os truques de falso...". E mais abaixo diz: "Já dissemos e repetimos que não contestamos tais fenômenos, mas, etc. , etc... ".
No que fica o ilustre moço: os fenômenos existem, ou não existem, - são reais ou são truques de falso.. ?
Cairbar
Cairbar Schutel - Espiritismo e Protestantismo


Cairbar Schutel - Espiritismo e Protestantismo





segunda-feira, 23 de julho de 2012

A Doutrina Secreta

                                               4
                                                              A Doutrina Secreta

Qual a verdadeira doutrina do Cristo? Os seus princípios essenciais acham-se claramente enunciados no Evangelho. É a paternidade universal de Deus e a fraternidade dos homens, com as conseqüências morais que daí resultam; é a vida imortal a todos franqueada e que a cada um permite em si próprio realizar “o reino de Deus”, isto é, a perfeição, pelo desprendimento dos bens materiais, pelo perdão das injúrias e o amor ao próximo.
Para Jesus, numa só palavra, toda a religião, toda a filosofia consiste no amor:
“Amai os vossos inimigos; fazei o bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos perseguem e caluniam; para serdes filhos de vosso Pai que está nos céus, o qual faz erguer-se o seu sol sobre bons e maus, e faz chover sobre justos e injustos. Porque, se não amais senão os que vos amam, que recompensa deveis ter por isso?” (Mateus, V, 44 e seguintes.).
Desse amor o próprio Deus nos dá o exemplo, porque seus braços estão sempre abertos para o pecador:
“Assim, vosso Pai que está nos céus não quer que pereça um só desses pequeninos.”
O sermão da montanha resume, em traços indeléveis, o ensino popular de Jesus. Nele é expressa a lei moral sob uma forma que jamais foi igualada.
Os homens aí aprendem que não há mais seguros meios de elevação que as virtudes humildes e escondidas.
“Bem-aventurados os pobres de espírito (isto é, os espíritos simples e retos), porque deles é o reino dos céus. – Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados. – Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. – Bem-aventurados os que são misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. – Bem-aventurados os limpos de coração, porque esses verão a Deus.” (Mateus, V, 1 a 12; Lucas, VI, 20 a 25.)
O que Jesus quer não é um culto faustoso, não é umas religiões sacerdotais, opulentas de cerimônias e práticas que sufocam o pensamento, não; é um culto simples e puro, todo de sentimento, consistindo na relação direta, sem intermediário, da consciência humana com Deus, que é seu Pai:
“É chegado o tempo em que os verdadeiros adoradores hão de adorar o Pai em espírito e verdade, porque tal quer, também, sejam os que o adorem. Deus é espírito, e em espírito e verdade é que devem adorar os que o adoram.”
O ascetismo é coisa vã. Jesus limita-se a orar e a meditar, nos sítios solitários, nos templos naturais que têm por colunas as montanhas, por cúpula a abóbada dos céus, e de onde o pensamento mais livremente se eleva ao Criador.
Aos que imaginam salvar-se por meio do jejum e da abstinência, diz:
“Não é o que entra pela boca o que macula o homem, mas o que por ela sai.”
Aos rezadores de longas orações:
“Vosso Pai sabe do que careceis, antes de lho pedirdes.”
Ele não exige senão a caridade, a bondade, a simplicidade: “Não julgueis e não sereis julgados. Perdoai e sereis perdoados. Sede misericordiosos como vosso Pai celeste é misericordioso. Dar é mais doce do que receber”.
“Aquele que se humilha será exaltado; o que se exalta será humilhado”.
“Que a tua mão esquerda ignore o que faz a direita, a fim de que tua esmola fique em segredo; e então teu Pai que vê no segredo, te retribuirá.”
E tudo se resume nestas palavras de eloqüente concisão:
“Amai o vosso próximo como a vós mesmos e sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito. Nisso se encerram toda a lei e os profetas.”
Sob a suave e meiga palavra de Jesus, toda impregnada do sentimento da natureza, essa doutrina se reveste de um encanto irresistível, penetrante. Ela é saturada de terna solicitude pelos fracos e pelos deserdados. É a glorificação, a exaltação da pobreza e da simplicidade. Os bens materiais nos tornam escravos; agrilhoam o homem à Terra. A riqueza é um estorvo; impede os velos da alma e a retém longe do “reino de Deus”. A renúncia, a humildade, desatam esses laços e facilitam a ascensão para a luz.
Por isso é que a doutrina evangélica permaneceu através dos séculos como a expressão máxima do espiritualismo, o supremo remédio aos males terrestres, a consolação das almas aflitas nesta travessia da vida, semeada de tantas lágrimas e angústias. É ainda ela que faz, a despeito dos elementos estranhos que lhe vieram misturar, toda a grandeza, todo o poder moral do Cristianismo.
*
A doutrina secreta ia mais longe. Sob o véu das parábolas e das ficções, ocultava concepções profundas. No que se refere a essa imortalidade prometida a todos, definia-lhe as formas afirmando a sucessão das existências terrestres, nas quais a alma, reencarnada em novos corpos, sofreria as conseqüências de suas vidas anteriores e prepararia as condições do seu destino futuro. Ensinava a pluralidade dos mundos habitados, as alternações de vida de cada ser: no mundo terrestre, em que ele reaparece pelo nascimento, no mundo espiritual, ao qual regressa pela morte, colhendo em um e outro desses meios os frutos bons ou maus do seu passado. Ensinava a íntima ligação e a solidariedade desses dois mundos e, por conseguinte, a comunicação possível do homem com os espíritos dos mortos que povoam o espaço ilimitado.
Daí o amor ativo, não somente pelos que sofrem na esfera da existência terrestre, mas também pelas almas que em torno de nós vagueiam atormentadas por dolorosas recordações. Daí a dedicação que se devem as duas humanidades, visível e invisível, a lei de fraternidade na vida e na morte e a celebração do que chamavam “os mistérios”, a comunhão pelo pensamento e pelo coração com os que, Espíritos bons ou medíocres, inferiores ou elevados, compõem esse mundo invisível que nos rodeia, e sobre o qual se abrem esses dois pórticos por onde todos os seres alternativamente passam: o berço e o túmulo.
A lei da reencarnação acha-se indicada em muitas passagens do Evangelho e deve ser considerada sob dois aspectos diferentes: à volta à carne, para os Espíritos em via de aperfeiçoamento; a reencarnação dos Espíritos enviados em missão à Terra.
Em sua conversação com Nicodemos, Jesus assim se exprime:
“Em verdade te digo que, se alguém não renascer de novo, não poderá ver o reino de Deus.” Objeta-lhe Nicodemos: “Como pode um homem nascer, sendo já velho?” Jesus responde: “Em verdade te digo que, se um homem não renasce da água e do espírito, não pode entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do espírito é espírito. Não te maravilhes de te dizer: importa-vos nascer outra vez. O vento sopra onde quer e tu ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem nem para onde vai. Assim é todo aquele que é nascido do espírito.” (João, III, 3 a 8.)
Jesus acrescenta estas palavras significativas: “Tu és mestre em Israel e não sabes estas coisas?”
O que demonstra que não se tratava do batismo, que era conhecido pelos judeus e por Nicodemos, mas precisamente da reencarnação já ensinada no “Zohar”, livro sagrado dos hebreus.[i]
Esse vento, ou esse espírito que sopra onde lhe apraz, é a alma que escolhe novo corpo, nova morada, sem que os homens saibam de onde vem, nem para onde vai. É a única explicação satisfatória.
Na Cabala hebraica, a água era a matéria primordial, o elemento frutificado. Quanto à expressão Espírito Santo, que se acha no texto e que o torna incompreensível, é preciso notar que a palavra santo nele não se encontra em sua origem e que foi aí introduzida muito tempo depois, como se deu em vários outros casos.[ii] É preciso, por conseguinte, ler: renascer da matéria e do espírito.
Noutra ocasião, a propósito de um cego de nascença, encontrado de passagem, os discípulos perguntam a Jesus:
“Mestre, quem foi que pecou? Foi este homem, ou seu pai, ou sua mãe, para que ele tenha nascido cego?” (João, IX, 1 e 2).
A pergunta indica, antes de tudo, que os discípulos atribuíam a enfermidade do cego a uma expiação. Em seu pensamento, a falta precedera a punição; tinha sido a sua causa primordial. É a lei da conseqüência dos atos, fixando as condições do destino. Trata-se aí de um cego de nascença; a falta não se pode explicar senão por uma existência anterior.
Daí essa idéia da penitência, que reaparece a cada momento nas Escrituras: “Fazei penitência”, dizem elas constantemente, isto é, praticai a reparação, que é o fim da vossa nova existência; retificai vosso passado, espiritualizai-vos, porque não saireis do domínio terrestre, do círculo das provações, senão depois de “haverdes pagado até o último ceitil.” (Mateus, V, 26).
Em vão têm procurado os teólogos explicar doutro modo, que não pela reencarnação, essa passagem do Evangelho. Chegaram a raciocínios, pelo menos, estranhos. Assim foi que o sínodo de Amsterdã não pôde sair-se da dificuldade senão com esta declaração: “o cego de nascença havia pecado no seio de sua mãe”.[iii]
Era também opinião corrente, nessa época, que Espíritos eminentes vinham, em novas encarnações, continuar, concluir missões interrompidas pela morte. Elias, por exemplo, voltara à Terra na pessoa de João Batista. Jesus o afirma nestes termos, dirigindo-se à multidão:
“Que saíste a ver? Um profeta? Sim, eu vo-lo declaro, e mais que um profeta. E, se o quereis compreender, ele é o próprio Elias que devia vir. – O que tem ouvidos para ouvir, ouça.” (Mateus, XI, 9, 14 e 15)
Mais tarde, depois da decapitação de João Batista, ele o repete aos discípulos:
“E seus discípulos o interrogam, dizendo: Porque, pois, dizem os escribas que importa vir primeiramente Elias? – Ele, respondendo, lhes disse:”
“Elias, certamente, devia vir e restabelecer todas as coisas. Mas eu vo-lo digo: Elias já veio e eles não o conheceram, antes lhe fizeram quanto quiseram. – Então, conheceram seus discípulos que de João Batista é que ele lhes falara.” (Mateus, XVII, 10, 11, 12 e 15).
Assim, para Jesus, como para os discípulos, Elias e João Batista eram a mesma e única individualidade. Ora, tendo essa individualidade revestido sucessivamente dois corpos, semelhante fato não se pode explicar senão pela lei da reencarnação.
Numa circunstância memorável, Jesus pergunta a seus discípulos: “Que dizem do filho do homem?”
E eles lhe respondem:
“Uns dizem: é João Batista; outros, Elias; outros, Jeremias ou um dos profetas.” (Mateus, XVI, 13, 14; Marcos, VIII, 28)
Jesus não protesta contra essa opinião como doutrina, do mesmo modo que não protestara no caso do cego de nascença. Ao demais, a idéia da pluralidade das vidas, dos sucessivos graus a percorrer para se elevar à perfeição, não se acha implicitamente contida nestas palavras memoráveis: “Sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito.” Como poderia a alma humana alcançar esse estado de perfeição em uma única existência?
De novo encontramos a doutrina secreta, dissimulada sob véus mais ou menos transparentes, nas obras dos apóstolos e dos padres da Igreja dos primeiros séculos. Não podiam estes dela falar abertamente. Daí as obscuridades da sua linguagem.
Aos primeiros fiéis escrevia Barnabé:
“Tanto quanto pude, acredito ter-me explicado com simplicidade e nada haver omitido do que pode contribuir para vossa instrução e salvação, no que se refere às coisas presentes, porque, se vos escrevesse relativamente às coisas futuras, não compreenderíeis, porque elas se acham expostas em parábolas.” (Epístola católica de São Barnabé, XVII, l, 5).
Em observância a esta regra é que um discípulo de São Paulo, Hermas, descreve a lei das reencarnações sob a figura de “pedras brancas, quadradas e lapidadas”, tiradas da água para servirem na construção de um edifício espiritual. (Livro do Pastor, III, XVI, 3, 5).
“Porque foram essas pedras tiradas de um lugar profundo e em seguida empregadas na estrutura dessa torre, pois que já estavam animadas pelo espírito? – Era necessário, diz-me o senhor, que, antes de serem admitidas no edifício, fossem trabalhadas por meio da água. Não poderiam entrar no reino de Deus por outro modo que não fosse despojando-se da imperfeição da sua primeira vida.”
Evidentemente essas pedras são as almas dos homens; as águas[iv] são as regiões obscuras, inferiores, as vidas materiais, vidas de dor e provação, durante as quais as almas são lapidadas, polidas, lentamente preparadas, a fim de tomarem lugar um dia no edifício da vida superior, da vida celeste. Há nisso um símbolo perfeito da reencarnação, cuja idéia era ainda admitida no século III e divulgada entre os cristãos.
Dentre os padres da Igreja, Orígenes é um dos que mais eloqüentemente se pronunciaram a favor da pluralidade das existências. Respeitável a sua autoridade. São Jerônimo o considera, “depois dos apóstolos, o grande mestre da Igreja, verdade – diz ele – que só a ignorância poderia negar”. S. Jerônimo vota tal admiração a Orígenes que assumiria, escreve, todas as calúnias de que ele foi alvo, uma vez que, por esse preço, ele, Jerônimo, pudesse ter a sua profunda ciência das Escrituras.
Em seu livro célebre, “Dos Princípios”, Orígenes desenvolve os mais vigorosos argumentos que mostram, na preexistência e sobrevivência das almas noutros corpos, em uma palavra, na sucessão das vidas, o corretivo necessário à aparente desigualdade das condições humanas, uma compensação ao mal físico, como ao sofrimento moral que parece reinarem no mundo, se não se admite mais que uma única existência terrestre para cada alma. Orígenes erra, todavia, num ponto. É quando supõe que a união do espírito ao corpo é sempre uma punição. Ele perde de vista a necessidade da educação das almas e a laboriosa realização do progresso.
Errônea opinião se introduziu em muitos centros, a respeito das doutrinas de Orígenes, em geral, e da pluralidade das existências em particular, que pretendem ter sido condenadas, primeiro pelo concílio de Calcedônia e mais tarde pelo quinto concílio de Constantinopla. Ora, se remontamos às fontes,[v] reconhecemos que esses concílios repeliram, não a crença na pluralidade das existências, mas simplesmente a preexistência da alma, tal como a ensinava Orígenes, sob esta feição particular: que os homens eram anjos decaídos e que o ponto de partida tinha sido para todos a natureza angélica.
Na realidade, a questão da pluralidade das existências da alma jamais foi resolvida pelos concílios. Permaneceu aberta às resoluções da Igreja no futuro e é esse um ponto que se faz preciso estabelecer.
Como a lei dos renascimentos, a pluralidade dos mundos acha-se indicada no Evangelho, em forma de parábola:
“Há muitas moradas na casa de meu Pai. Eu vou a preparar-vos o lugar e, depois que tiver ido e vos tiver preparado o lugar, voltarei e vos levarei comigo, a fim de que onde eu estiver, vós estejais também.” (João, XIV, 2 e 3)
A casa do Pai é o infinito céu; as moradas prometidas são os mundos que percorrem o espaço, esferas de luz ao pé das quais a nossa pobre Terra não é mais que mesquinho e obscuro planeta. É para esses mundos que Jesus guiará as almas que se ligarem a ele e à sua doutrina, mundos que lhe são familiares e onde nos saberá preparar um lugar, conforme os nossos méritos.
Orígenes comenta essas palavras em termos positivos:
“O Senhor faz alusão às diferentes estações que devem as almas ocupar, depois que se houverem despojado dos seus corpos atuais e se tiverem revestido de outros novos.”

