Foi, portanto, o Sol, o último sobrevivente do seu
sistema, o último beneficiado do fogo vital. E, contudo, também ele se
extinguiu... Depois de haver derramado sobre a família celeste, por tanto
tempo, os raios da sua luz vivificante, viu aumentarem sê-lhe as manchas, em
número e extensão, falecer lhe a fotosfera, sombrear-se, coagular-se a
superfície outrora fulgurante. Uma bola enorme, vermelha, substituiu no espaço
o foco esplendente dos mundos desaparecidos.
Também
para ele chegou o último termo, soou a última hora no eterno relógio dos
destinos, hora em que todo o sistema solar houvera de ser riscado do livro da
vida.
Sucessivamente, todas as estrelas que representam um sol, todos os
sistemas solares, todos os mundos, tiveram a mesma sorte...
Apesar
disso, tal como hoje, o Universo continuou a existir. A ciência matemática nos
diz: “Parece que o sistema solar não possui atualmente mais que a centésima quinquagésima
parte da energia transformável, que possuía no estado de nebulosa”. Se bem
que este remanescente constitua ainda uma provisão cuja enormidade nos
confunde, ele terá também o seu total esgotamento. Mais tarde, a transformação
se operará em todo o Universo e acabará estabelecendo um equilíbrio geral de
pressão e de temperatura.
Daí por
diante, a energia não mais será suscetível de transformar-se. “Não será a
imobilidade absoluta, visto que a mesma soma de energia há de existir sempre
sob a forma de movimentos atômicos, e sim, a ausência de todo o movimento
sensível, de toda a diferença e de toda a tendência, isto é, a morte
definitiva”.
Eis o
que diz a matemática contemporânea.
A
observação atesta, de fato, que, de um lado, a quantidade de matéria permanece
constante, e, de outro lado, o mesmo se dá com a força ou energia, através de
todas as transformações e posições dos corpos; mas, que o Universo tende para
um estado de equilíbrio, consequente à uniformidade do calor repartido. O calor
solar, como o de todos os astros, parece devido à transformação dos movimentos
iniciais, aos choques moleculares, e o calor atual, difunde-se constantemente
no espaço, isso até que todos os astros sejam resfriados à temperatura do
próprio espaço. Se considerarmos idôneas as nossas atuais ciências quais a
física, a mecânica, as matemáticas; e admitindo a constância das leis que hoje
regem a natureza e o raciocínio humano, outro não poderá ser o destino do
Universo.
Longe de
ser eterna, esta Terra que habitamos teve o seu princípio. Na eternidade, cem
milhões, um bilhão de anos, ou de séculos, são como um dia. A eternidade
precede e sucede, a lonjura aparente se desvanece para reduzir-se a um ponto. O
estudo científico da natureza e o conhecimento de suas leis nos levam, pois, à
questão outrora posta pelos teólogos, chamem-se eles Zoroastro, Platão,
Agostinho, Tomás de Aquino, ou qualquer bisonho seminarista tonsurado de
véspera, a saber: “Que fazia Deus antes de criar o mundo? E findo o mundo,
que fará Deus?” Ou então, sob uma forma menos antropomórfica, de vez que
Deus é incognoscível: - “Qual seria o estado do Universo antes da ordem de
coisas atual, e que será depois?”.
A
questão é a mesma, quer se admita um Deus pessoal, pensando e agindo preconcebida
mente, quer se negue a existência de qualquer princípio espiritual, para só
admitir a de átomos e forças indestrutíveis representando uma quantidade de
energia invariável, não menos indestrutível.
No
primeiro caso, porque Deus, potência eterna, incriada, teria ficado inativo,
ou, tendo ficado inativo, satisfeito com a sua absoluta imensidade sem mais
necessitar crescê-la, haveria de mudar esse estado criando a matéria e as
forças? O teólogo poderá responder: “porque
assim lhe aprouve fazer...” Mas, o filósofo não se conformaria com essa
variabilidade do pensamento divino.
No
segundo caso, pois que a origem da atual ordem de coisas apenas remonta a certa
data e não há efeito sem causa, temos o direito de perguntar qual o estado
anterior à formação do universo atual.
Ninguém
poderá contestar que, posto seja a energia indestrutível, há uma tendência
universal para a sua dissipação, que deve culminar em repouso e morte universal.
É um raciocínio matemático, impecável. E, contudo, nós não o admitimos... Porquê?
Porque o
Universo não é uma quantidade finita.
É
impossível conceber um limite à extensão da matéria.
