Leitores, no decorrer destas páginas,
seguistes o curso do meu pensamento e nelas encontrastes, por certo, alguma
coisa de vossas impressões e emoções, como um reflexo de vossa própria imagem;
isso fez com que tomásseis interesse por elas.
Antes de encerrar este livro, eu vos
convido a abandonar, por um instante, nossas preocupações comuns, as tristes
lembranças de quatro anos trágicos que acabam de passar, para que elevemos
nossos olhos para essa infinita natureza que sempre foi para mim uma consolação
poderosa.
Muitas vezes, na insônia ou na angústia,
eu me levanto, no meio das noites claras, para contemplar o desfile majestoso
dos astros, esses mundos luminosos que me falam a mais eloquente das
linguagens; que me falam da sabedoria e do poder do Criador.
Sua visão me consola dos horrores da
Terra, desta pobre Terra ensanguentada pela guerra, coberta de ruínas e banhada
por tantas lágrimas.
Da profundeza do espaço, aqueles mundos
me atraem, me chamam, como que me fazendo sinais inteligíveis.
Se meus olhos se apagarem, se minha
cegueira ficar completa será para mim uma cruel privação não poder mais
contemplar esses maravilhosos diamantes celestes.
Nesse momento em que a Terra enlutada
chora seus filhos mortos, parece que os céus estão em festa. Será para receber
os que nos deixaram momentaneamente?
No zênite, brilha Júpiter com todo
esplendor, tomado do Sol. A majestosa Órion se inclina para o ocidente.
Reconhecemos Sirius por sua luz branca e pura, mas aqui e além, por toda parte
resplandecem outros focos: Rigel, Prócion, Aldebaran, etc.
Brevemente aparecerão a rica constelação
do Leão, Vega e a gigante Arcturo, semelhante a oito mil sóis como o que nos
ilumina.
A Via Láctea desdobra sobre nossas
cabeças sua imensa faixa polvilhada de sóis, que a distância mal deixa
entrever. O cortejo dos astros continuará, sem termo e sem fim... As
irradiações e vibrações de todos esses mundos se cruzam na imensidão.
A alma sensível fica deslumbrada,
sentindo os eflúvios de amor e as palpitações da vida universal. Tem a sensação
do intercâmbio que se opera entre o Espaço e a Terra, quando os pensamentos e
as preces sobem e as forças e as inspirações nos envolvem.
Quantas indagações esse espetáculo nos
desperta na alma!
Para onde irão todos esses astros na sua
rápida caminhada, por exemplo, a estrela número 1830 do catálogo de Groombridge
que, proveniente de um sistema desconhecido, se desloca a 300 quilômetros por
segundo, atravessando nosso Universo qual um enorme bólido?
E esses cometas vagabundos, estranhos
mensageiros que marcham errantes de sistema em sistema, qual terá sido sua
origem e qual seu papel no cosmo? Além disso, as incontáveis nebulosas,
espalhadas no espaço como berços de futuros universos, origens de mundos ou formigueiros
de sóis, e que encontramos profusamente semeados até nos espaços infinitos!
Tais abismos de mistério e silêncio, de
sombra e luz, por muito tempo foram objeto de espanto e terror para o homem e
era com hesitação, quase com medo, que seu pensamento tentava sondar-lhes as
profundezas.
Agora, graças à revelação dos espíritos,
essa imensidade, muda e melancólica na aparência, se anima e vibra. Todos esses
mundos e os espaços que os separam estão povoados por legiões de almas, humanas
ou etéreas. Constituem as nossas futuras moradas, estações de nossa longa
peregrinação, os degraus da escada de progresso que todos temos de subir
através dos tempos.
Nosso atrasado planeta é uma mansão de
dor e lágrimas, uma rude escola onde os espíritos novos vão adquirir às
virtudes heroicas, as qualidades fundamentais que lhes darão acesso às esferas
venturosas. Porém, lá do Alto, existem sociedades mais adiantadas que se
desenvolvem na paz, na alegria e na harmonia.
Assim, fora dos limites de nossas breves
e penosas existências terrenas, abrem-se diante de nós imensas perspectivas,
oferecendo-se ao nosso interesse e à nossa atenção múltiplos temas de estudo e
exploração, variedades e contrastes inimagináveis.
