quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Desenvolvimento da Ciência Espírita



É cada vez maior o número de pessoas que recorrem às instituições espíritas suplicando ajuda para si mesmas ou para parentes e amigos que se entregam a viciações e perversões de toda espécie. Na sua humildade muitas vezes simplória, alimentada racionalmente pelos princípios doutrinários, os dirigentes de centros e grupos espíritas fazem o que podem, servindo-se dos recursos naturais da prece, do passe e das sessões mediúnicas. Dos resultados positivos obtidos no passado, não obstante as campanhas difamatórias, perseguições e processos criminais movidos contra os médiuns, nasceram os Hospitais Psiquiátricos Espíritas, hoje em grande número em nosso país e geralmente bem aparelhados e dotados de assistência médica especializada. Só no Estado de São Paulo funcionam atualmente mais de trinta hospitais espíritas reunidos numa Federação Hospitalar de que o Governo do Estado se serviu para aliviar o Juqueri, Hospital Franco da Rocha, numa das suas crises mais ameaçadoras. Os espíritas sentem-se na obrigação de atender a esses casos, sempre que possível, por considerarem que eles são mais espirituais do que materiais, de maneira que o tratamento médico é geralmente insuficiente para curá-los. Fiéis aos princípios de caridade e fraternidade da Doutrina, esforçam-se por dar a sua ajuda desinteressada em favor dos sofredores.
Essa intenção piedosa, humanitária, foi constantemente denegrida por médicos e clérigos desconhecedores do problema. A luta foi sempre árdua e até mesmo desesperadora para os espíritas, num país em que a maioria da população é pobre e desprovida de cultura, prevalecendo sempre as opiniões dos doutores e dos sacerdotes, os primeiros apoiados em sua formação científica e acadêmica, e os segundos em sua falível cultura religiosa, mais de sacristia do que se seminário. Essas duas classes gozavam amplamente da autoridade de saberetas num meio social de analfabetos e bacharéis em direito. Os espíritas que mais se destacavam por seus conhecimentos doutrinários não haviam sequer compreendido os fundamentos científicos do Espiritismo e os encaravam misteriosa e até mesmo cabalisticamente. Os adversários não encontravam dificuldades para misturá-los, aos olhos do público, com possíveis remanescentes da Goécia ou magia-negra medieval. Padres, bacharéis e juristas pintaram o chamado demonismo-espírita à moda do tempo, com rabo, chifres e a foice e o martelo do ateísmo pendurados no pescoço.
Quando os espíritas de Amparo resolveram fundar naquela cidade um Sanatório Espírita para doentes mentais, ilustre, jovem e fogoso médico e intelectual paulista explicou pelos jornais da época, nos anos 40, que os espíritas fundavam esses hospitais por dor de consciência, pois fabricavam loucos e depois queriam reabilitá-los. Foi necessário que um jornalista espírita o revidasse, mostrando que o motivo não era esse, mas o fato evidente da falência da medicina que, no desconhecimento do problema, enchia diariamente os caldeirões do diabo no Juqueri com pobres criaturas desprotegidas da ciência e da religião. O mestre implume, não podendo voar mais alto, teve de calar o bico. Logo mais, o médium Arigó, que por sinal ainda era católico e fazia milagres ao invés de produzir fenômenos, foi atacado brutalmente por uma série de artigos publicados em jornal de grande circulação por um médico que não chegara a ver o médium e diagnosticava à distância a sua loucura, e por famoso professor universitário que o apoiava, alegando que Arigó operava sob a ação alucinatória do café, que bebia em excesso. Os cientistas norte-americanos salvaram o médium já então condenado à prisão, vindo a São Paulo e expondo, no auditório do Museu de Arte Moderna, perante convidados ilustres, os motivos científicos de seu interesse pelo médium. Apesar disso, Arigó acabou sendo preso e só foi libertado por uma decisão do Supremo Tribunal, ante o prestígio dos nomes dos cientistas, pertencentes a famosas Universidades dos Estados Unidos, cujos pareceres foram divulgados nos Diários Associados e em todo o Brasil. Mas isso não impediu que o Padre Quevedo prosseguisse com suas arruaças contra o médium e o Espiritismo, no bom estilo de toureiro que, de capa e espada, desafiava as aspas da verdade na imprensa e na televisão com rendosa propaganda gratuita de seus cursos de pseudoparapsicologia made in Madri.
