Em todo homem vive um
espírito.
Por espírito deve-se
entender a alma revestida de seu envoltório fluídico, que tem a forma do corpo
físico e participa da imortalidade da alma, do qual é inseparável.
Da essência da alma apenas
sabemos uma coisa: que, sendo indivisível, é imperecível. A alma se revela por
seus pensamentos, e também por seus atos; para que se possa, porém, agir e nos
impressionar os sentidos físicos, preciso lhe é um intermediário semimaterial,
sem o qual nos pareceria incompreensível a sua ação. É o períspirito, nome dado
ao invólucro fluídico, imponderável, invisível. Em sua intervenção é que se
pode encontrar a chave explicativa dos fenômenos espíritas.
O corpo fluídico, que possui
o homem, é o transmissor de nossas impressões, sensações e lembranças. Anterior
à vida atual, inacessível à destruição pela morte, é o admirável instrumento
que para si mesma a alma constrói e que aperfeiçoa através dos tempos; é o
resultado de seu longo passado. Nele se conservam os instintos, se acumulam as
forças, se fixam as aquisições de nossas múltiplas existências, os frutos de
nossa lenta e penosa evolução.
A substância do períspirito
é extremamente sutil, é a matéria em seu estado mais quintessenciado, é mais
rarefeita que o éter; suas vibrações, seus movimentos, ultrapassam em rapidez e
penetração os das mais ativas substâncias. Daí a facilidade de os Espíritos atravessarem
os corpos opacos, os obstáculos materiais e transporem consideráveis distâncias
com a rapidez do pensamento.[i]
Insensível às causas de
desagregação e destruição que afetam o corpo físico, o períspirito assegura a
estabilidade da vida em meio da contínua renovação das células. É o modelo
invisível através do qual passam e se sucedem as partículas orgânicas,
obedecendo a linhas de força, cuja reunião constitui esse desenho, esse plano
imutável, reconhecido por Claude Bernard como necessário para manter a forma
humana em meio às constantes modificações e à renovação dos átomos.
A alma se desliga do
envoltório carnal durante o sono, como depois da morte. A forma fluídica pode
então ser percebida pelos videntes, nos casos de aparição de pessoas falecidas
ou de exteriorização de vivos. Durante a vida normal, essa forma se revela, por
suas irradiações, nos fenômenos em que a sensibilidade e a motricidade se
exercem à distância. No estado de desprendimento durante o sono, o Espírito atua
às vezes sobre a matéria e produz ruídos e deslocamento de objetos.
Manifesta-se finalmente, depois da morte, em graus diversos de condensação, nas
materializações parciais ou totais, nas fotografias e nos moldes, até a ponto
de reproduzir certas deformidades.[ii]
O períspirito – todos
esses fatos o demonstram – é o organismo fluídico completo; é ele
que, durante a vida terrestre, pelo grupamento das células, ou no espaço, com o
auxílio da força psíquica que absorve nos médiuns, constitui, sobre um plano determinado,
as formas duradouras ou efêmeras da vida. É ele, e não o corpo material, que
representa o tipo primordial e persistente da forma humana.[iii]
O Sr. H. Durville,
secretário-geral do Instituto Magnético, fez experiências muito demonstrativas
em tal sentido, as quais evidenciam que os fenômenos de exteriorização são
manifestações do duplo que, desprendido do corpo material pela ação magnética,
percebe todas as impressões, as transforma em sensações e as transmite ao corpo
físico mediante o cordão fluídico pelo qual se acham ligados, até à morte,
esses dois corpos.[iv]
Com um sensitivo adormecido,
cujo duplo exteriorizado fora separado do corpo material e transportado para um
outro aposento, foram feitas as seguintes experiências relativamente à vista,
audição, olfato, paladar e tato:
É lido pelo duplo um artigo
de jornal e repetido pelo sensitivo adormecido na sala contígua. Do mesmo modo,
objetos e pessoas são percebidos pelo duplo à distância e descritos pelo
sensitivo.
O duplo ouve o tique-taque
de um relógio, bem como palavras ao pé dele proferidas em voz baixa; sente o
cheiro de amônia contida num vidro, como sente outros odores ou perfumes:
aloés, açúcar, sulfato de quinina, laranja, etc., e transmite ao corpo essas
diferentes sensações gustativas.