Leon Denis

Cristianismo e Espiritismo





[i]    Ver nota complementar nº 5.
[ii]   Ver Bellemare, "Espírita e Cristão", págs. 351 e seguintes.
[iii]   Ver nota complementar n° 5.
[iv]   Essa parábola adquire maior relevo pelo fato de ser a água, para os judeus cabalista, a representação da matéria, o elemento primitivo, o que chamaríamos hoje o éter cósmico.
[v]    Ver Pezzani, "A pluralidade das existências", páginas 187 e 190.
 

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Necessidade da idéia de Deus

 

V
Necessidade da idéia de Deus

Nos capítulos precedentes demonstramos a necessidade da idéia de Deus. Ela se afirma e se impõe, fora e acima de todos os sistemas, de todas as filosofias, de todas as crenças. É também livre de todo o liame com qualquer religião, a cujo estudo nos entreguemos, na independência absoluta de nosso pensamento e de nossa consciência.
Deus é maior que todas as teorias e todos os sistemas. Eis a razão por que não pode Ele ser atingido, nem minorado pelos erros e faltas que os homens têm cometido em seu nome.
Deus é soberano a tudo.
O Ser divino escapa a toda a denominação e a qualquer medida, e se lhe chamamos Deus é por falta de um nome maior, assim o disse Victor Hugo.
A questão de Deus é o mais grave de todos os problemas suspensos sobre nossas cabeças e cuja solução se liga, de maneira estrita, imperiosa, ao problema do ser humano e de seu destino, ao problema da vida individual e da vida social.
O conhecimento da verdade sobre Deus, sobre o mundo e a vida é o que há de mais essencial, de mais necessário, porque é Ele que nos sustenta, nos inspira e nos dirige, mesmo à nossa revelia. E essa verdade não é inacessível, como veremos; é simples e clara; está ao alcance de todos. Basta procurá-la, sem preconceitos, sem reservas, ao lado da consciência e da razão.
Não lembraremos aqui as teorias e os sistemas inúmeros que as religiões e as escolas filosóficas arquitetaram através dos séculos. Pouco nos importam hoje as controvérsias, as cóleras, as agitações vãs do passado.
Para elucidar tal assunto, temos agora recursos mais elevados que os do pensamento humano; temos o ensino daqueles que deixaram a Terra, a apreciação das Almas que, tendo franqueado o túmulo, nos fazem ouvir, do fundo do mundo invisível, seus conselhos, seus apelos, suas exortações.
Verdade é que nem todos os Espíritos são igualmente aptos a tratar dessas questões. Acontece com os Espíritos de Além-Túmulo o mesmo que com os homens. Nem todos estão igualmente desenvolvidos; não chegaram todos ao mesmo grau de evolução. Daí as contradições, as diferenças de vistas. Acima, porém, da multidão das Almas obscuras, ignorantes, atrasadas, há Espíritos eminentes, descidos das altas esferas para esclarecer e guiar a Humanidade.
Ora, que dizem esses Espíritos sobre a questão de Deus?
A existência da Potência Suprema é afirmada por todos os Espíritos elevados. Aqueles, dentre nós, que têm estudado o Espiritismo filosófico sabem que todos os grandes Espíritos, todos aqueles cujos ensinamentos têm reconfortado as nossas almas, mitigado nossas misérias, sustentado nossos desfalecimentos, são unânimes em afirmar, em repetir, em reconhecer a alta Inteligência que governa os seres e os mundos. Eles dizem que essa Inteligência se revela mais brilhante e mais sublime à medida que se escalam os degraus da vida espiritual.
O mesmo se dá com os escritores e filósofos espíritas, desde Allan Kardec até nossos dias. Todos afirmam a existência de uma causa eterna no Universo.
Não há efeito sem causa – disse Allan Kardec – e todo efeito inteligente tem forçosamente uma causa Inteligente.” Eis o princípio sobre o qual repousa o Espiritismo. Esse princípio, quando o aplicamos às manifestações de Além-Túmulo, demonstra a existência dos Espíritos. Aplicado ao estudo do mundo e das leis universais, demonstra a existência de uma causa inteligente no Universo. Eis por que a existência de Deus constitui um dos pontos essenciais do ensino espírita. Acrescento que é inseparável do resto desse ensino, porque, neste último, tudo se liga, tudo se coordena e se encadeia. Que não nos falem de dogmas! O Espiritismo não os comporta. Ele nada impõe; ensina. Todo ensino tem seus princípios. A idéia de Deus é um dos princípios fundamentais do Espiritismo.
Dizem-nos freqüentemente: – “Para que nos ocuparmos dessa questão de Deus? A existência de Deus não pode ser provada!” Ou ainda: – “A existência de Deus ou sua não existência é sem predomínio sobre a vida das massas e da Humanidade. Ocupemo-nos de alguma coisa mais prática; não percamos nosso tempo em dissertações vãs, em discussões metafísicas.” Pois bem! Em que pese àqueles que mantêm essa linguagem, repetirei que é questão vital por excelência; responderei que o homem não se pode desinteressar dela, porque o homem é um ser. O homem vive e importa-lhe saber qual é a fonte, qual é a causa, qual é a lei da vida. A opinião que tem sobre a causa, sobre a lei do Universo, quer queira ou não, quer saiba ou não, se reflete em seus atos, em toda a sua vida pública ou particular.
Qualquer que seja a ignorância do homem no que respeita às leis superiores, na realidade – e segundo a idéia que forma dessas leis, por mais vaga e confusa que possa ser tal concepção – é de conformidade com essa idéia que a criatura age. Desta opinião – sobre Deus, sobre o mundo e sobre a vida (notais que esses três assuntos são inseparáveis) –, as sociedades humanas vivem ou morrem! É ela que divide a Humanidade em dois campos.
Por toda parte vêem-se famílias em desacordo, em desunião intelectual, porque há muitos sistemas acerca de Deus: o padre inculca um à mulher; o professor ensina outro ao homem, quando não lhe sugere a idéia do Nada.
Essas polêmicas e essas contradições explicam-se, entretanto. Têm sua razão de ser. Devemo-nos lembrar que nem todas as inteligências chegaram ao mesmo ponto de evolução; que nem todos podem ver e compreender de igual modo e no mesmo sentido. Daí, tantas opiniões e crenças diversas.
A possibilidade que temos de compreender, de julgar e de discernir só se desenvolve lentamente, de séculos em séculos, de existências em existências. Nosso conhecimento e nossa compreensão das coisas se completam e se tornam claros à medida que nos elevamos na escala imensa dos renascimentos. Todos sabem que alguém, colocado ao pé da montanha, não pode descortinar o mesmo panorama aberto ao que já chegou ao vértice; mas, prosseguindo sua ascensão, um chegará a ver as mesmas coisas que o outro. O mesmo acontece com o Espírito em sua ascensão gradual. O Universo não se revela senão pouco a pouco, à medida que a capacidade de lhe compreender as leis se desenvolve e engrandece no indivíduo.
Daí vem o sistema, as escolas filosóficas e religiosas, que correspondem aos diversos graus de adiantamento dos Espíritos que nuns e noutros se fiam e, muitas vezes, aí se insulam.



Léon Denis

O Grande Enigma

quinta-feira, 5 de julho de 2012

PROVA DA IMORTALIDADE DA ALMA





XLIV

PROVA DA IMORTALIDADE DA ALMA


Depois das portentosas manifestações dos Espíritos, verificadas no mundo todo, e verificáveis a todos os momentos, sempre que se deliberar investigá-las sem espírito preconcebido, ninguém mais tem o direito de negar a Imortalidade, sem que se livre do qualificativo de ignorante, ou pessoa de má fé.
As materializações, as moldagens, as fotografias, a voz direta, a escrita direta e os fatos que se dão com o auxilio dos médiuns aí estão para confirmarem a sobrevivência do Espírito: Que outra explicação plausível se poderia dar desses fatos maravilhosos? Qual a causa a que se podem atribuir esses fenômenos, todos de natureza espiritual, inteligentes, e cujos efeitos denotam critério, raciocínio, a execução de um plano sabiamente formulado, a manifestação da vontade pela força que molda a matéria, dando-lhe as formas precisas de funcionamento?
O critério sadio proclama os fatos espíritas como provas patentes da Imortalidade! Abstemo-nos de transcrever fenômenos que enchem milhares de grossos volumes da bibliografia do Espiritismo e do Psiquismo.
O grande livro esta aberto a todos, bastando a cada indivíduo voltar suas vistas para estes interessantes estudos, indispensáveis à felicidade, porque é deles que nos vem a certeza do futuro, e é com o seu auxílio que palmilharemos a estrada do dever, que nos foi aberta pelo Amado Filho de Deus, para a posse da Vida Verdadeira, da Vida Eterna, na qual não se conhece a morte!