A moda pegou e o Brasil se encheu de pseudoparapsicólogos que brotavam do chão como as heresias no tempo de Tertuliano. Ainda hoje continua a floração desses cogumelos por todo o país. Cursos e escolas semeiam diplomas da Ciência de Rhine e McDougal à margem da lei e das áreas educacionais oficialmente autorizadas. Esse panorama surrealista é responsável pelo atraso em que nos defrontamos no campo dos estudos e das pesquisas dos fenômenos paranormais no Brasil. O Instituto Paulista de Parapsicologia, fundado por Cientistas, Médicos, Psicólogos, estudantes de Medicina (atualmente já médicos famosos) não vingou, ante a avalanche de aproveitadores que o invadiram, levando seus diretores a fechá-lo, por esse motivo e pelo total desinteresse das nossas Universidades, temerosas do pandemônio que se avolumava. Tivemos de voltar à estaca-zero. Ninguém, nem mesmo os governos, tiveram coragem de pôr a mão na cumbuca, proporcionando recursos ao Instituto para a montagem de seu laboratório. Nas vésperas da Era Cósmica, preferimos o gesto cômico, supinamente burlesco, de lavar as mãos na bacia de Pilatos e deixar o problema no campo da charlatanice.
Os espíritas continuam, num clima de maiores esperanças mundiais nesse terreno, com o avanço espantoso das pesquisas parapsicológicas nos Estados Unidos e na URSS, a socorrer no Brasil as vítimas de perturbações mentais e psíquicas, em seus centros de trabalho permanente e gratuito. A eficácia de seus métodos simples, desprovidos dos recursos tecnológicos da atualidade, são evidentes, mas não constam de comprovações estatísticas. Não há recursos nem tempo para o luxo das avaliações estatísticas. Mas a verdade salta aos olhos, brilha nos lares beneficiados por dedicações anônimas. Já é tempo de acordarmos para a constatação desse fato. O Brasil avançou culturalmente entre os anos 30 e 60, com a descentralização do ensino superior e a criação de Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras por toda a sua extensão. Nem mesmo o interregno das agitações políticas e militares conseguiu perturbar esse desenvolvimento. Demos a prova decisiva da nossa preferência pela paz, a ordem e o progresso. Mas o meio espírita, infenso às agitações e inquietações políticas, deixou-se embalar pelas canções de ninar das mensagens mediúnicas piedosas, dos relatos curiosos da vida após a morte, nas pregações mediúnicas incessantes sobre a caridade, a humildade, o amor ao próximo, a moral evangélica, a preparação de todos para a migração a mundos superiores e assim por diante. Desenvolveu-se um curioso processo de alienação religiosa que nem mesmo nas sacristias se processava. Surgiram, além das fascinações do tipo roustainguista (intencionalmente retrógradas) correntes pseudo-espíritas de mentalismo e esoterismo pretensiosos, agrupamentos de fiéis acarneirados em torno de pseudomestres dotados de sabedoria infusa e arrogante, como a dos teólogos das igrejas, resquícios assustadores de pretensões divinistas e divinatórias, correntes alienantes de um formalismo beócio, pregando o aperfeiçoamento formal das atitudes e do comportamento humanos, com processos de impostação da voz e de gesticulações pré-fabricadas, e até mesmo (Deus nos acuda) tentativas de criação do celibato espírita e imposição da abstinência sexual aos casados.