A propósito do tato,
finalmente, assim se exprime o Sr. Durville:
“É sabido que quase todos os
sensitivos magneticamente adormecidos são insensíveis, mas ninguém sabe onde se
refugia a sensibilidade. Quando o sensitivo está exteriorizado, a sensibilidade
irradia sempre em torno dele. Uma queimadura produzida, ou um beliscão, uma
punção, aplicados nas zonas sensíveis, despertam uma dor intensa no sensitivo,
que, entretanto, nada absolutamente percebe quando se lhe fricciona o corpo. O
mesmo sucede no desdobramento. O sensitivo não percebe as punções nem as
beliscaduras aplicadas no corpo físico, mas experimenta uma sensação
desagradável e mesmo dolorosa quando é atingido o duplo ou o cordão que o liga
àquele. Esse fenômeno se verifica em todas as sessões e com todos os
sensitivos, sem exceção alguma.”
A forma humana, dizem os
invisíveis, é a de todos os Espíritos encarnados ou desencarnados que vivem no
Universo. Essa forma, porém, rígida e compacta no corpo físico, é flexível,
compressível à vontade, no períspirito. Presta-se, dentro de certos limites, às
exigências do Espírito e lhe permite no Espaço, conforme a extensão do seu
poder, tomar as aparências, reproduzir os hábitos que lhe foram pessoais no
passado, com os atributos próprios que o fazem reconhecer. Observa-se isso
muitas vezes nos casos de aparições. A vontade é criadora; sua ação sobre os
fluidos é considerável. O Espírito adiantado pode submeter a matéria sutil a
inúmeras metamorfoses.
*
O períspirito é um foco de
energias. A força magnética, por certos homens projetada em abundância, e que
pode, de perto ou de longe, fazer sentir sua influência, aliviar e curar, é uma
de suas propriedades. Nele tem sua sede a força psíquica indispensável à
produção dos fenômenos espíritas.
O corpo fluídico não é somente
um receptáculo de forças; é também o registro vivo em que se imprimem as
imagens e lembranças: sensações, impressões e fatos, tudo aí se grava e fixa.
Quando são muito fracas as condições de intensidade e duração, as impressões
quase não atingem a nossa consciência; nem por isso deixam de ser registradas
no períspirito, em que permanecem latentes. O mesmo se dá com os fatos relativos
às nossas anteriores existências. Ao ser psíquico, imerso no estado de
sonambulismo, desprendido parcialmente do corpo, é possível apreender-lhes o
encadeamento. Assim se explica o fenômeno da memória.
As vibrações do períspirito
se reduzem sob a pressão da carne; readquirem sua amplitude logo que o Espírito
se desprende da matéria e reassume a liberdade. Sob a intensidade dessas
vibrações, as impressões acumuladas no períspirito ressurgem. Quanto mais
completo é o desprendimento, mais se dilata o campo da memória; as mais remotas
lembranças reaparecem. O indivíduo pode reviver suas passadas vidas; assim
temos verificado muitas vezes em nossas experiências. Pessoas imersas, por uma
influência oculta, no estado sonambúlico, reproduziam os sentimentos, as ideias,
os atos deslembrados de sua existência atual, de sua primeira juventude; reviviam
mesmo cenas de suas anteriores existências, com a linguagem, as atitudes e as
opiniões da época e do meio.
Parece, em casos tais, que
se apresenta uma personalidade diferente, que uma outra individualidade se
revela. Esses fenômenos, mal observados por certos experimentadores, deram
origem à teoria das personalidades múltiplas coexistentes em um mesmo
invólucro, tendo cada uma delas seu caráter e recordações próprias. Nessa
teoria se vem enxertar a da consciência subliminal ou do inconsciente superior.
A verdade é que é sempre a mesma individualidade que intervém sob os diferentes
aspectos por ela revestidos através dos séculos e agora reconstituídos com
tanto maior intensidade quanto mais enérgica é a influência magnética e mais
enfraquecidos se acham os laços corporais. Certas experiências o demonstram: as
do professor Flournoy, por exemplo, com a médium Helena Smith, que se
transporta, no estado de transe, a uma de suas existências, no século XII
verificada na Índia,[v]
e as de Esteva Marata e outros experimentadores espanhóis com médiuns sonambulizados,[vi]
às quais convém acrescentar os estudos mais recentes e extensos do Coronel A.
