Nos capítulos precedentes demonstramos a necessidade da ideia
de Deus. Ela se afirma e se impõe, fora e acima de todos os sistemas, de todas
as filosofias, de todas as crenças. É também livre de todo o liame com qualquer
religião, a cujo estudo nos entreguemos, na independência absoluta de nosso
pensamento e de nossa consciência.
Deus é maior que todas as teorias e todos os sistemas.
Eis a razão por que não pode Ele ser atingido, nem minorado pelos erros e
faltas que os homens têm cometido em seu nome.
Deus é soberano a tudo.
O Ser divino escapa a toda a denominação e a qualquer medida,
e se lhe chamamos Deus é por falta de um nome maior, assim o disse Victor Hugo.
A questão de Deus é o mais grave de todos os problemas suspensos
sobre nossas cabeças e cuja solução se liga, de maneira estrita, imperiosa, ao
problema do ser humano e de seu destino, ao problema da vida individual e da
vida social.
O conhecimento da verdade sobre Deus, sobre o mundo e a vida
é o que há de mais essencial, de mais necessário, porque é Ele que nos
sustenta, nos inspira e nos dirige, mesmo à nossa revelia. E essa verdade não é
inacessível, como veremos; é simples e clara; está ao alcance de todos. Basta
procurá-la, sem preconceitos, sem reservas, ao lado da consciência e da razão.
Não lembraremos aqui as teorias e os sistemas inúmeros
que as religiões e as escolas filosóficas arquitetaram através dos séculos.
Pouco nos importam hoje as controvérsias, as cóleras, as agitações vãs do
passado.
Para elucidar tal assunto, temos agora recursos mais
elevados que os do pensamento humano; temos o ensino daqueles que deixaram a
Terra, a apreciação das Almas que, tendo franqueado o túmulo, nos fazem ouvir,
do fundo do mundo invisível, seus conselhos, seus apelos, suas exortações.
Verdade é que nem todos os Espíritos são igualmente aptos
a tratar dessas questões. Acontece com os Espíritos de Além-Túmulo o mesmo que
com os homens. Nem todos estão igualmente desenvolvidos; não chegaram todos ao
mesmo grau de evolução. Daí as contradições, as diferenças de vistas. Acima,
porém, da multidão das Almas obscuras, ignorantes, atrasadas, há Espíritos
eminentes, descidos das altas esferas para esclarecer e guiar a Humanidade.
Ora, que dizem esses Espíritos sobre a questão de Deus?
A existência da Potência Suprema é afirmada por todos os
Espíritos elevados. Aqueles, dentre nós, que têm estudado o Espiritismo
filosófico sabem que todos os grandes Espíritos, todos aqueles cujos
ensinamentos têm reconfortado as nossas almas, mitigado nossas misérias,
sustentado nossos desfalecimentos, são unânimes em afirmar, em repetir, em
reconhecer a alta Inteligência que governa os seres e os mundos. Eles dizem que
essa Inteligência se revela mais brilhante e mais sublime à medida que se
escalam os degraus da vida espiritual.
O mesmo se dá com os escritores e filósofos espíritas,
desde Allan Kardec até nossos dias. Todos afirmam a existência de uma causa
eterna no Universo.
“Não há efeito sem
causa – disse Allan Kardec – e todo
efeito inteligente tem forçosamente uma causa Inteligente.” Eis o princípio
sobre o qual repousa o Espiritismo. Esse princípio, quando o aplicamos às
manifestações de Além-Túmulo, demonstra a existência dos Espíritos. Aplicado ao
estudo do mundo e das leis universais, demonstra a existência de uma causa
inteligente no Universo. Eis por que a existência de Deus constitui um dos
pontos essenciais do ensino espírita. Acrescento que é inseparável do resto
desse ensino, porque, neste último, tudo se liga, tudo se coordena e se encadeia.
Que não nos falem de dogmas! O Espiritismo não os comporta. Ele nada impõe;
ensina. Todo ensino tem seus princípios. A ideia de Deus é um dos princípios
fundamentais do Espiritismo.
Dizem-nos frequentemente: – “Para que nos ocuparmos
dessa questão de Deus? A existência de Deus não pode ser provada!” Ou
ainda: – “A existência de Deus ou sua não existência é sem predomínio
sobre a vida das massas e da Humanidade. Ocupemo-nos de alguma coisa mais
prática; não percamos nosso tempo em dissertações vãs, em discussões
metafísicas.” Pois bem! Em que pese àqueles que mantêm essa linguagem,
repetirei que é questão vital por excelência; responderei que o homem não se
pode desinteressar dela, porque o homem é um ser. O homem vive e importa-lhe
saber qual é a fonte, qual é a causa, qual é a lei da vida. A opinião que tem
sobre a causa, sobre a lei do Universo, quer queira ou não, quer saiba ou não,
se reflete em seus atos, em toda a sua vida pública ou particular.
Qualquer que seja a ignorância do homem no que respeita
às leis superiores, na realidade – e segundo a ideia que forma dessas
leis, por mais vaga e confusa que possa ser tal concepção – é de
conformidade com essa ideia que a criatura age. Desta opinião – sobre
Deus, sobre o mundo e sobre a vida (notais que esses três assuntos são
inseparáveis) –, as sociedades humanas vivem ou morrem! É ela que divide a
Humanidade em dois campos.
Por toda parte veem-se famílias em desacordo, em desunião
intelectual, porque há muitos sistemas acerca de Deus: o padre inculca um à
mulher; o professor ensina outro ao homem, quando não lhe sugere a ideia
do Nada.
Essas polêmicas e essas contradições explicam-se,
entretanto. Têm sua razão de ser. Devemo-nos lembrar que nem todas as inteligências
chegaram ao mesmo ponto de evolução; que nem todos podem ver e compreender de
igual modo e no mesmo sentido. Daí, tantas opiniões e crenças diversas.
A possibilidade que temos de compreender, de julgar e de
discernir só se desenvolve lentamente, de séculos em séculos, de existências em
existências. Nosso conhecimento e nossa compreensão das coisas se completam e
se tornam claros à medida que nos elevamos na escala imensa dos renascimentos.
Todos sabem que alguém, colocado ao pé da montanha, não pode descortinar o mesmo
panorama aberto ao que já chegou ao vértice; mas, prosseguindo sua ascensão, um
chegará a ver as mesmas coisas que o outro. O mesmo acontece com o Espírito em
sua ascensão gradual. O Universo não se revela senão pouco a pouco, à medida
que a capacidade de lhe compreender as leis se desenvolve e engrandece no indivíduo.
Daí vem o sistema, as escolas filosóficas e religiosas,
que correspondem aos diversos graus de adiantamento dos Espíritos que nuns e
noutros se fiam e, muitas vezes, aí se insulam.
Léon
Denis: Livro: O Grande Enigma
Repassando...
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