SÚMULA


O estudo da alma, rico de verdades promissoras; tem sido desprezada pela quase totalidade dos homens.
Infelizmente, com grande prejuízo para a Humanidade, as religiões, presas aos cultos, e as ciências, circunscritas à matéria bruta, não têm esclarecido os homens sobre a sua procedência, a sua situação na Terra, os seus destinos.
O Reinado do Mundo absorveu toda a inteligência, todo o raciocínio dos "guias das almas", dos "mestres em Israel", dos "doutores".
Mas a noite deveria passar, e, com ela, todas as concepções errôneas que transviavam a Humanidade do Caminho da Verdade. A aurora do novo dia, finalmente, raiou nos horizontes do nosso mundo, e o Reinado do Espírito substituirá, em breves tempos, o Reinado da Matéria.
Já ficamos sabendo que a "matéria" é o objeto do trabalho do Espírito para o desenvolvimento das suas faculdades latentes, e que o nosso nascimento anímico se perde na noite dos tempos, havendo-se verificado no primeiro degrau da "escala animal".
Sabemos mais, que a evolução pela "escala zoológica" se faz sem transições bruscas, não devendo esses corpos ser outra coisa senão degraus por onde subimos, degraus dessa longa escada que vai do zoófito ao homem. É nessas florestas da vida que a alma, principio inteligente, prepara-se, elabora-se, individualiza-se, desenvolve as suas primeiras faculdades para chegar ao reino hominal.
Todos partimos do mesmo princípio; a todos o Criador concede os mesmos meios de progresso, os mesmos meios de perfeição, a mesma imortalidade; todos nós galgaremos os alcantis da Espiritualidade, cada vez mais ricos de conhecimentos, para podermos afirmar com mais lúcido raciocínio, e mais apurado sentimento, a nossa individualidade, o nosso "Eu" imortal.
Essa Lei, é a grande Lei da Unidade que se manifesta na diversidade, isto é, Lei única para todos, Lei Sábia que preside a toda a Criação, Lei que proclama a Justiça e a Bondade do Supremo Criador! Só ela dá uma saída, um fim, um destino aos animais no seu principio psíquico, anímico, fazendo ver a todos que o Senhor não deserdou esses entes inferiores por Ele criados, pois encontrarão, no futuro, uma recompensa dos seus trabalhos, terão a compensação dos seus sofrimentos!
Só essa Lei grandiosa explica a contento a diversidade de raças, de condições, de inteligência, de saber, de virtudes. As vidas sucessivas, a pluralidade das existências corpóreas é o fundamento da Gênese da Alma. Obscurecida pelos escribas, condenada pelos fariseus, negada pelos doutores da Lei, a doutrina da pluralidade das existências é a proclamação de todos os atributos de Deus; satisfaz a razão, alegra o sentimento e está escrita no cenário do mundo, em todos os lares, em todas as sociedades com fatos que se, não podem negar; a Natureza inteira a proclama como verdade incontestável!
Folgamos imenso que as nossas demonstrações sejam proveitosas a todos aqueles que começam a abordar tão transcendental assunto, ao mesmo tempo que damos graças a Deus por nos conceder luzes, para, com docilidade, recebermos as inspirações dos Seus Mensageiros, que constituem a melhor parte desta obra.
Concluímos secundando o apelo de Allan Kardec, inscrito na sua Gênese: A CIÊNCIA É CHAMADA A CONSTITUIR A GÊNESE, SEGUNDO AS LEIS DA NATUREZA.
A era nova chegou, a época da Ressurreição do Espírito tardou mas não faltou: os ouropéis, as pompas, os mistérios, os dogmas, que impediam a visão do Espírito, já começam a desaparecer, e a Luz brilha em todos os recantos da Terra.
A cada estrofe entoada nos ares à nossa liberdade, a cada hino dos mundos que nos acenam com suas promessas, podemos repetir, como estribilho, a vivificante mensagem de Victor Hugo, que nos foi dada a 7 de julho de 1921:
"O mundo progride; a matéria transforma-se e aperfeiçoa-se; a força afirma-se e intensifica-se; o Espírito aclara-se e impera; do atrito de duas pedras chispam faíscas, das faíscas vem o fogo, e do fogo brota a luz!
O mundo nasceu nas pedras, cresceu no fogo e viverá na Luz! Tudo brilha, tudo vive, tudo caminha, tudo evolui!
As pedras brilham na Terra, as almas fulgem nos Céus; os corpos falam e agem; os Espíritos pensam e sentem; tudo se movimenta, tudo marcha, almas e corpos, estes para a transformação, aquelas para a Imortalidade!
O mundo nasceu para viver, como o fogo para aquecer, a luz para iluminar.
O nada não existe: trevas, morte, sepulcros, não são mais que berços que acalentam as variadas formas da Vida para entregá-las á Eternidade.
A Natureza é muito grande e muito rica para criar, educar e dotar os seres que admiram as suas glórias, que se extasiam aos seus esplendores!
Não há vácuo, hiato, nem lacuna que lhe desvalorize o mérito; tudo se liga, tudo se afirma, tudo se completa na Obra Divina da Criação. O mundo sobe e se transforma, a força vibra e se acentua, o Espírito cresce e se eleva!
Tenhamos fé! A inteligência ilumina suas esferas, e as consciências despertam maravilhadas para a Luz; os Espíritos caminham pressurosos para a Verdade!
Tenhamos fé! o mundo progride, o mundo marcha, o mundo voa; as duas "pedras'" chocam-se e do seu encontro ressaltam claridades que iluminam a Terra!
O mundo progride, o Espírito impera!
Tenhamos fé! Com os olhos voltados para o céu é que a alma vê o brilho das estrelas, o poder de Deus!"
Caibar Schutel: Livro: Gênese da Alma
Fonte: www.autoresespiritasclassicos.com

segunda-feira, 2 de julho de 2012

TÉCNICA DAS NOÚRES



V

TÉCNICA DAS  NOÚRES


Quando do estudo do meu pequeno caso nos elevamos à interpretação dos gigantescos casos da inspiração, devíamos ter percebido que a ciência com suas concepções é muitíssimo pequena para con­tê-los, pois eles envolvem algo de sobre-humano, in­dispensável para sua compreensão, e fatores trans­cendentais que a ciência ignora. Existem no fenôme­no elementos substanciais e determinantes que en­contramos em todos os casos, que representam, por­tanto, suas  características fundamentais, elemen­tos não menos reais por serem imponderáveis, embo­ra a ciência moderna, por suas premissas e orientações, se houvesse tornado incompetente para apre­ciá-lo.

Para trazer o fenômeno aos termos da psicolo­gia científica moderna, impõe-se uma redução, qua­se uma mutilação do próprio fenômeno, em seu aspec­to técnico e mecânico, qual é o da psicologia. É este lado particular, técnico e científico, do problema que vamos aprofundar neste capítulo.  Buscaremos, si­multaneamente, elevar a ciência, infantil neste cam­po, até à compreensão destes fenômenos e das forças imponderáveis que os governam.

Temo-nos movido, até agora, num campo su­percientifico, num mundo de sonhos, de emoções e de esperanças, o mundo do espírito. Para quem o sen­te, tudo isso já é por si mesmo supremamente per­suasivo. Agora vou mudar a engrenagem do meu pensamento e falar a quem não sente, a quem, para convencer-se, tem necessidade de tocar, medir, expe­rimentar. Importa, porém, considerar aqueles fato­res espirituais, embora exista quem os negue por não os possuir na própria consciência, porquanto consti­tuem fatores integrantes  do fenômeno, fundamen­tais na definição de seu desenvolvimento. De resto, já afirmei que eles são produto de estados evolutivos que se elevaram além da mediania. É óbvio, pois, que somente através de uma descensão eles se possam reduzir aos limites da psicologia normal da realidade sensória.

Assim, pois, ao falarmos sobre vibrações e ondas, recordemos que apenas tocamos a fase percep­tiva humana do fenômeno, a última e mais baixa zo­na da transmissão noúrica, seu termo inferior e seu momento final de chegada, que é o mais compreensí­vel por ser o mais próximo da fase sensória que che­ga ao contacto humano. A fase mais elevada é uma emanação abstrata, supersensória e superconceptual, que se verifica numa outra dimensão de consciência e num outro plano de evolução, fase que a ciência e a própria psique humana normal não podem perceber e conceber por falta de meios, a não ser que haja uma redução dimensional, que é justamente o que a recep­ção inspirativa opera nas correntes noúricas.
                                   
Quando, na fonte, nos encontramos num nível evolutivo supertemporal e superespacial, é absurdo pretender compreendê-lo inteiramente nos termos de uma pura questão técnica. No seu estado de emis­são, a noúre não é ainda pensamento, qual normal­mente o concebemos. Para falar nos termos da psi­que normal, eu mesmo tenho de operar uma redução da emanação originária e de minha percepção dela à dimensão pensamento, que é um estado vibratório muito mais denso; operarei um regresso involutivo ao mundo mais concreto das oscilações da matéria, vestindo a irradiação primitiva de um invólucro físi­co que lhe permita estimular a reação sensível da psi­que imersa nos centros cerebrais. Recordemos, pois que este estudo do fenômeno no seu menor aspecto técnico não o abrange senão no plano humano de che­gada e não no sobre-humano, de partida. Neste es­tudo, a fim de atingir a solução desses inexplorados problemas, para a qual não encontro no conhecimen­to humano elementos guiadores, servir-me-ei, quando não me bastarem cultura e razão, do método intuiti­vo e da pesquisa por captação de correntes noúricas. Neste momento, sinto que apenas possuo uma idéia vaga e inicial do assunto, mas sei que, ao escrever, irei tendo resposta a cada interrogação.

Ao estudar o fenômeno, em seus casos gran­des e pequenos, já delineei uma sua interpretação su­mária; nas características, que vimos retornarem com uma constância que tem um significado, traçamos uma linha fundamental de sua figura. Entre essas características, vimos estar em primeiro lugar a progressividade, pela qual defini o fenômeno inspirati­vo como um caso normal de sensibilização por evolu­ção biológica continuada nos superiores estádios de evolução psíquica e ascensão espiritual. O caso, co­mo evolução, é normal; como posição, em face da relativa da mediania, é supranormal. Trata-se de um processo evolutivo de desmaterialização do ser em planos superbiológicos, de um processo de purifica­ção psíquica e orgânica, cujos fatores são dor, renúncia, regime de purificação passional e dietética. A esse respeito já falei nos capítulos: "O Fenômeno e "O Sujeito".

Encontramos esses elementos na história dos grandes inspirados. Suprimindo-se esses fatores de­terminantes, naturalmente o fenômeno se detêm ou retrocede. Estes conceitos, embora vão ter a um campo supercientifico, possuem bases científicas, pois representam a continuação da evolução biológica darwiniana, evolução orgânica que, se deve conti­nuar, como a lógica impõe, já não pode ser senão psí­quica e espiritual.

É necessário que a ciência materialista, se quer continuar seu progresso, compreenda justamente este problema da desmaterialização do organismo huma­no, obtida lentamente por progressiva atrofia de fun­ções orgânicas e hipertrofia de funções psíquicas. Refiro-me a posições relativas ao momento evolutivo atual. Também isso é lógico e sobre o assunto já fa­lei. Esses princípios gerais, como sempre sucede na natureza, passam por adaptações no caso particular, que é sempre o de um tipo especializado, e permane­cem verdadeiros, embora não apareçam no breve âmbito de uma vida.

Falei em progressividade de sensibilização. E que é a evolução senão um processo de sensibilização contínua? Num primeiro plano temos o mine­ral, que também sabe modelar-se, sentindo a resis­tência do ambiente nas formações cristalinas, depois a planta, com uma sensibilidade que abrange a vida vegetativa; em seguida, o animal, que vê e ouve e em que se delineia o mundo sensório; logo após, o ho­mem, que da síntese sensória se eleva a uma interpretação racional da vida; depois, o super-homem que, com a capacidade da intuição, supera os limites da razão e sente diretamente o universo. E pode­ríamos continuar com os seres incorpóreos chamados anjos, através de toda a hierarquia de sua elevação.

O mineral se orienta, a planta sente, o animal percebe, o homem raciocina, o super-homem conhece por intuição   eis a evolução da sensibilidade.

Se com a civilização diminui a ferocidade é porque aumenta a sensibilidade, à qual é ela inver­samente proporcional. Como se cultivam as plantas, cultivam-se os espíritos e se domesticam os animais. E a planta cultivada perde os espinhos; o animal do­mesticado, os instintos ferozes; os homens civilizados se enobrecem nos pensamentos e nos atos. É um idêntico e universal processo de sensibilização esse, que absorve a ferocidade. Por isso, a sensibilidade dolorífica dos animais e dos selvagens é muito menor que a do homem civilizado. A reação investe sempre mais os estratos profundos.  Os limites do universo são dados unicamente pela capacidade perceptiva e se dilatam à medida que essa capacidade aumenta

Notamos também uma outra característica do fenômeno inspirativo, comum a certos inspirados, isto é, a crise espiritual em que o fenômeno explode, após uma longa e invisível maturação. Essa explo­são se liga a profundas deslocações nos equilíbrios evolutivos e a novas estabilizações em planos mais elevados. Vimos, depois, o problema das melhores condições de ambiente e a importância deste para a pureza da recepção. Existe sempre, para todos os inspirativos, uma necessidade de solidão, que funcio­na como isolante. E também de oração, que é elevação de espírito, que põe a psique em estado de receptividade, o que significa corrente elétrica negativa, necessária para fechar o circuito com a corrente das noúres, que é positiva e ativa. A prece pode ser tam­bém um desejo, que auxilia a elevação da tensão ner­vosa necessária para atingir os planos superiores de consciência, mais sutis, porém, mais potentes, e que representam, portanto, em face das correntes nervo­sas no estado normal, correntes de alto potencial. Tudo que eleva o potencial nervoso facilita a recep­ção noúrica, porquanto dinamiza; e na evolução, a desmaterialização é proporcionalmente compensada por esta sua inversão dinâmica. A percepção noúrica, de fato, dá uma sensação de alegria e de potência ao espírito, verificando-se em organismos purificados da animalidade e representando, em si mesma, um raio de ação e sensibilização muito mais vasto que o normal.
                                  
Descrevi minhas progressivas posições até al­cançar a sintonização com a emanação noúrica, pro­cesso de adormecimento da consciência a um poten­cial normal e de ativação da consciência a um alto potencial, que momentaneamente neutraliza e reab­sorve o funcionamento da outra. Começam a deli­near-se aqui o significado e o porquê das condições do fenômeno.

Nesta primeira parte do capitulo, procurei eli­minar os aspectos mais espirituais e menos técnicos da questão, a fim de sondar o fenômeno até seu as­pecto mais simples e esquemático, mais facilmente analisável, portanto. Das outras características, su­mariamente indicadas nos primeiros capítulos, como captação consciente e ativa das noúres, individuali­dade ou natureza de sua fonte, minha capacidade de oscilação entre consciência e superconsciência, sinto­nização por afinidade entre centro transmissor e meu centro psíquico registrador, etc., falaremos no estudo técnico que se segue, que não poderia ser feito na primeira parte, preponderantemente descritiva, mas só agora, que já expus e fixei os elementos de fato.