Diante de tantas maravilhas que o futuro
nos reserva, as presentes provações perdem sua rudeza. Crescem nossa confiança,
nossa esperança e nossa fé.
Incapazes de medir a extensão das
riquezas espirituais das quais participaremos, juntamos nossas vozes às vozes
do Infinito, ao coro universal dos seres e dos mundos, para comemoração da vida
eterna e infinita!
*
Nosso destino está escrito no Céu em
caracteres de fogo. Desde a origem dos mundos, Deus traçou sobre nossas
cabeças, em linhas luminosas, o poema da alma e de seu futuro. E todos aqueles
que souberam decifrar essas letras maravilhosas conseguiram sabedoria e força
moral nesse estudo.
Mesmo entre os espíritos de nossa
esfera, há poucos que conseguiram visitar e descrever os esplendores celestes
e, se alguns, num rápido voo, puderam explorar diversos sistemas e penetrar
mais além dentro do infinito, devem logo regressar aos meios correspondentes ao
seu grau de adiantamento.
Essas longínquas explorações são
permitidas ao espírito que delas se torne digno, para lhe mostrar seu caminho
de progresso. Elas estimulam sua vontade de adquirir os merecimentos que lhe
permitirão viver na sociedade das almas unidas pelo amor dentro da felicidade.
Tudo está graduado em nosso progresso.
Para alguns espíritos muito jovens, insuficientemente preparados, o
conhecimento de certas verdades colocaria em risco todo o seu equilíbrio
mental. Somente aos grandes espíritos pertence o pleno conhecimento do
Universo. Deles é que nos vem, principalmente (por intuição ou mediunicamente),
a revelação das leis superiores.
Para que consigamos alcançá-la, é
preciso preparar nossa alma pela meditação, pelo recolhimento e pela prece.
Assim se produz em nós uma espécie de ampliação do ser, uma expansão das
faculdades, que torna possível penetrarem em nós as mais altas verdades. Por
seu intermédio e por sua ação, uma transformação se opera, paulatinamente; ao
mesmo tempo em que se desdobram as páginas do livro exterior, e à medida que o
horizonte se aclara, o ser interior se ilumina e os ecos de dentro atendem aos
apelos de fora.
Debaixo de uma influência espiritual, as
lembranças do passado, mergulhadas no mais profundo de nossa memória,
ressurgem. A cadeia de nossas vidas anteriores se reconstitui e voltamos a
tomar consciência de nossa verdadeira natureza e de nossa pátria de origem.
Sentimos melhor a gravidade e a solenidade das coisas da vida. As provações e
os males, trabalhos e dores são considerados como outros tantos meios de
educação e de progresso.
Toda a nossa história, através dos
séculos, está escrita dentro de nós. Nossas vidas passadas, monótonas ou
trágicas, foram se vertendo, gota a gota, no fundo de nossa alma, e como uma
água profunda, em cuja superfície nos inclinamos em certas horas, podemos então
ver nela refletida, como em um espelho, as imagens do passado.
Já ficou assinalado que, nos fenômenos
de exteriorização e mediante a visão psíquica aumentada, a criatura revê o
lugar onde suas existências aconteceram; as margens da Ática, banhadas pelo
Sol, onde o mar rebenta seu rolo de espumas debaixo dos ramos dos mirtos e da
verdura prateada das oliveiras; as imensas planícies da Assíria e do Egito e os
colossos de pedra que erguem para o céu azul suas formas geométricas ou seus
perfis de animais. A alma reconstitui as remotas civilizações e o papel, muitas
vezes obscuro, mas às vezes brilhante, que nelas desempenhava.
Vislumbra as brancas cidades cujos nomes
harmoniosos marcam como estações a caminhada intelectual da humanidade: Atenas,
a joia da Hélade, a cidade querida dos filósofos, dos oradores e dos
escultores; Crotona, onde Pitágoras ensinava sua doutrina a um grupo de
iniciados; Alexandria, onde os esplendores do gênio grego se misturaram, no
crisol do pensamento, com a chama ardente do Cristianismo nascente.