Temos
diante de nós, através de um espaço ilimitado, a fonte contínua da
transformação de energia potencial em movimento sensível e, daí, em calor e
noutras forças; e não um simples mecanismo finito, a trabalhar como um relógio,
que pudesse parar um dia para sempre.
O futuro
do Universo é o seu passado. Se ele devesse finalizar um dia, há muito teria
acabado e nós aqui não estaríamos a estudar este problema.
É por
serem finitas as nossas concepções que não podemos assinalar princípio nem fim,
às coisas. Não concebemos mais que uma série, absolutamente interminável, de
transformações existentes no passado, em trânsito para o futuro; ou, ainda,
séries igualmente infindáveis de combinações materiais podendo encadear-se de
planetas em sóis, de sóis em sistemas solares, destes em vias-lácteas, em
universos estelares, etc., etc. O panorama celeste aí está, contudo, a
demonstrar-nos o infinito. Não compreendemos; maiormente a infinidade do espaço
e do tempo, menos ainda qualquer limitação de espaço e tempo, de vez que o
pensamento os ultrapassa e continua a vê-los. Caminháramos sempre, em qualquer
direção, sem jamais topar um fim. Podemos de igual modo, imaginar uma ordem de
sucessão nas coisas futuras.
Falando
do absoluto, não é espaço e tempo o que nos deve preocupar, sem dúvida, mas o
infinito e a eternidade, no seio dos quais toda a medida, por mais extensa que
seja, se reduz a um ponto. Nós não concebemos, não compreendemos o infinito, no
espaço ou na duração, mas a nossa incapacidade de compreensão nada prova contra
o absoluto.
Confessando nada compreender, sentimos que ele, esse infinito, nos
envolve, e que o espaço limitado por uma parede ou barreira qualquer é de si
mesmo uma ideia absurda, tal como a de que pudéramos admitir, em dado momento
da eternidade, a possível existência de um sistema de mundos cujos movimentos
medissem o tempo sem o criar. Será que sejam os relógios quem cria o tempo?
Ninguém
o dirá, senão que eles apenas o medem. Nossas medidas de tempo e espaço se
desvanecem diante do absoluto. Mas o absoluto permanece.
O fato é
que vivemos no infinito, sem disso duvidarmos. A mão que sustém esta pena
compõe-se de elementos indestrutíveis, eternos; e os átomos que a integram já
existiam na nebulosa que originou o nosso planeta, e continuarão existindo por
todos os séculos dos séculos. Nosso peito respira e o cérebro pensa com os
materiais e as forças já operantes há milhões de anos, e que hão de operar, sem
fim. E o minúsculo globo que habitamos está no fundo do infinito - não no
centro de um universo limitado - no fundo do infinito, tanto quanto a mais
longínqua estrela acessível às nossas lentes telescópicas.
A melhor
definição do Universo que até agora nos foi dada, é ainda a de Pascal, à qual
nada haveria que acrescentar, a saber: é uma esfera cujo centro está em toda
parte e cuja circunferência não está em parte alguma.
É este infinito que
assegura a eternidade do Universo. Estrelas após estrelas, sistemas sobre
sistemas, universos sucedendo-se a universos, aos milhares, aos milhões,
infindos em todos os rumos e direções. Não habitamos um centro inexistente e, tal como a mais longínqua
estrela a que aludimos, a Terra jaz no fundo do infinito. Voemos no espaço
infindo, em pensamento e com a velocidade do pensamento, por meses, anos,
séculos, milênios, nem nos aproximaremos de uma fronteira. Haveremos de ficar
no vestíbulo desse infinito escancarado à nossa face...
Infinitos no tempo? Vivamos em pensamento para além das idades futuras,
juntemos séculos a séculos, períodos seculares a períodos seculares e jamais
atingiremos o fim. Haveremos de ficar no vestíbulo dessa Eternidade desdobrada
diante de nós...
Em nossa
pequena esfera de observação terrestre, constatamos que, através de todas as
mudanças de aspecto da matéria e do movimento, o quantum de uma e outro continua sendo o mesmo, sob outras formas.
Matéria e Força se transformam, mas a quantidade de massa e de potência
subsiste.
Os seres
vivos nos dão este exemplo perpétuo: nascem, crescem, assimilando substâncias
tomadas ao ambiente exterior, e, quando morrem, se desagregam e restituem à
Natureza todos os elementos que lhes integraram o corpo.
Uma lei
constante reconstitui perpetuamente outros corpos com esses mesmos elementos.