São dois momentos, estes, que tinham de ser bem distintos: primeiro, a descrição e depois, a in­terpretação dos fatos; observação exterior de conjun­to, a princípio e penetração do significado, no final. Compreender-se-á, então, a necessidade de um ambi­ente bem sintonizado, como o dos bosques e monta­nhas, dum templo ou do próprio gabinete saturado de emanações noúricas; a necessidade de estados de ânimo de paz e do afastamento de interferências de vibrações psíquicas baixas, que perturbam a pureza da registração; compreender-se-á a necessidade da pu­rificação orgânica e psíquica, processo evolutivo que leva à afinidade com a fonte, possibilitando, portan­to, a sintonização, com ela, do instrumento de resso­nância, que é toda a personalidade do médium; com­preender-se-á o paralelismo que existe entre ascensão espiritual e sensibilização receptiva. Compreender-se-á como o instrumento, como tem acontecido com alguns místicos, possa a princípio interpretar mal, se ainda não se encontra bem maduro; compreender-se-á, no meu caso, a transformação progressiva da minha mediunidade, de passiva e inconsciente, a princípio, a uma forma sempre mais ativa e consciente, em se­guida. Compreender-se-á, finalmente, como todos esses fenômenos noúricos, não obstante a diferencia­ção individual que os separa, encontram sua unida­de na grande corrente central que se chama DEUS.

Aprofundemos, pois, o aspecto técnico do fe­nômeno, focalizando novamente nossa atenção. Qual­quer fonte de emanação irradia em torno de si um impulso que se transmite. Chamemos essa fonte de centro transmissor. Verifica-se por lei geral, em to­dos os planos de evolução, inclusive os superpsíquico e, portanto, superespaciais, este fenômeno de ex­pansão cinética, que é um princípio de unidade e amor que coliga em suas partes e elementos todo o universo.  Faltam-me palavras superespaciais, su­pertemporais e superconceptuais que me permitam exprimir-me; mas, evito qualquer referência às di­mensões espaço e tempo, que no centro transmissor não existem mais. Para entender também este as­pecto técnico importa haver compreendido o univer­so, escalonado como é em suas fases evolutivas, que significam planos ou níveis de existência, de sensi­bilidade, de concepção. As fases mais concebíveis e mais próximas de nosso universo são matéria, ener­gia e espírito: o universo físico evolve para universo dinâmico, que evolve para universo psíquico; mais além, evoluciona para planos superpsíquicos que, atual e normalmente, constituem para o homem um inconcebível. É preciso haver compreendido e ter presente a teoria da evolução das dimensões, como é desenvolvida em "A Grande Síntese"45, pois, a passagem, por evolução, de um plano a outro, pro­voca mudança de sua dimensão ou unidade de medi­da. Volvendo ao conceito inicial: aquele principio de irradiação lança, nas várias dimensões de evolução, emanações que, ao encontrarem um centro sensível, podem ser registradas. Veremos, depois, se se trata de recepção passiva ou de captação ativa. Este se­gundo centro é o instrumento receptor.

Estão, assim, determinados os dois termos do fenômeno, que é essencialmente um fenômeno de transmissão e recepção, que tem sua correspondên­cia no plano inferior do universo dinâmico, na trans­missão acústica e, num nível relativamente mais ele­vado, na transmissão radiofônica por meio das ondas hertzianas, forma de energia mais evolvida das on­das acústicas.

Trata-se sempre de oscilações no centro trans­missor, comunicadas por vibrações do meio (ar ou éter) ao receptor (ouvido ou aparelho radiofônico). As variações ou modulações do impulso originário são repetidas exatamente pelo órgão de chegada, pois os dois centros distantes são aproximados pelo meio, que os torna realmente comunicantes e fundidos numa união de movimento. O símile acústico ou ra­diofônico não prejudica a espiritual imaterialidade do transmissor, porquanto, efetivamente, o universo, nos seus vários planos, responde a um princípio úni­co que, embora no Alto seja um inconcebível, se reflete em nosso universo físico, se bem que tornado rude pelo seu revestimento mais denso. No Alto, apesar de nos movermos em dimensões superespa­ciais, permanece, ainda quando destilado como pura emanação cinética, o princípio que, nos planos infe­riores, é transmissão espacial por ondas esféricas. A analogia implica uma redução de potência e de pure­za, mas é exata, considerando-se que a vibração ondulatória é a forma de chegada (pensamento) e não a forma noúre, de partida. Por isso, apenas chama­mos emanação, a fim de exprimir o mesmo princípio de difusão, recordando, entretanto, que estamos além do plano espacial, dinâmico e do próprio plano psíquico.

Existe, todavia, uma grande diferença entre o caso inspirativo e o confrontado. Ao passo que neste, transmissor e receptor se localizam ambos no mesmo plano de evolução (dinâmico), no caso inspi­rativo os dois termos comunicantes estão situados em dois planos diversos de evolução e, portanto, em duas dimensões diferentes. Na recepção radiofônica o pe­ríodo final é acústico como o inicial; a vibração acústica originária é transformada em vibração elé­trica para retornar, finalmente, acústica; e tanto me­lhor será a recepção quanto mais o fenômeno final se identificar com o inicial. Houve apenas uma trans­formação da forma dinâmica menos evolvida e, por­tanto, mais lenta, menos ágil e veloz porque mais aprisionada na matéria, — o som —, na forma elé­trica, mais evolvida, mais rápida, mais livre da di­mensão espacial e que, portanto, domina um campo espacial muito mais amplo. E nisso consiste justa­mente a utilidade e o progresso da descoberta.

Na recepção ultrafânica temos muito mais. Não existe apenas uma transformação temporária, com o objetivo único de transmissão, para voltar ao ponto de partida. Em radiofonia há uma permanên­cia no âmbito da dimensão espaço-tempo do mundo dinâmico. Em ultrafania atravessa-se uma mutação muito mais substancial e profunda, que não é uma simples transformação de ondas acústicas em elétri­cas e vice-versa, nem uma simples transmissão espacial. A fonte inspirativa se localiza numa outra di­mensão e a transmissão não se dá num sentido espa­cial, isto é, no campo da mesma dimensão espaço, porém, através de diversas dimensões.

Como já disse, aqui, os conceitos científicos não bastam e é necessário que a ciência faça seus estes conceitos transcendentais, indispensáveis à compre­ensão também do aspecto técnico do fenômeno.

O centro genético das emanações noúricas não possui nem os caracteres do mundo dinâmico nem os conceptuais do mundo psíquico humano, mas está situado numa dimensão superconceptual de ca­ráter abstrato, onde se encontram os princípios uni­versais. A fonte não vibra, não irradia vibrações no sentido por nós conhecido, sejam elas embora de pensamento; não transmite ondas-energia na dimen­são espaço-tempo, mas emana um quid absolutamen­te imaterial, um impulso, uma potência que não se pode definir com os atributos das dimensões do nosso universo. Dessa sua dimensão mais elevada, a ema­nação deve descer; essa potência deve precipitar-se sobre a dimensão conceptual do pensamento humano e a chamada recepção não pode realizar-se senão em virtude dessa descida.

O fenômeno muito mais complexo da inspira­ção, e que a distingue da radiofonia, é justamente este. Os dois termos do circuito estão qualitativamente distantes e, portanto, a comunicação, que de­termina a repetição do impulso originário no receptor, não se pode estabelecer senão através de um proces­so de transformação dimensional.  Este processo noúrico poder-se-ia comparar ao de um transmissor que pensasse ou compusesse "diretamente" em on­das hertzianas que, para serem percebidas no plano sensório, devem sofrer uma transformação involuti­va até se tornarem energia mecânica (vibração da membrana microfônica) e, finalmente, sonora.
                                   
Para unir os dois pólos do circuito é necessá­rio realizar esta inaudita operação, que é a passagem de um plano evolutivo a outro, o que significa mu­dança de substância, de uma a outra forma sua Noutros termos, para exprimir a emanação originá­ria como pensamento, dentro do concebível humano, importa operar uma redução de dimensão; essa des­cida à terra significa que aquela potência tem de percorrer um regresso involutivo: é esta a condição para que ela possa manifestar-se na dimensão huma­na do inteligível. Essa redução de dimensão e esse regresso involutivo são um processo de íntima trans­formação da substância cinética da forma radiante e se realiza não no espaço, mas atravessando várias dimensões de diversas fases evolutivas para chegar, sozinho, ao termo de sua transformação, à nossa di­mensão e fase de evolução. O caminho não é, pois, percorrido em sentido espacial mas, sim, em sentido evolutivo, isto é, ao percorrer a dimensão evolução, evolvendo se ascende para o transmissor e involven­do se desce para o receptor.

Como vemos, não obstante a correspondência entre os vários planos, inevitável num universo or­gânico regido por um princípio unitário, o fenômeno inspirativo é bem mais profundo e complexo que o fenômeno radiofônico. Se, por exemplo, em telepatia se pode falar de ondas-pensamento porque existe pensamento, na inspiração falar de vibrações é um absurdo, porquanto a dimensão da zona psíquico­conceptual foi superada. Direi mais exatamente: no fenômeno inspirativo não encontramos a forma vibratória da onda-pensamento senão na extrema fase da recepção, no final da redução involutiva, qual último derivado, por continuidade, da emanação ori­ginal traduzida em termos do pensamento humano. Por tudo isso se compreende quanto estes fenômenos superam a psicologia experimental de gabinete e co­mo é necessário, para seu estudo, que a ciência se afi­ne e faça seus esses elementos do transcendental.

As duas estações estão, pois, situadas, uma, na fase evolutiva ou plano dinâmico (se se trata de me­diunidade à base de percepções sensórias) ou psí­quico (se se trata de conceitos como na mediunidade intelectual-inspirativa) isso do lado humano; a ou­tra, do lado super-humano, está situada na dimen­são superconsciência, que supera a do psiquismo hu­mano. Não me refiro à mediunidade barôntica ou física, em que o transmissor pode encontrar-se no mesmo nível humano ou ainda inferior a este. E se evolução é desmaterialização e espiritualização, a comunicação entre o transmissor evolvido e o receptor humano relativamente involvido não se pode reali­zar senão materializando a emanação, o que signifi­ca redução de potência e revestimento do conceito abstrato, sintético, instantâneo com a forma do pen­samento objetivo, analítico e progressivo na palavra, qual é o humano.

Vejamos, agora, como se pode estabelecer a comunicação entre os dois centros. É evidente, que sendo o universo sempre todo presente em suas várias fases evolutivas e dimensões que os seres atra­vessam no infinito, o limite do perceptível somente existe nos meios individuais de percepção e não nos fenômenos. Assim, por exemplo, o ouvido humano não abarca senão uma determinada amplitude na freqüência de vibrações dos sons, além da qual não há percepção. É óbvio também que, como com a cria­ção de novos instrumentos e recursos de pesquisa se alcançou a revelação de um novo mundo, do mesmo modo toda extensão de sensibilidade desloca o limite do cognoscível, que é justamente uma função daque­la, um relativo suscetível de contínua evolução. O perceptível, pois, não tem fronteiras em si mesmo, mas apenas na relatividade de nossa posição evoluti­va; se esta se eleva, automaticamente também se di­lata o perceptível.

Já expliquei como evolução é progressividade de sensibilização. A percepção e a concepção do uni­verso são, portanto, relativas à  sensibilidade indivi­dual, e mudam, dilatando-se, com o progredir desta. Amplia-se a visão do universo à medida que a cons­ciência evolve. Do mesmo modo, também, o concebí­vel é progressivo, a visão da verdade é relativa à po­tência individual e não pode ser atingida senão por sucessivas aproximações. Se quisermos traduzir graficamente o conceito, poderíamos graduar a sensibi­lidade progressiva do ser em evolução ao longo de uma escala, nesta ordem: mineral, planta, animal, homem, super-homem, — capazes de responder a uma gama de radiações sempre mais vasta e profun­da. Isso equivale ao processo de exteriorização ciné­tica, que é a substância da evolução; é simultanea­mente dilatação de consciência ao longo da linha da sensibilização psíquica e manifestação da Divindade, duplo processo de aproximação dos dois extremos, através do qual a criatura volta ao Criador.

Pode-se, pois, estabelecer para todo indivíduo, conforme o ponto mais elevado que alcançou na es­cala, uma amplitude de capacidade perceptiva que compreende todas as menores, mas em que se ex­cluem as mais amplas. Para que dois seres inclusive no mundo humano, possam comunicar-se isto é, com­preender-se é necessário que usem a mesma lingua­gem e expressem a mesma sensação do universo, o que significa que sua sensibilidade abranja o mesmo campo de capacidade perceptiva. A compreensão só é possível até onde o campo se sobrepõe, até onde haja coincidência de amplitude. Assim, o mais pode compreender o menos, mas não o contrário. Experi­mentemos explicar um conceito abstrato a um igno­rante; ele não o compreenderá se não soubermos redu­zir a idéia abstrata à sua dimensão conceptual de representação sensória Esta é a condição da comuni­cação.