Toda essa floração de cogumelos venenosos, vinda evidentemente das raízes da Patrística, redundava na volta ao farisaísmo e às suas consequências no meio patrístico da era pós-apostólica, que tanto enfurecia o Apóstolo Paulo. Pouco faltava para que a proposta de Tertuliano, de recorrer-se à figura jurídica do usucapião, fosse aplicada ao Evangelho. Formava-se e ainda se tenta formar, no meio espírita, uma estrutura totalitária de poder e arbítrio, com uma disciplina legal asfixiando a liberdade espírita. Ao mesmo tempo, a terapia espírita, nascida humildemente da prece e da imposição das mãos aos doentes, segundo o ensino e o exemplo de Jesus, era transformada em ritos complicados e pretensiosos, aplicados por médiuns diplomados pelas Federações. Até mesmo as práticas do confessionário foram estabelecidas em várias instituições, a partir do manda-chuva, que agia com rigorosa disciplina paramilitar. O escândalo da adulteração das obras fundamentais da doutrina, declaradamente inspiradas pelo sucesso das adulterações da Bíblia pelas igrejas cristãs, produziu felizmente o estouro do tumor. Alguém tivera a coragem de usar o bisturi na hora precisa, mostrando a profundidade do processo infeccioso, definindo e localizando os focos da infecção na corroída e orgulhosa estrutura do movimento espírita.
Restabelecia-se a verdade e reanimava-se o corpo doente e minado pelas trevas. As áreas não contaminadas pela infecção reagiam de todos os lados e os vencidos pela fascinação começavam a sentir os primeiros abalos da consciência. Encerrava-se o ciclo perigoso das infiltrações malignas e os que não haviam cedido ao autoritarismo dos falsos mestres e mentores experimentavam a alegria da volta ao bom-senso kardeciano.
A terapia espírita começava lentamente a recuperar-se em sua simplicidade e pureza. O prestígio do passe espírita, desprovido de encenações espúrias e pretensiosas, restabelecia-se nos grupos não contaminados. Jesus aplacara o temporal como num gesto de piedade. O farisaísmo tem suas raízes nas entranhas animais do homem, de onde brotam os instintos primitivos, perturbando a mente e envenenando o coração. Os cristãos primitivos foram levados à loucura de se julgarem puros e santos, como vemos nas epístolas ardentes de Paulo, reprimindo os núcleos desvairados. No meio espírita domesticado por incessantes mensagens padrescas, algumas instituições doutrinárias chegaram a proclamar-se donas exclusivas da verdade. Um enviado dos anjos fez-se oráculo dos novos tempos (por conta própria) e a autodenominada Casa-Máter do Espiritismo no Brasil ampliou a sua orgulhosa e falsa pretensão, cortando do seu título autoconcedido a expressão “do Brasil”, tornando-se, com essa simples operação, a Casa-Máter do Espiritismo no Mundo. Com essa manobra as trevas cortavam a possibilidade de uma estruturação mundial do movimento espírita[i]. O movimento brasileiro fechava-se a si mesmo e poderia restabelecer entre nós o Templo de Jerusalém com seu rabinato exclusivista. A reação de André Dumas, na França, da Confederação Espírita Pan-americana da Argentina, da própria Federação Argentina, da Venezuela e de intelectuais espíritas como Humberto Mariotti, Robert Fourcade e outros mostrou o alcance dessa manobra. Que esse triste exemplo dos descaminhos a que o farisaísmo pode levar-nos sirva para acordar o bom-senso dos desprevenidos. A terapia espírita não terá eficácia se não pudermos aplicá-la a nós mesmos e ao nosso movimento doutrinário. Sem uma base de convicção firme e de fidelidade à obra de Kardec não poderemos curar-nos a nós mesmos, quanto mais aos outros.
Repassando...

Herculano Pires

Ciência Espírita e suas implicações terapêuticas


[i] Ocorreram alterações no cenário internacional. Em 1992, com efetivo apoio da Federação Espírita Brasileira, foi fundado o Conselho Espírita Internacional. (Nota da Editora.)

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