Todo astro é comparável a um ser organizado, mesmo no concernente ao seu calor
interno. O corpo vive enquanto funcionam os seus diversos órgãos, acionados
pelos movimentos da respiração e da circulação. Quando sobrevêm o equilíbrio e
o estacionamento, verifica-se a morte; mas, depois da morte, todas as
substâncias que formavam o corpo vão reconstituir outros seres. A dissolução é,
assim, o prelúdio do renovamento e formação doutros seres. A analogia leva-nos
a crer que a mesma coisa se verifica no sistema cósmico. Nada pode ser
destruído.
O que subsiste invariável
em quantidade, mas sempre mudando de forma sob as aparências sensíveis que o
Universo nos apresenta, é uma Potência imensurável, que somos obrigados a
reconhecer ilimitada no espaço, e sem começo nem fim, no tempo.
Eis
porque sempre haverá sóis e mundos, que não serão os nossos sóis e mundos
atuais; que serão outros, mas,
sucessivos sempre, por toda a eternidade.
E este
universo visível não deve representar para o nosso espírito mais que as aparências variáveis e mutáveis da Realidade absoluta e eterna, constituída
pelo universo invisível.
Foi em
virtude dessa lei transcendente, que, muito tempo depois da morte da Terra, dos
planetas gigantes e do próprio astro central - enquanto ele, o nosso velho Sol
enegrecido vogava sempre, na imensidade ilimitada, levando consigo os cadáveres
de mundos em que as humanidades terrestres e planetárias haviam mourejado
outrora - outro sol extinto, vindo das profundezas do infinito, o encontrou
quase de face e o deteve!
Então,
dentro da noite sideral profunda, essas duas bolas formidáveis engendraram, num
repente, por força do choque prodigioso, um fogo celeste imenso, uma vasta
nebulosa a oscilar, primeiramente qual flama louca, a mergulhar depois nos
abismos celestes, insondáveis. Sua temperatura poder-se-ia estimar em milhões
de graus. Tudo o que fora terra, água, ar, mineral, planta, homem, aqui na Terra;
tudo o que fora carne, olhos, corações palpitantes de amor, belezas
empolgantes, cérebros pensantes, mãos operosas; vencedores ou vencidos,
carrascos e vítimas, átomos e almas não desprendidas da matéria, tudo se
reduzira a fogo. E assim os mundos de Marte, Vênus, Júpiter, Saturno e a
restante confraria. Era a ressurreição da natureza visível, enquanto que as
almas que tinham adquirido a imortalidade continuavam a viver eternamente nas
hierarquias do universo psíquico, invisível.
A
consciência de todos os seres humanos que tinham vivido na Terra, graduara-se
no ideal; os seres haviam progredido por suas transmigrações através dos mundos
e todos reviviam em Deus, desprendidos das gangas materiais, planando na luz
eterna e progredindo sempre.
O universo
aparente, o mundo visível, é o cadinho no qual se elabora, incessantemente, o
mundo psíquico, único real e definitivo.
O
espantoso choque dos dois sóis extintos criou uma nebulosa imensa, que absorveu
todos os velhos mundos reduzidos a vapor e que, soberba, gigantesca, flutuando
no espaço infinito, começou a girar sobre si mesma. Nas zonas de condensação
dessa nebulosa primordial começaram, então, a nascer novos globos, tal como se
deu outrora, nos primórdios da Terra.
E foi,
assim, um recomeço do mundo, uma gênese que futuros Moisés e Laplaces haveriam
de recordar.
E a
criação prosseguiu nova, diversa, não terrestre, marciana, saturnina, solar,
mas, sim, extraterrena, sobre-humana, inextinguível.
E houve
outras humanidades, outras civilizações, outras vaidades, outras Babilônias,
Tebas, Atenas, Romas; outros palácios, templos, monumentos; outras glórias e
outros amores. Mas, tudo isso nada tinha da Terra, cujas efígies se esvaneceram
como sombras espectrais.
E esses
universos também passaram, por sua vez. Outros lhes sucederam. A certa época,
perdida na eternidade dos tempos, todas as estrelas da via - láctea se
precipitaram para um centro comum de gravidade, constituindo um imenso,
formidável sol - centro de um sistema cujos mundos gigantescos se povoaram de
seres organizados, em temperatura incandescente para nós, e cujos sentidos,
vibrando sob outras irradiações, com outra física e outra química, lhes mostraram
o Universo sob aspectos irreconhecíveis aos nossos olhos...
Para
outras criações, outros seres e outros pensamentos.
E
sempre, sempre o espaço infinito permaneceu repleto de mundos e de estrelas, de
almas e de sóis. Nem nunca deixou de haver eternidade visto que ela não comporta começo nem fim:
Camille Flammarion -
A
maior “caridade que podemos fazer pela Doutrina Espírita é a sua divulgação”:
Emmanuel: Chico Xavier
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