Tudo isso também pode ser dito doutro modo Se, postos dois diapasões vibrantes à mesma nota, percutirmos um deles fazendo-o vibrar, também o outro se porá em vibração emitindo o mesmo som. Este princípio de ressonância é universal e verdadei­ro tanto no campo acústico ou elétrico quanto no psí­quico e superpsíquico. O contacto da consciência com o mundo exterior pelos caminhos dos sentidos é de­vido justamente a um fenômeno de ressonância. Nisso se baseiam a radiofonia e a telepatia. Muitas vezes quando uma pessoa está para dizer-nos uma coisa, nós já a sentimos no próprio pensamento. "O fenômeno de ressonância consiste no fato de que dois órgãos suscetíveis de oscilações, tendo a mesma ca­racterística ou freqüência (no caso de um diapasão, o número de vibrações por segundo) podem influen­ciar-se reciprocamente, se um deles, mediante as próprias oscilações, produz ondas num meio que abranja ambos". (Eng. E. MONTÚ, "Rádio", pág. 31). Também o pensamento pode transmitir-se por ressonância quando os centros cerebrais, nos mo­vimentos atômicos de sua estrutura celular sejam suscetíveis de oscilações que possuam idênticas ca­racterísticas. Então, os dois centros psíquicos podem influenciar-se mutuamente, através de um meio comum que receba e transmita suas vibrações. É in­dubitável que o pensamento seja uma vibração, po­rém, reduzida a sutilíssima e evolvidíssima forma dinâmica, em vias de superar a dimensão espaço-tempo. Na verdade a psique humana é um órgão capaz de vibrar e de entrar em ressonância, de trans­mitir e registar normalmente correntes psíquicas, porquanto é assim que se forma, se projeta, se comunica e se recebe o pensamento, que, como a luz, cir­cula por toda parte na atmosfera humana e além dela. Assim se transmitem estados de ânimo senti­mentos, além de conceitos. O segredo dos oradores, dos caudilhos que arrastam as massas, está em saber despertar essas ressonâncias. O pensamento vibra no universo, repercute, reage, volve à fonte, une em sintonia os centros distantes, anula-se, acumula-se, soma-se, desintegra-se; nós irradiamos e recebemos irradiações do ambiente humano, dos planos inferio­res, do Alto, num mar de noúres, de vibrações infi­nitas. Cada um entra em correspondência como sabe e como pode, conforme sua capacidade; mas, a cons­ciência do sensitivo é uma caixa harmônica fremente de todas as irradiações do universo.

A telepatia outra coisa não é que um fenôme­no de ressonância. Ressonância significa sintonização no mesmo estado vibratório, base da percepção sin­crônica. Significa simpatia, afinidade. E por ressonância não só se transmite, mas também funciona o pensamento que é levado a mover-se por conexão de idéias, que é sua forma de menor resistência. As idéias se atraem espontaneamente por afinidade. Sua reaparição na consciência se deve à excitação de um estado vibratório que se propaga às formas semelhan­tes, capazes de ressonância.  Os caminhos da mne­mônica são os caminhos dessa ressonância por cone­xão. As estradas reais da consciência coletiva são as da ressonância. A compreensão é um fenômeno de ressonância. O pensamento, finalmente, tende, como todas as formas menores do mundo dinâmico, à difu­são e, uma vez projetado, é indestrutível.

Tudo isso nos conduz às mesmas conclusões do início. Para que se efetue a comunicação entre os dois centros é indispensável a mesma capacidade de ressonância, isto é, que eles sejam suscetíveis de des­locamentos cinéticos, dotados das mesmas caracterís­ticas. Ora, para obter isso é necessário partir do mes­mo equilíbrio cinético, isto é, importa achar-se no mesmo grau de evolução e de sensibilização que abranja o mesmo campo de capacidade perceptiva ou conceptual. Só então pode realizar-se a sintonização. A base desta, portanto, é a afinidade. Para que se possa estabelecer a comunicação é necessária uma sintonização entre a consciência do médium e o cen­tro de emanação, um estado de simpatia que permi­ta a atração, um estado complementar e de seme­lhança que estabeleça a fusão. As leis de afinidade se encontram na base de todos os fenômenos, inclusi­ve daqueles comumente controláveis, de atração psí­quica. Eis porque tanto tenho insistido sobre o para­lelismo entre sofrimento e mediunidade inspirativa, justamente porque o primeiro é instrumento de evo­lução, que é sensibilização conducente à afinidade com os mais altos centros transmissores. A recepção noúrica, que é comunicação com centros superevol­vidos, exige a ascensão espiritual até àquele nível. Para que se possa estabelecer o contacto com a fonte é necessário que a consciência se sensibilize por evo­lução, até o ponto de atingir uma amplitude de ca­pacidade perceptiva que se sobreponha à da fonte: esta é a condição da compreensão; importa adquirir por ascensão de espírito a capacidade que lhe per­mita responder às sutis emanações noúricas. "Para comunicar-se, o espírito desencarnado se identifica com o espírito do médium e esta identificação não se verifica senão quando existe entre eles simpatia, pode dizer-se mesmo, afinidade", diz Allan Kardec no seu "Livro dos Médiuns", pág. 31946. "A alma exer­ce sobre o espírito livre uma espécie de atração ou de repulsão, conforme o grau de semelhança ou diferen­ça entre eles; ora, os bons sentem afinidade pelos bons e os maus pelos maus, donde se segue que as quali­dades morais do médium têm uma influência essen­cial sobre a natureza dos espíritos que se comunicam por seu intermédio. Se ele é vicioso, em torno dele se agrupam espíritos inferiores, sempre prontos a to­mar o lugar dos bons espíritos que foram chamados. As qualidades que atraem, de preferência, os bons es­píritos são a bondade, a benevolência, a simplicidade de coração, o amor do próximo, o desprendimento das coisas materiais; os defeitos que os afastam são: o orgulho, o egoísmo, a inveja, o ciúme, o ódio, a cupidez, a sensualidade e todas as paixões por meio das quais o homem se prende à matéria Todas as imperfeições morais são outras tantas portas abertas que dão acesso aos maus espíritos".

Temos, portanto, dois centros, transmissor e receptor, situados em planos diversos de evolução. Comunicam-se pelo princípio de ressonância, que se dá somente quando exista capacidade de vibração em uníssono, o que sucede, por sua vez, apenas quando os dois centros se encontram no mesmo nível evolu­tivo, isto é, de sensibilização, perfeição moral e po­tência perceptiva conceptual.

Kardec considera particularmente o lado mo­ral da afinidade, mas evolução é ascensão de todo o ser e implica também uma sensibilização às resso­nâncias mais sutis, uma expansão perceptiva e uma potencialidade conceptual. O fenômeno da mediuni­dade intelectual inspirativa é, pois, um fenômeno de sintonização, cuja condição é a afinidade. O proble­ma da comunicação reside, portanto, na afinidade. Há uma distância qualitativa, de capacidade de cor­respondência, entre os dois centros e é preciso preen­chê-la. Para sua união, em sintonia, se impõe, então, uma transformação e são dois os casos: ou a transfor­mação se processa por obra do transmissor, que in­volve suas emanações (os dois centros são ativos e conscientes) até o nível perceptivo sensório do recep­tor, e este é o caso das audições acústicas, visões óti­cas e outras percepções sensórias de vários místicos, cuja fonte, embora de efeitos físicos, se distingue sempre das produções barônticas pela elevação da proveniência demonstrada pelo tipo de aparição e pe­lo seu elevado conteúdo moral. O encontro, pode, assim, dar-se também no plano sensório humano, se esta é a via de menor resistência, dadas as características do médium. Este pode ser um santo do sentimento e da bondade e não da intelectualidade, não especializado, portanto, no lado psíquico, até a su­perconsciência. Ou então, — segundo caso — a trans­formação se efetua por obra do receptor que  pelo seu grau de evolução, sabe elevar-se por si mesmo até o plano conceptual do transmissor. Este é o meu caso de mediunidade intelectual inspirativa e cons­ciente. Agora se começa a compreender sua estrutu­ra e seu complexo funcionamento.

Neste caso, a capacidade do médium consiste em saber a distância que o separa da fonte inspirativa, ascendendo ele próprio a escala evolutiva e alcançando a afinidade, que é base do fenômeno da res­sonância, e isso no campo particular (moral, intelec­tual, artístico, heróico) que diz respeito à comunicação47. O inspirado deve saber emergir ativa e conscientemente na dimensão conceptual própria do centro transmissor e, para atingi-lo, deve haver atra­vessado todo o tormento de sua purificação, porque só esta pode sensibilizá-lo até à captação das noúres mais elevadas. Se, atingida a imersão numa atmos­fera rarefeita, a recepção é espontânea, agradável, dinamizante, o esforço, não só da longa maturação evolutiva, mas também o imediato, de colocação em fase de alta sintonização e de atingir a necessária ten­são nervosa em alto potencial, é todo do médium. E ele tem de manter-se, demorada e normalmente, em casos de registrações volumosas, naquele estado de ten­são; tem de suportar sozinho, sem conforto e sem compensações humanas, a exaustão orgânica subse­quente e a tristeza na solidão que sucede ao esforço supranormal. Atingida a noúre, ele deve manter o contacto em perfeita consciência, tudo relacionando e conservando completamente a própria lucidez e po­tência de análise. Finalmente, embora imergindo numa diversa localização em fase de consciência, o inspirado não deve fechar as pontes atrás de si e sim deixar unidas sua superconsciência e sua consciência normal, a fim de que seja possível, após haver subi­do evolutivamente, descer involutivamente para transmitir à sua consciência comum e com esta aos seus semelhantes, o conteúdo de sua visão.

Indispensável é, pois, saber manter desperta a consciência nos diferentes planos, não só no Alto, mas também nos planos inferiores e saber sustentar as já referidas união e comunicação para poder sem­pre surgir à superfície da consciência humana nor­mal. Continuamente se faz preciso o dinamismo des­sas deslocações, que permitem a tradução das sensa­ções e concepções de um a outro plano. O inspirado tem, pois, não só de dominar uma amplitude percep­tiva amplíssima, em que sua sensibilidade é posta a dura prova; seu ouvido psíquico não deve captar somente uma gama musical imensamente mais ampla que a do concebível humano; tem ele que possuir ra­pidez de mutação interior, agilidade de deslocação ao longo da linha da evolução, presteza de adaptação às sucessivas focalizações dos vários visuais de perspec­tiva. Sem essas qualidades seu trabalho seria im­possível. E essas deslocações ele tem de efetuar sem descontinuidade, sem zonas de inconsciência, sempre cientemente. Deve movimentar-se comodamente de um a outro extremo, seja na pequena consciência sensória e racional, apropriada aos conceitos analí­ticos e ligados à vida humana, seja na consciência in­tuitiva, adequada aos grandes conceitos longínquos, abstratos e sintéticos do absoluto. Somente neste caso se pode falar de mediunidade inspirativa conscien­te, a que domina o fenômeno, sente, joeira e escolhe as correntes, controla seu pensamento, julga-o e acei­ta-o. Quando o grau evolutivo do ultrafano é inferior ao da noúre captada, então a redução dimensional não pode efetuar-se em sua consciência e se tem a mediu­nidade mais comum, passiva e inconsciente, em que o sujeito é um mero instrumento que regista sem com­preender. O verdadeiro ultrafano consciente tem de realizar, nas profundezas de seu eu, um laborioso es­forço, pois, funciona como transformador de emana­ções noúricas em vibrações-pensamento, como ins­trumento de redução do superconsciente inconcebível ao consciente concebível. Se não executasse essa descida psicológica não saberia exprimir-se e se con­seguisse expressar-se seria julgado um louco. Além de tudo isso, deve ele possuir também a memória pre­cisa de seus complexos estados, para poder oferecê-los como elementos de observação; deve ter igualmente qualidades de auto-análise e introspecção, que lhe permitam analisar e interpretar o fenômeno e apresentar e usar o método intuitivo na pesquisa sis­temática do inexplorado científico.

No meu caso, a registração dos conceitos não é recepção passiva, mas captação ativa, de sinal não negativo, mas positivo. Minha inspiração pode ser definida, então, como mediunidade intelectual (registração de conceitos), inspirativa (isto é, provenien­te dos mais elevados planos de evolução), ativa (isto é, por captação) e consciente (nos vários planos e dimensões). Tudo isso se torna para mim um método normal de pesquisa por intuição, uma verdadeira téc­nica de pensamento para mim, um sistema intelec­tual e cultural que domino perfeitamente.

descrevi os meios com que o consigo e con­servo. Se particulares condições são requeridas, isso não tira o valor dos resultados práticos que com ele obtenho e que constituem um fato.

Nos descritos estados de adormecimento da consciência normal, eu realizo, por iniciativa e com esforço próprios, a transformação acima descrita, que faz ascender meu eu consciente a uma dimensão su­perior. E quando a visão superespacial, instantânea, abstrata, atravessa minha sensibilidade, devo saber descer novamente ao nível psicológico normal, realizando a transformação em direção inversa, pois que sem isso não me seria possível comunicar-me nem me fazer compreendido. Devo, assim, saber oscilar ao longo da escala da evolução e da involução, com di­ferentes focalizações de consciência, que me permi­tam exprimir, em termos racionais e de análise, a in­tuição sintética que em sua forma originária é inex­primível.