De Rochas.[vii]
*
O grau de pureza de sua
forma fluídica atesta a riqueza ou a indigência da alma. Etérea, radiosa, pode
elevar-se até às esferas divinas, penetrar-se das mais sublimes harmonias;
opaca, tenebrosa, precipita-se nas regiões inferiores e nos arrasta aos mundos
de luta e sofrimento.
Por seu espírito, imerge o
homem no que de mais baixo possui a Natureza e insere suas raízes na
animalidade; por ele também gravita para os mundos luminosos em que vivem as
almas angélicas, os Espíritos puros.
O nosso estado psíquico é
obra nossa. O grau de percepção, de compreensão, que possuímos, é o fruto de
nossos esforços prolongados. Fomos nós que o fizemos ao percorrer o ciclo
imenso de sucessivas existências. O nosso invólucro fluídico, sutil ou grosseiro,
radiante ou obscuro, representa o nosso valor exato e a soma de nossas
aquisições. Os nossos atos e pensamentos pertinazes, a tensão de nossa vontade
em determinado sentido, todas as volições do nosso ser mental, repercutem no períspirito
e, conforme a sua natureza, inferior ou elevada, generosa ou vil, assim
dilatam, purificam ou tornam grosseira a sua substância. Daí resulta que, pela
constante orientação de nossas ideias e aspirações, de nossos apetites e
procedimentos em um sentido ou noutro, pouco a pouco fabricamos um envoltório
sutil, recamado de belas e nobres imagens, acessível às mais delicadas
sensações, ou um sombrio domicílio, uma lôbrega prisão, em que, depois da
morte, a alma restringida em suas percepções se encontra sepultada como num
túmulo. Assim cria o homem para si mesmo o bem ou o mal, a alegria ou o
sofrimento. Dia a dia, lentamente, edifica ele seu destino. Em si mesmo está gravada
sua obra, visível para todos no Além. É por esse admirável mecanismo das
coisas, simples e grandioso ao mesmo tempo, que se executa, nos seres e no
mundo, a lei de causalidade ou de conseqüência dos atos, que outra coisa não é
senão o cumprimento da justiça.
E, por um efeito das mesmas
causas, já desde esta vida o homem atrai as influências do Espaço, as
irradiações etéreas ou os grosseiros eflúvios dos Espíritos de violência ou de
desordem. Aí está a regra das manifestações espíritas; não é outra senão a
própria lei das atrações e afinidades. Conforme o grau de sutileza de nosso
invólucro e a intensidade de suas irradiações, podemos, nos momentos de êxtase
e desprendimento – o que para alguns é mesmo possível no recolhimento
e na meditação –, entrar em relação com o mundo invisível, perceber os
ecos, receber as inspirações, entrever os esplendores das esferas celestes, ou,
doutro modo, experimentar a influência dos Espíritos de trevas.
Léon Denis
No Invisível
[i] Ver Gabriel Delanne, “A Alma é
Imortal”, 1ª Parte; “A Evolução Anímica”; “Les Fantómes dez Vivants”.
[ii] Ver Aksakof, “Animismo e
Espiritismo”, cap. I, A.
[iii] O perispírito, ou corpo sutil, era
conhecido dos antigos. Os padres da Igreja afirmam a sua existência. Ver Léon
Denis, “Cristianismo e Espiritismo”, Nota complementar nº 9.
[iv] Ver H. Durville, “O Fantasma dos
Vivos”, 1º volume. Livraria do Magnetismo, 1910. Ver também “Annales des Sciences Psychiques”,
abril de 1908.
[v] Ver
“Dez Indes à la planète Mars”, por Th. Flournoy. professor de Psicologia
na Universidade de Genebra, passim.
[vi] Ver a “Resenha do Congresso
Espírita”, de 1900, página 349.
[vii] Ver Léon Denis, “O Problema do Ser,
do Destino e da Dor”, cap. XIV.
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