Os que viveram aqueles momentos
deslumbrantes da história não podem evitar um sentimento de emoção, recordando
a adolescência ingênua de sua alma, embalada pelos mitos e lendas pagãs,
enamorada pelas ilusões da vida oriental.
Poderíamos ter uma ideia de tais
impressões comparando-as com as que nos proporciona, no ocaso da vida, as
lembranças de nossas ricas sensações da mocidade, quando para nós tudo era
sedução e encanto.
Aí todas as cenas da natureza provocavam
em nós verdadeira embriaguez, como, por exemplo, quando entramos numa floresta
espessa pela primeira vez, ouvindo o murmúrio das fontes, dos regatos ou a
canção dos ventos entre os ramos; ou quando, do alto das montanhas contemplamos
a extensão dos vales e planícies, vendo, ao longe, resplandecer o mar ou
desdobrar-se o panorama de uma grande cidade!
Quanta riqueza oculta no íntimo obscuro
da alma, tesouros de pensamentos e ações, de alegrias e tormentos, acumulados
pelos séculos no íntimo da criatura e que a sugestão hipnótica faz reaparecer,
quais essas plantas e flores que flutuam na superfície dos lagos, com suas raízes
mergulhadas nas sombrias profundidades das águas!
No meio de tais quadros e recordações
que brotam das sombras do passado existem alguns que proporciona calma e
alívio, porém, em compensação, quantas cenas que melhor seria não as tivéssemos
revivido! Elas emergem do silêncio e da noite adquirindo poderosa importância e
às vezes, ao revê-las, uma angústia nos invade.
Os segredos guardados no fundo de nossa
memória se levantam e nos acusam. Todo o nosso passado permanece indestrutível
e indelével, não há poder capaz de destruí-lo, mas nos é permitido resgatá-lo
no futuro, com obras de sacrifício e tarefas bem realizadas.
Entendemos por que a sabedoria eterna
conservou esquecidas essas remotas lembranças, por algum tempo: foi para nos
dar mais completa liberdade de ação no curso desta vida. Sem tal precaução, os
fantasmas de nossas vidas passadas apareceriam diante de nós sem cessar,
perturbando a quietude e a serenidade do presente. O reconhecimento das
responsabilidades adquiridas e de suas consequências paralisaria o nosso voo
para o alto.
*
Os mais profundos mistérios da alma e do
Universo continuam sendo ocultos para nós, todavia podemos comprovar que se
realiza, no domínio do conhecimento, um sensível progresso. O véu do destino se
levanta e a grande lei da evolução se torna exata e clara aos nossos olhos.
Assistimos a uma verdadeira
transformação do pensamento, sob o ponto de vista filosófico. Ele abandona cada
vez mais as posições materialistas que ocupava há tanto tempo para se tornar,
agora, espiritualista e idealista, pois já passaram de moda as teorias do átomo
e da célula. Além da matéria, reconhece-se a existência de uma força criadora,
de um dinamismo poderoso que a penetra e a dirige. Ainda mais acima domina a
ideia.
A inteligência e as vontades governam o
mundo dos seres e das coisas. Aparece a lei e por seu intermédio se afirma a
ideia de Deus, que é o pensamento e a força eterna que movem o Universo. Ele é
a conciliação de todos os problemas e o objetivo supremo de todas as evoluções.
Emanam dele as mais altas aspirações do gênio, as intuições do artista e do
sábio. Todas as criações de uma arte sublime, os espetáculos grandiosos da
natureza, as harmonias do Universo, a sinfonia que os mundos compõem entre si
nas profundezas do espaço, tudo isso não é mais do que um reflexo, um pálido
eco do poder criador.
Estudar Deus em sua obra, aí reside o
segredo de toda força, de toda a verdade, de toda sabedoria e de todo o amor.
Porque Deus irradia através de sua obra assim como o Sol filtra seus raios por
entre a leve neblina que flutua sobre as florestas e os vales.
Léon
Denis
O Mundo
Invisível e a Guerra
Traduzido
Francês
Léon Denis - Le Monde Invisible et la Guerre
(1919)
Repassando
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