O que descrevi é, sobretudo, a técnica funcio­nal do meu fenômeno, que melhor que ninguém eu conheço. Assim, confiando-me, nos pontos mais sa­lientes, à intuição, defini o problema, para mim tam­bém até agora incerto, de minha inspiração.

*    *    *

Estabelecida, assim, a estrutura  central do fenômeno, completemo-lhe a interpretação em ou­tros aspectos seus.

O pensamento é, portanto, totalmente uma noúre e se comunica e ecoa de centro a centro; o uni­verso está saturado de emanações conceptuais que são percebidas todas as vezes que o ser, por evolução haja alcançado o grau de sensibilização suficiente pa­ra entrar em ressonância. No plano dinâmico e psí­quico, o universo aparece ao sensitivo como um ocea­no ilimitado de irradiações de todo gênero. Essas emanações, cada uma em seu nível  em formas diversíssimas obedecem ao mesmo princípio universal de expansão, coligam o universo em todas as suas partes e representam o órgão de sua sensibilidade física e psíquica. Quando mais se ascende evolutivamente mais sutilmente se sente o universo, mais claramente se percebe e concebe a si mesmo. A cons­ciência altíssima que conhece todo o funcionamento do grande organismo é a idéia diretriz de Deus. E este o Centro a cuja direção ascendem os vários pla­nos da evolução, a meta longínqua a que tendem esses sobrepujamentos de consciência e de dimensões. Eis porque o conteúdo da mediunidade inspirativa é a revelação, eis porque ela conduz à unidade e à verdade.

Isso nos faz compreender como somente em nosso mundo involvido em que o pensamento é con­tinuamente estorvado em sua circulação pelas resis­tências da matéria, ele se possa conceber aprisiona­do, separado na forma da individualidade humana. Somente nesses planos mais baixos o pensamento po­de permanecer diferenciado, entre barreiras pessoais; mais no alto, ele circula livremente, fundindo com facilidade na mesma ressonância os centros hipersensíveis, que assim se unificam no mesmo modo de ser e cujo timbre é definido pela corrente de seu plano. Nesse nível a forma do ser é psíquica, não mais físi­ca; não é mais um corpo, mas um estado de consciên­cia e é definido pela irradiação naturalmente domi­nante naquele plano, em que os seres automaticamen­te se equilibram, pelo seu peso específico, na escala da evolução. Como estamos vendo, é possível afron­tar e resolver problemas de alta teologia com os con­ceitos mais exatos da psicologia científica.

Pode-se, agora, melhor compreender o que já foi dito sobre o problema da individualidade do cen­tro transmissor, o que já foi por outrem percebido, isto é, que essa voz inspirativa "não deve ser entendi­da como um ser invisível individual, mas como uma emanação de energias espirituais fundidas num fei­xe". (Ferder, "O Ciclo Progressivo das Existências").

Quando a inspiração toca um certo nível, não mais se pode falar de uma entidade como centro psí­quico, num sentido pessoal humano, não se pode defi­nir nem limitar a fonte a um nome; pode-se apenas indicar a direção de proveniência e falar de planos de evolução e de correntes noúricas que os percorrem e definem.
    
Foi nesse sentido que falei de Cristo como cen­tro de emanação, fonte de revelação, corrente de pensamento sempre presente que governa o mundo. Somente esta concepção cósmica do Cristo, muito su­perior à histórica e humana48, pode dar-nos o sen­tido de Sua divindade e de Sua presença, atividade e função histórico-social. A imprensa sul-americana, com muita precipitação e simplicidade atribuiu, sem mais, a Cristo as "Mensagens" e a "Grande Síntese", pelo seu sabor evangélico. É preciso, porém, compre­ender quanto é perigoso e anticientífico, definir de forma tão categórica, uma proveniência que reduz o Cristo à comum concepção histórica humana; é preci­so entender que o Cristo real não pode ter, em Sua es­sência, nenhuma forma em nosso concebível, que não o alcança e encerra senão reduzidamente. No meu caso, pois, só se pode falar de direção da descida das noúres; pode-se dizer que, desde a direção, ninguém sabe quão longínqua e de qual vertiginosa altura, que tem seu início em Cristo e na Divindade, procede uma noúre, através não se sabe de quantos planos e sofrendo desconhecidas reduções de adaptação, até o plano em que minha mais alta consciência inspirati­va, ascendendo fatigosamente, pode captá-la, para realizar o último e certamente o mais rápido caminho que devia levá-la à forma da psicologia humana.

"A vós venho do Alto e de muito longe" diz Sua Voz na Mensagem do Perdão49.  "Não podeis perceber quão longo é o caminho que nós, pu­ro pensamento, devemos percorrer a fim de superar a imensa distância espiritual que nos separa de vós, imersos na terra lodosa. Vossas distâncias psicológi­cas são maiores e mais difíceis de ser vencidas que as distâncias de espaço e de tempo".

Isso significa distância conceptual da fonte e longo caminho percorrido, isto é, redução dimensio­nal operada para superar aquela distância e descer daquela altitude ao nosso plano de evolução: distân­cias psicológicas, evolutivas, de dimensão conceptual. Só agora, que delineamos este estudo técnico sobre as noúres, podemos compreender qual processo de redução implique essa descida de correntes espiri­tuais, qual série de filtragens seja necessária, através de vários planos, para que a luz seja perceptível e a irradiação acessível; quantos intermediários, de gradual transparência espiritual, devam colaborar para que a cegueira espiritual do intermediário possa alcançar o alto e a potência conceptual possa chegar, límpida, sem ofuscar-se, ao plano terreno.  Nesse complexo processo, muitos auxílios são necessários ao lado de meu esforço e, não obstante minha forma de mediunidade inspirativa consciente, grande parte da transformação tem de se realizar fora de minha cons­ciência, em planos superiores aos que me são acessí­veis; um trabalho de preparação, que ignoro, tem de realizar-se acima de mim, para trazer a noúre até o plano de minha captação. O fenômeno é vasto, feito de diversas colaborações, através de gradações de pu­reza e elevação de que eu sou apenas o último termo, o mais baixo e involvido. No Alto, como realidade objetiva e científica que eu sinto, se acha um coro de hierarquias que gravitam, de esfera em esfera, na grande luz de Deus; até os planos inferiores se pro­longa a hierarquia e a Terra recebe as irradiações do Alto e é guiada.

Após tudo isso, compreende-se sempre melhor que o problema para mim fundamental, como primei­ra condição para minha captação noúrica, é o da as­censão espiritual; compreende-se como, para mim, a questão da mediunidade e a do aperfeiçoamento es­piritual devem coincidir.

Se a fonte da inspiração está no Alto, eu devo viver sempre estirado para o Alto, para poder atin­gi-la. Sou uma antena, sensibilizada pela dor, e deve elevar-se o mais possível aos planos superiores, a fim de trazer deles ao nosso suas concepções. Quan­to mais me purificar a mais alto poderei subir e mais se ampliará meu raio de sintonização e captação. Em ultrafania vigora a lei de afinidade. É princípio ge­ral que cada médium não pode entrar em sintonia consciente senão com a noúre do próprio nível evolu­tivo. Isso porque a recepção inspirativa não se deve a uma transmissão individual, mas é uma imersão minha numa corrente de pensamento ou atmosfera conceptual, em sintonia com a qual se determina a forma de minha consciência. Por isso, se eu des­cer moralmente me dessensibilizo também e per­co a consciência daquele plano de noúres, den­sifico meu peso específico e perco a capacidade de mover-me naquelas alturas. Devo afinar dia­riamente o delicado instrumento da minha ressonân­cia no sofrimento e no desapego, a fim de poder facil­mente superar, sem correspondência, o mar das noú­res involvidas e barônticas que me circunda. Devo sensibilizar, cada dia, o ambiente para que, por dife­rença de sua natureza, permaneça surdo às vibrações mais baixas e se lance, pelo contrário, para o alto, somente vibrando se percutido por emanações eleva­das. Do mesmo modo que a onda elétrica, por ser mais evolvida é também mais potente e mais livre que a onda acústica, isto é, domina um raio de ação mais vasto, chega mais depressa e mais longe porque mais supera a dimensão espaço-tempo, também a emanação ultrafânica, captada pela minha recepção, quanto mais estiver situada evolutivamente no alto, quanto mais é poderosa e livre e mais amplamente supera os limites das dimensões inferiores, tanto mais vasto é o campo conceptual que domina. De qualquer modo, quanto mais elevada for, mais pode­rosa será. Quanto mais eu subir evolutivamente mais potente será a fonte que poderei atingir, mais se di­latará, pois, o raio de minha captação conceptual, mais profunda será minha visão das verdades absolu­tas. O progresso e o fortalecimento de minha inspi­ração provém inteiramente de meu progresso espiri­tual, porquanto basta subir para saber. Eu não estu­do em livros, mas leio na vida. "Há mais coisas no livro de Deus que nos vossos" — dizia Joana D’Arc    "e eu sei ler num livro que vós não sabeis ler". A sabedoria mais profunda é dada pela evolução e não pela cultura. Isso poderá parecer absurdo em face da psicologia prática, mas os fenômenos têm uma lógica e preciso segui-la até às profundezas.

Compreende-se, deste modo, como eu situo o problema de minha mediunidade inspirativa e por que acredito que assim se deve orientar o estudo dos casos de ultrafania elevada. Ao passo que grande distinção da mediunidade comum é entre vida terrena e além, a minha diferenciação fundamental é entre involvido e evolvido; meu problema mediúnico é problema ético, é o problema da ascensão do universo e, enquanto imerge suas raízes na mais baixa animalidade, expande suas ramificações no céu das dimensões superconceptuais. No meu caso, por isso, não tem sentido, deixando-me indiferente, a comunicação com os espíritos de defuntos que, situados mais ou menos no nosso nível, nada sabem, nada têm para dizer-nos, repetindo as velhas  e pobres coisas hu­manas50.

A mim urge, ao contrário, superar este plano humano em que vivos e mortos se agitam e em que se permanece sempre aqui em baixo, na sombra. Hamlet dizia: "ser ou não ser". Eu digo: "subir para saber, eis o problema". Estabelecida a premissa, demonstrada na "Grande Síntese", da evolução das dimensões e da ascensão dos seres através de planos de sensibilidade, de perfeição moral e de potência conceptual;  estabelecido o monismo, também na "Grande Síntese" demonstrado, isto é, um universo gerado por um princípio único — Deus — e admiti­da, finalmente, esta teoria, já agora evidente, por mim realizada, da percepção noúrica por sintonização, compreende-se como minha  mediunidade não pode ser senão a forma da evolução psíquica e es­piritual do homem, o repetir da aspiração de todo o universo, a encaminhar-se para seu centro, Deus.

Minha mediunidade, por isso, é religião, ora e adora; e assim se coloca em face da ciência, porque possui e demonstra a verdade. O fenômeno da mi­nha captação noúrica está aberto diante da eternidade. Sinto que, através dele, de corrente em corrente, de esfera em esfera, eu me remonto àquele divino centro de poder e de conceito. Sinto que Ele me cha­ma das profundezas do meu eu e das profundezas dos seres. Imergindo por meio de minha mediunidade, nos estratos mais íntimos de minha consciência, sinto que, através deles, subo aos vários planos evolutivos e que meu espírito encontra a unidade, o principio, a substância, o absoluto. Nas entranhas do relativo e além dele, sinto a verdade imóvel em torno da qual ele vai girando no vórtice da evolução. Porque a di­reção das noúres está nas profundezas do nosso eu e das coisas, onde se encontra Deus.

*    *    *

Dirijamos agora o olhar para o outro extremo, mais baixo e mais acessível, do fenômeno. É eviden­te que, em suas zonas superiores, o fenômeno não pode ser atingido pela observação e que, além destas declarações que só eu posso fazer, o fenômeno perma­nece em sua fase de origem, cientificamente incon­trolável. Pensemos na relatividade da nossa posição na escala da evolução intelectual dos seres e como nosso maior gênio representa uma redução de dimen­são, um meio denso e material em relação a fases mais evolvidas e espirituais. Já nos espantam a instantaneidade do pensamento ­e a profecia, que domina o futuro, e estas são apenas as primeiras vitórias sobre a dimensão temporal. A ciência, produto da psique humana, não pode possuir os meios de observação do que supera a capacidade da própria psique.

Em sua origem, a noúre elevada da revelação não é pensamento que se transmite esfericamente, por ondas, embora através dum meio sutilíssimo, aos últimos limites da dimensão espacial; é, porém, emanação de um superior estado cinético da substância que, transportado ao nosso concebível, constitui uma realidade inimaginável, porque estendida numa ga­ma de estados cinéticos com os quais a psique huma­na normal não sabe entrar em ressonância (com­preensão).

A noúre penetra na zona do perceptível nor­mal somente em sua fase de chegada, assumindo a forma vibratória de pensamento só depois de concluí­do o processo de transformação involutiva na cons­ciência do médium. A ciência não possui, por isso, outro meio de pesquisa, não pode atingir o fenômeno senão através desse instrumento. Não existe nenhum veículo mecânico que possibilite a alguém percorrer a dimensão evolução, senão o próprio eu que evolve. Não existem meios para captar o supersensório a não ser esse órgão ultrafânico que funciona como transformador noúrico ou redutor de dimensões. Não res­ta, pois, à ciência senão uma observação indireta do fenômeno, tal como aparece refletido na psique do médium inspirado. Por isso, quis analisar o meu ca­so porque só eu o tenho, completo e à mão, para as observações. Só reunindo na mesma pessoa a função da ciência que observa e a do ultrafano que sente e regista, se pode estudar intimamente o problema. Outra pessoa, embora mais sábia, não possui o con­tacto direto com os fatos do meu mundo interior. Somente eu assisto ao processo de minha captação noúrica e não me é permitido fazer com que outros a ele assistam senão através destas minhas descrições. Para estes, não existe senão a possibilidade de estu­do das minhas declarações e da estrutura psicológica das registrações conceptuais por mim realizadas. Permanecerão de fora, contudo, porquanto as mesmas leis do pensamento, que também agora permanecem reais, não me permitem comunicar minhas sensações senão a quem é capaz de entrar em ressonância com tal ordem de vibrações; e quem não o puder, não com­preenderá. É natural, pois, que muitos neguem, por­que não acham nenhuma correspondência na própria sensibilidade. Nada por eles posso fazer. Não se po­de fazer ouvir o som a um surdo nem fazer ver a luz a um cego. Os fatos, porém, permanecem, represen­tando um enigma, e com a acusação de desequilíbrio neurótico me será atribuída a paternidade absoluta da "Grande Síntese", o que esta o desmente com toda a evidência. Para todos, permanece indestrutível o produto do processo inspirativo, a verificação de que é difícil consegui-lo com os recursos culturais normais; permanece a lógica desta minha interpretação, uma construção conceptual que se estende através de todo este volume só para sustentar uma inexplicável hu­mildade que renuncia a fazer próprio um produto intelectual que eu tinha a meu alcance.

Desçamos, agora, da altura da emanação noú­rica ao nível humano, onde se detém a transmissão e se fixa a recepção. O último termo da transformação noúrica, o mais baixo do processo fenomênico, a zona de máxima involução está no organismo nervoso-ce­rebral do médium. Já mostrei que importa elevar o potencial nervoso para atingir a percepção noúrica. É-me necessário, por isso, um aumento de tensão elé­trica, que me permita entrar em ressonância com a corrente noúrica, assumindo uma freqüência maior (intuição) do que a racional normal. O período de adormecimento da consciência normal, que inicia a recepção, é o trabalho de colocação em fase, com uma freqüência de percepção superior à normal, saindo da ordem de vibrações comuns para sintonizar com ou­tra mais poderosa. A vontade é uma irradiação mais involvida, proveniente de uma freqüência vibratória inferior e cuja presença tem um poder destrutivo desses mais evolvidos e, delicados estados vibratórios que permitem a sintonização com a noúre. Por isso, o inspirado é um sensitivo e raramente um volitivo, dominador e apto para dirigir, tipo que, diante de tais problemas, por sua vez, é impotente.

Tudo isso explica o trabalho de sintonização ambiental que auxilia minha registração, a necessida­de que tenho de encaminhá-la, a uma harmonização vibratória de meu próprio eu, e esta quanto mais se eleva mais tem de ser profunda. Daí o fato de um afrouxamento de tensão de minha parte, por cansaço ou por distúrbios no ambiente, poder produzir verda­deiros fenômenos de evanescência, analogamente ao fenômeno de evanescência (fading) das radiotrans­missões. Em sua zona mais baixa o fenômeno tem características elétricas e é constituído, na verdade, no plasma cerebral por disposições de cinética atô­mica E o átomo é um organismo elétrico

Essa oscilação, pois, que meu ser psíquico tem de realizar ao longo da escala de evolução e in­volução para ascender a uma dimensão superior e de­pois reduzi-la à normal, se reflete em sua zona mais baixa, em mudanças de potencial, de tensão e de freqüência vibratória no meu sistema nervoso e cere­bral. A transformação de dimensão, iniciada pela emanação originária por processos imateriais super­sensórios, incontroláveis pela observação, à medida que desce involutivamente, vai-se tornando acessível aos métodos da ciência, porque se manifesta, final­mente, em forma de onda-pensamento no meu cére­bro e termina através de movimentos musculares da mão sobre a ponta da pena. Esta é a fase final, a mais densa, da materialização da noúre. O pensa­mento, que antes era móvel e fluido, solidifica-se ago­ra na palavra, cristaliza-se numa forma imutável. O pensamento, que antes eu sentia completo, instantâ­neo e contemporâneo, justamente porque numa di­mensão supertemporal, devo transformá-lo, na redução, em consecutivo e filiforme como na palavra: re­dução de dimensão volumétrica a linear

O momento em que o fenômeno se torna tan­gível é o da coagulação da substância mobilíssima e evanescente, rapidíssima para escapar, e que eu tra­go segura, num estado de extrema delicadeza percep­tiva, que é também vulnerabilidade nervosa, que me faz estremecer a cada perturbação ou interrupção. Isso se mostra lógico desde que se pense no processo que se tem de realizar em minha psique e no meu cé­rebro. Acompanho a corrente noúrica como arrebatado em êxtase; devo enfrear e dominar sua contem­poraneidade na gênese filiforme do pensamento; de­vo fazer transparecer na modulação racional e lingüística a modulação da emanação superconceptual originária; devo manter a percepção supersensória anímica e abstrata através da minha tensão como uma ligação delicadíssima que ao mínimo choque se rompe. Medite-se em quanto está distante a emana­ção de origem da registração final e, no entanto, elas devem estar unidas em ressonância e a modulação de chegada, embora reduzida, deve coincidir, sem dis­torções, com a modulação de partida. A mínima vibra­ção desarmônica (quanto mais alto se sobe mais o estado harmônico é necessário, porque é um avizi­nhar-se da unificação), qualquer choque heterogêneo, acústico ou psíquico, que penetre o ambiente pode produzir distorções por interferência. Nesse caso eu sofro e me canso (e aí não deve haver cansaço) pois que tenho de reconstituir a tensão.

Um conceito é um estado vibratório individua­do e delicadíssimo que, uma vez perdido. não mais se acha nem com a lógica e muito menos com a von­tade, não retornando senão quando excitado por co­nexão de idéias isto é, por uma nova passagem próxima num estado vibratório afim. Por isso, eu escre­vo rapidamente, deixando a forma aos automatismos; minha cultura me é necessária, por esse motivo, por­que certos conhecimentos inferiores para alcançarem mais depressa o objetivo devem ser instintivos. Neste caso, as capacidades culturais representam a exerci­tação e o crisol do instrumento e são necessárias pela lei do meio mínimo51.

Se a tensão é igual, a sintonização aderente, sem perturbações e interferências, a registração se processa segura, perfeita no conceito e na forma. Por isso, tomo as minhas precauções e escrevo à noite, quer pela ausência de ruídos quer pela segurança de não ser interrompido, mas sobretudo pela tranqüilidade que, com o sono, sobrevêm ao estado psíquico geral, que, durante o dia, pelas emanações violentas, me é verdadeiramente atordoante, finalmente, por­que sinto que os próprios raios solares têm um poder destruidor.

Sei que muitos escritores e artistas trabalha­vam à noite (por exemplo, Debussy). Sinto até os distúrbios elétricos da atmosfera. Tudo que pertur­ba o rádio também me prejudica, embora relativa­mente. Porque as descargas elétricas, se bem que po­derosas, provenientes de planos de evolução diferen­tes, dinâmicos e não psíquicos, sendo de natureza di­versa, estão qualitativamente mais distantes de mim, ao passo que um estado de ânimo barôntico (igual in­volvido) dos meus semelhantes, por maior afinidade com minha natureza humana, se introduz mais facil­mente em meu estado vibratório.  Ferem-me, por isso, um impulso de ira que se dê nas vizinhanças, as emanações dos alcoolizados e de qualquer ambiente moralmente pouco evolvido. Tudo isso, especialmen­te se inesperado, pode constituir para meu sistema nervoso, um choque que é agudo sofrimento. Certas músicas, ao contrário, especialmente se de profunda orquestração, têm para mim um poder sintonizante acentuado, como Bach, Wagner, o piano de Chopin e Liszt, Rimsky Korsakow, Mussorgsky, Glasunow, Albeniz, Palestrina, Debussy e muitos outros, ao passo que Stravinsky, por exemplo, me irrita, a poten­cia de Beethoven como a de Miguel Ângelo me esmaga, Mozart não sofre e não clama como eu desejaria. Tenho necessidade de compositores cuja noúre se afi­ne com a minha, para que sua música me ajude, fun­dindo-se em minha sintonização.

Resumindo, pois: quanto mais é abstrato o pensamento tanto mais é desmaterializada pela for­ma dinâmica a onda de sua vibração. O conceito, em sua origem, nem sequer de palavra se reveste, não tem linguagem, involvendo-se, em descida cada vez maior, até à percepção sensória e à imobilização no escrito.

Quanto mais desce o fenômeno, involutiva­mente, mais é apreciável na forma ondulatória das ondas hertzianas e do som, da luz, etc., localizando­-se também especialmente numa sede física: o cére­bro. Pode-se buscar aqui o órgão especifico da inspi­ração ultrafânica: a epífise. A epífise pode definir-se: “o órgão do cérebro, não ainda suficientemente co­nhecido e que é indicado, ultrafanicamente, como o meio mecânico através do qual as noúres são recebi­das pelos hipersensitivos". (TRESPIOLI, "Biosofia", pág. 232). O órgão da sintonização noúrica se en­contra no cérebro e é particularmente a glândula pi­neal52. Disse — "particularmente". Devemos entender-nos logo a respeito dos princípios de fisiolo­gia. A ciência materialista teve a mania da localização das funções cerebrais, dando-se à caça da sede fisiológica das funções psíquicas através de experiências de extrações localizadas. Tudo isso é resultado de sua orientação materialista e não poderia revelar-lhe senão relações e associações superficiais, nunca o princípio funcional do cérebro. Este é somente o órgão das funções psíquicas e sua estrutura é efeito e não causa de funções. O pensamento não é uma secreção do cé­rebro, mas, sim, o cérebro é, se se pudesse dizer, uma secreção do pensamento.


O órgão cerebral é o produto mais elevado da evolução biológica; é o órgão através do qual a quí­mica inorgânica do mundo pré-vital, internando-se, posteriormente, no complexo metabolismo da quími­ca orgânica, atinge um estado de superquímica em que os íntimos movimentos planetários atômicos se deslocam até à desmaterialização da matéria.

A ciência não admite nem possui os recursos de observação para  conhecer as formas de vida invisíveis, mas reais, que a evolução biológica produziu após o cérebro, isto é, a consciência.  Encontra-se, pois, estudando o cérebro, nas mesmas condições de um selvagem que observasse um aparelho de rádio sem conhecer-lhe o princípio. É inútil olhar exterior­mente os fios, lâminas e válvulas, se não se conhece o princípio das ondas hertzianas. É inútil pesar o cérebro, medir-lhe o volume, se é a qualidade e não a quantidade que importa; inútil estudar-lhe a anato­mia, contar-lhe as circunvoluções, localizar centros corticais, perseguir os circuitos elétricos centrífugos e centrípetos através do sistema nervoso. A ciência se achará sempre e unicamente em face dos funda­mentos do edifício, não lhe enxergando a superele­vação evolutiva no mundo do imponderável, um ou­tro organismo vivo, em funcionamento, palpitante de vibrações, mas imaterial, cujo conhecimento anatômi­co é atingido por outros caminhos e com outros ins­trumentos, porque situado em dimensões hiperespaciais. O cérebro é o substrato material destas forças superbiológicas, seu ponto de contacto com o orga­nismo animal; é o órgão por meio do qual o organis­mo psíquico entra em contacto com o mundo sensó­rio da matéria. O cérebro, pois, que foi meio cons­trutivo do psiquismo é igualmente seu invólucro ex­terior, seu apoio material e funcional e está para a consciência como o esqueleto está para o organismo humano que sustenta, mas de que não poderá jamais revelar nem o princípio nem o complexo funciona­mento. Para compreender o órgão cerebral não bas­ta, portanto, olhar seu exterior com simplismo pueril, mas importa penetrar na orientação cinética dos mo­vimentos planetários dos átomos de suas células, ob­servar as deslocações que as vibrações ondulatórias do pensamento operam nessas disposições e as mu­danças que aí operam as emanações noúricas, quan­do chegam, por redução involutiva, a esse plano de oscilação dinâmica. A anatomia tem de descer à aná­lise da natureza magnética dessas correntes impon­deráveis que de todas as coisas emanam e que im­pressionam esses centros, nos quais a sensibilização é máxima, porque se encontram no ápice da evolu­ção biológica.

Compreender-se-á, então, como o cérebro, ór­gão normal da consciência, em certos momentos e casos não a possa conter completamente e ela dele rompa, superando as limitações do meio com uma percepção anímica direta, supersensória. E tanto a consciência supera o meio que só revive à sua des­truição, com o grau de sensibilidade que é dado, co­mo vimos, pelo plano de evolução espiritual alcança­do em vida, isto é, proporcional ao grau de desmate­rialização realizado.

Leio num tratado que a consciência pode per­sistir também embora a destruição de um hemisfério cerebral completo. Isso demonstra a loucura da teo­ria das localizações e como é absurdo pretender esta­belecer o lóbulo central da consciência. O cérebro não pode ser reduzido à função mecânica de um ór­gão muscular. Pense-se que ele funciona não somen­te movido por correntes elétricas nervosas internas, mas é percutido por correntes ondulatórias que per­correm, sem suporte material, o espaço, ao influxo das quais ele também vibra.

Tudo isso expus para demonstrar que a loca­lização da recepção noúrica na glândula pineal é re­lativa e aproximativa, melhor direi, é preponderan­te, pois todo o cérebro vibra de ressonância, todo o sistema nervoso, todo o organismo. A glândula pineal é o órgão central, o condensador variável da sin­tonização e, também podemos dizer, o órgão de am­plificação da registração noúrica. Mas, todo o organis­mo colabora mais ou menos diretamente, em conexão, funcionando como caixa ressonante em que as radia­ções se repercutem e se harmonizam.

Na epífise a percepção noúrica se realiza por uma diversa orientação impressa pelas vibrações da corrente noúrica, degradada na forma de onda, nos movimentos planetários internos dos átomos das mo­léculas, lançadas no metabolismo celular da substân­cia glandular pineal. O último termo dos fenôme­nos está sempre na cinética atômica. Todo o cérebro, porém, é sempre percutido e percorrido por correntes psíquicas que o mantêm em contínua oscilação e ele funciona constantemente como transmissor de vibrações-pensamento. Assim como o olho sempre vibra à luz e o ouvido ao som, do mesmo modo vibra o cére­bro ao pensamento. Este princípio geral se aplica no caso da recepção noúrica, em que se destaca, eviden­te, a ressonância. Na percepção sensória a ressonân­cia se dá dirigida por um meio condutor; na noúrica, processa-se livre, mas sempre se trata de vibração por sintonização. Isso é compreensível hoje, quando tam­bém a telegrafia se tornou sem fios.

No meu caso, a epífise deve haver atingido um grau evolutivo de potencialidade (não volume, mas orientação cinética atômica) e de sensibilização, a fim de poder funcionar como antena na dimensão evolução e como transformador, isto é, como redutor involutivo.

O outro problema afim é o de saber como es­tes órgãos atingem esse grau evolutivo. O funcionamento e o desenvolvimento evolu­tivo de um órgão é dado pela corrente nervosa que o mantém e lhe excita as trocas, fornecendo-lhe a ali­mentação dinâmica. Quando do centro não descem mais essas correntes nervosas, o órgão se atrofia, de­senvolvendo-se, ao contrário, quando as correntes se intensificam

Essas correntes não são mais que impulsos elétricos que modificam a orientação dos íntimos mo­vimentos do átomo, que é um organismo elétrico, al­terando, assim, toda a química da troca, que assim pode encaminhar-se para a atrofia ou para superiores formas de evolução.

O centro irradiante destas correntes está além do sistema nervoso e do cérebro, que são dois interme­diários mais baixos; é a própria consciência que está à frente da marcha evolutiva e que à medida que se vai elevando, retira as correntes do funcionamento nos níveis inferiores, centralizando-as num funciona­mento evolutivamente mais alto.  Desse modo, no inspirado, o organismo tende ao emagrecimento mus­cular, as funções digestivas não mais admitem labo­res pesados, tudo tende à atrofia do que é físico para alimentar o que é psíquico. É absurdo procurar no intelectual e no gênio um cérebro mais volumoso, quando ele se acha justamente no caminho da des­materialização. Estamos nos antípodas da ciência. No caso do órgão cerebral, a desmaterialização pro­gressiva de funções por evolução é, como já disse, problema de cinética atômica e é neste sentido que aqui falei de funções espirituais.

    
A glândula pineal é, pois, o órgão central da ressonância psíquica e da sintonização noúrica. No meu caso, essa glândula é o órgão principal da resso­nância superconceptual e, simultaneamente, de trans­formação de dimensão, isto é, o órgão em que se for­ma, por deslocações cinéticas na intima estrutura dos átomos, a redução da emanação noúrica em forma de pensamento.

As ressonâncias, porém, não são todas iguais nos diversos ultrafanos. Alguns deles têm uma extensa gama de possibilidades de sintonização, embo­ra mantendo-se num nível mais baixo; e entre todas, existe muitas vezes a sintonização preferida, que é aquela de maior afinidade. O meu caso, pelo contrá­rio, poder-se-ia chamar — de sintonização fixa, de ressonância única — porque, por instinto de simpa­tia, eu me ligo ao máximo contacto que minha evo­lução me permite e rejeito todos os outros. Pelo fenômeno da ressonância, que é unificação de vibra­ções, estabelece-se uma como fusão do meu eu mais elevado com o centro emissor, uma reabsorção de minha personalidade na noúre, pela qual, naquele nível, não mais existe distinção entre o eu e o não-eu e tudo se torna a mesma força, o mesmo pensamento, a mesma corrente.

A matéria separa, mas quando nos elevamos e nos aproximamos da unificação, a evolução nos conduz ao centro divino.

Naquele plano, não mais faço distinção entre a entidade inspiradora, a noúre captada e o meu eu mais profundo. É natural que o mais absorva o me­nos, que a pobre chamazinha de meu espírito se con­funda no incêndio e eu não mais saiba dizer — eu. A distinção renasce, rápida, apenas quando, na redu­ção de dimensão, torno a descer, involutivamente, até minha personalidade humana.  O meu caso é, pois, de ultrafania especializada na captação concep­tual, e esta é verdadeiramente a marca das minhas registrações.

Tendo à ligação máxima porque esta me dá o conceito máximo. Isso não impede que a ressonân­cia possa formar-se, e indiretamente ferir-me, tam­bém com seres e coisas de planos inferiores. Eu, porém, não os aceito senão como elementos secun­dários ambientais de harmonização; poderiam eles ser úteis para a inspiração artística e musical, mas não para a conceptual. Existe também nas profunde­zas de minha psique o poder seletivo, sem o qual se daria, como em alguns velhos rádios, uma confusão de harmonias.  Há em minha glândula pineal um órgão de seleção, de que me utilizo, não para captar, mas para afastar, após havê-las reconhecido, as resso­nâncias que se apartam de minha registração conceptual e que me soam como dissonâncias barônticas, como distúrbios de que procuro isolar-me.


Se a glândula pineal ou epífise, órgão da sintonização noúrica, não pode sobressair radioscopicamente, pela trans­parência aos raios dos tecidos, todavia zonas de maior sombra na fotografia positiva e maior luz na negativa, na zona cra­niana central (nas fotos I e II um pouco acima do centro, entre os  olhos; nas fotos III e IV, no centro da caixa cra­niana) indicam a sede da função noúrica, no ponto central da esfera cerebral e craniana, que funciona como invólucro exterior, protetivo e ressonante. Se, ao centro dessas zonas de maior densidade, se localizam o condensador variável da sin­tonização e também o órgão de amplificação  da registração noúrica, a quase-esfera  de matéria cerebral, delineada pela quase-esférica caixa craniana, como tecido  especializado, exerce sua função de caixa harmônica de ressonância e segundo órgão de amplificação. A estrutura geométrica desse primeiro ambiente fechado é apropriada à potencialização da onda transmissora e da onda captada, o que se verifica na emanação e  na recepção noúricas. Sobretudo neste último caso, da registração de emanações provenientes de dimensões superconceptuais, quando a corrente atinge por redução di­mensional a fase dinâmica, assumindo a forma de onda, que se transmite por pulsações esféricas, então, a caixa craniana, fechada em si, multiplica e amplifica, por refração interna (no ambiente cerebral particularmente apto a entrar em vibração, se excitado pela ação de tais ondas psíquicas)  aquelas ondas que, justamente na zona cerebral, realizam a última fase de sua redução dimensional, já iniciada antes, fora do espaço e depois no espaço de emanação  psíquica do sujeito. Assim transformadas e potencializadas no cérebro, em que se reves­tem. por absorção, de energia nervosa, ribombando, fechadas finalmente, na caixa craniana, isolante e internamente quase-esférica, as ondas podem impressionar muito mais energica­mente a epífise noúrica.


Na radioscopia lateral  é visível, como em seção, à margem, a caixa óssea, que funciona como invólucro isolan­te do ambiente amplificador cerebral. Esta massa se abre para uma zona de maior transparência e menor densidade, que na positiva é uma zona de maior luminosidade e isso na direção do alto, que é a direção das correntes noúricas. E esta seria, por razões de direção e de menor resistência, como também de equilíbrio vibratório, a zona normal de penetra­ção noúrica, a porta aberta através da qual a epífise pode co­municar-se externamente com as ondas que, na fase dimen­sional mais próxima, são espaciais. E esta não seria apenas a zona de penetração, mas, também, a janela aberta da proje­ção noúrica, o ponto em que aflora e se projeta exteriormen­te a irradiação espiritual. Quando, através dessa investiga­ção e dessa técnica, a emanação atinge o sujeito e penetra em sua caixa craniana, a corrente noúrica, degradada em for­ma de onda, está apta a imprimir, e imprime, uma diferen­te orientação  aos movimentos planetários  dos átomos das moléculas das células cerebrais. Então, a pura excitação noú­rica se materializa ainda mais, revestindo-se de energia psí­quica  e nervosa e tornando-se  praticamente  perceptível, inclusive com instrumentos e como sensação, e então, atin­gida sua última fase de transformação, é suficientemente den­sa, podendo por isso impressionar a epífise, que, arrastando consigo, em sua sintonização, o cérebro e o sistema nervoso, dirige a função mecânica muscular da escrita.




45 A teoria da evolução das dimensões é desenvolvida nos Caps. XXXV, XLVIII e LIII de "A Grande Síntese" e caps. XVIII e XIX de "PROBLEMAS DO FUTURO". (Nota do Tradutor).

46                                              No  Livro dos Médiuns”, edição da FEB, 1939, os trechos citados se encontram à  pag. 258 (Cap. XX, parags. 227 e 228). (Nota do Tradutor).

47 Estes esboços serão completados e esclarecidos no de­senvolvimento de outros conceitos e teorias nos volumes da II e III trilogias do mesmo Autor. (Nota do Autor).
48 Essa concepção cósmica de Cristo é amplamente de­senvolvida no cap. IX de "Ascese Mística" ("Cristo"); nos caps. XV e XVI de "Problemas do Futuro" e em "Deus e Universo", de P. Ubaldi. (Nota do Tradutor).
49 Essa Mensagem do Perdão e mais outras seis estão reunidas no volume "Grandes Mensagens". (Nota do Tradutor).
50 É este o aspecto geral do mediunismo europeu e tam­bém do nosso. E é a esse intercâmbio vão e muitas vezes perigoso que o Prof. Ubaldi se refere, de acordo com a sua experiência no ambiente do velho Mundo. Sabe ele, entretanto, e não poderia deixar de assim ser, que existem os verdadeiros instrumentos da Luz Superior. Várias vezes, aqui no Brasil, teve ele oportunidade de re­ferir-se, não só em conversas intimas como também através da im­prensa espiritista e leiga, à  missão de Francisco Cândido Xavier, de quem já leu vários livros mediúnicos, sobre os quais teceu os mais entusiásticos louvores. Impressionaram profundamente o Prof. Ubaldi diversas mensagens do livro "Falando à Terra". Recordo-me de que, em nossas palestras em Campos e Atafona, ele me falou sobre ­a profundeza conceptual das Mensagens de Teresa d'Ávila, do Car­deal Arcoverde, do Marquês de Maricá, de João de Brito e outros. Lamentou que nossos irmãos católicos não pudessem aceitar as grandes verdades da Mensagem de Arcoverde (pág. 108 de "Falando à Terra") e comentou, achando-a admirabilíssima, a reflexão de Ma­ricá, sobre Diógenes e o homem (idem, pág. 150).  Impressionou-o vivamente, também, pela beleza de expressão e pela elevada sa­bedoria, o “Lembrete” de Santa Teresa, à pág. 179 do mesmo volume.
Esta nota é dada para que não se julgue que Pietro Ubaldi englobe no número incontável de pelotiqueiros da baixa mediuni­dade os verdadeiros instrumentos da Luz Superior, intérpretes da Verdade Divina, a exemplo de Francisco Cândido Xavier. (Nota do Tradutor).

51 O princípio do meio mínimo "regula a economia da evolução, evitando inútil dispêndio de forças".  Sobre o assunto fala "A Grande Síntese" no seu cap. XL ("Aspectos menores da Lei"). (Nota do Tradutor).

52 Através da mediunidade de Francisco Cândido Xavier temos do fato uma perfeita confirmação, no cap. II do volume de André Luiz, “Missionários da Luz” (Editora FEB, 1945): A epífise é a glândula da vida mental" (pág. 20). "... O mais avan­çado laboratório de elementos psíquicos da criatura terrestre". (Idem). "Analisemos a epífise como glândula da vida espiritual do homem". (Pag. 21). (Nota do Tradutor).

Copiado do livro:  AS NÓURES : PIETRO UBALDI...