Fevereiro de 1917
O Espiritismo não é
inimigo das religiões; ao contrário, fornece-lhe poderosos elementos de valor e
de regeneração.
Os conhecimentos que ele
nos proporciona sobre a vida no Além e as condições em que se desenvolve a
existência após a morte, a certeza de leis justas e equitativas regendo o mundo
invisível, formam outros tantos meios de análise e exame crítico, permitindo
separar, nas religiões, o que é artificial e ilusório do que é real e imperecível.
Não há dúvida de que os
fenômenos do Espiritismo se encontram na origem de todas as religiões, porém
estas lhes emprestam um caráter sobrenatural e milagroso, transferindo-os para
um passado remoto e fazendo-os perder toda a importância sobre a vida moral e
social.
O intercâmbio com o
invisível era apenas hipótese, uma vaga esperança; com o Espiritismo, torna-se
certo e permanente.
Estamos vivendo uma das
maiores épocas de transição da História. Os fatos que se estão desenrolando, as
cruentas lutas dos povos e as subversões sociais são o começo, a preparação de
uma nova ordem de coisas.
Quando terminar a
guerra, a mente humana analisará todos os seus aspectos e procederá a um exame
profundo de todas as forças que agiram no decorrer desses trágicos anos. Então
comprovaremos que são as ideias que conduzem o mundo. O patriotismo, ao unir os
corações dos franceses, conteve a invasão, limitando seus estragos.
O amor pela terra natal
acordou o heroísmo que, apoiado pelos auxílios poderosos do mundo oculto,
salvou a França.
Por isso a ideia de
pátria terá que ocupar um lugar especial no ensino da educação popular.
Entretanto, isso não será o bastante: para terminar com nossas desavenças,
nossas rivalidades, lutas de classes e de interesses é preciso, antes de tudo,
unir inteligências e consciências, pois sem a harmonia das almas não poderá
haver a harmonia social.
Todavia, como se poderá
preparar tal união? Trabalhe-se com ardor, com espírito de tolerância e concórdia,
para aproximar os objetivos, as aspirações e as crenças. Dois poderosos meios
se apresentam: A ciência e a fé.
Antagônicos na
aparência, essas tendências se conciliam e se completam mutuamente, como
veremos no decurso deste livro. Elas podem fornecer facilmente uma concepção da
vida e do destino, uma noção das leis superiores e uma base moral, coisas estas
que são indispensáveis à nossa perturbada sociedade e sem as quais a existência
seria vazia de sentido, sem finalidade e sem sanção.
*
Dentro de toda alma
humana há um retiro, um ponto secreto, onde se instala a centelha divina, a
parte do Infinito que garante a cada um de nós a indestrutibilidade do seu eu. Ali dormitam as forças invisíveis,
os recursos psíquicos cujo desenvolvimento fará, mais tarde, do ser mesquinho,
frágil e ignorante que somos no princípio de nossa evolução, um gênio preparado
para as grandes empresas e capaz de desempenhar um papel notável no Universo.
A verdadeira religião
consiste am utilizar esses recursos ocultos e valorizá-los. Ela tem que nos
ensinar a colocar o ser interior em comunhão com o divino, expandindo-o,
libertando-o de influências inferiores, fazendo-o adquirir a plenitude de sua
irradiação.
Conseguido esse estado
espiritual, a alma humana poderá realizar suas mais árduas missões e aceitar
com alegria as provações mais duras. Saberá conservar nos dias mais difíceis um
otimismo e uma confiança inquebrantáveis.
Esse estado de espírito
pode ser encontrado em todas as religiões, bem como fora delas. Atendo-se às
práticas rituais da liturgia e aos diversos dogmas existentes dentro dos
limites em que comumente se encontra a ideia religiosa, com frequência
esquece-se da fé independente que paira acima de todos os cultos e não se
sujeita a “credo” de nenhuma igreja.
Essa religião, pessoal e
livre, talvez conte com maior número de membros do que as religiões reconhecidas,
porém o número exato de seus adeptos foge a todo cálculo.
As descobertas
científicas nos deram uma concepção do Universo vasta e grandiosa, mas
diferente daquela possuída na Idade Média e na antiguidade.
A experimentação
psíquica e o estudo do mundo invisível abriram perspectivas ilimitadas para a
vida e para o destino do ser; o homem se sentiu ligado a todos os que pensam,
amam e sofrem, na imensidão dos espaços.
Os modelos das religiões
caducas se romperam com o impulso triunfante do espírito, sequioso para conquistar
sua legítima parte de verdade e de luz. Quase não existem intelectuais que não
tenham criado uma crença inspirada na observação direta da natureza, isenta das
rotinas seculares, baseada na ciência e na razão.
Os partidários dos
dogmas não pretendem ver nesse sentimento senão o que denominam ironicamente de
“religiosidade”. Realmente, ele possui em gérmen os elementos dessa religião
universal, simples e natural que haverá, um dia, de reunir todos os povos do
planeta e fundir as igrejas particulares, assim como os rios se fundem no
oceano.
Os atuais acontecimentos
repercutirão profundamente em todas as formas da atividade social e, assim que
a paz reinar novamente no mundo, haverá uma revisão de todas as causas que
contribuem para o progresso humano, não escapando as religiões a uma análise
crítica e rigorosa.
Os terríveis fatos que
estão acontecendo darão a medida que permitirá calcular o poder ou a fraqueza
moral das religiões.
Verificar-se-á, não sem
certo espanto, que a educação religiosa de povos que se intitulam cristãos,
como a Alemanha e a Áustria, nada conseguiu fazer para impedir os mais
condenáveis crimes que fazem a civilização se envergonhar.
Ver-se-á com tristeza
que, nessas horas cruéis, a Igreja Romana quase sempre colocou seus interesses
políticos acima das recomendações do Evangelho e dos sagrados direitos da
consciência. Não foram melhores os adeptos do Islamismo e foi mais clara do que
nunca a falência das religiões.
No início da guerra a
França foi sacudida por um grande movimento religioso e, após nossas primeiras
derrotas, as aspirações que moram no fundo de sua natureza lhe despertaram uma
necessidade de crença, de saber que a morte não equivale ao nada e que, acima
de tudo, existe um poder soberano, uma força inteligente e consciente, capaz de
nos amparar e socorrer na provação e fazer prevalecer a justiça em um mundo de
paixões descontroláveis.
Se tal sentimento
houvesse podido alcançar o ideal sonhado, seria o começo de uma renovação
nacional, todavia as soluções apresentadas pelas igrejas, as poucas consolações
que elas ofereciam aos corações dilacerados, as práticas ritualísticas impostas
aos seus fiéis já não satisfaziam às necessidades do tempo e do meio. Foram
julgadas insuficientes e assim, pouco a pouco, o movimento religioso se
enfraqueceu.
Todavia, o pensamento
segue firme, voltado para o Além. Diante do perigo e do dilúvio de sofrimentos
que nos ameaçam, no meio das ruínas e das mortes que se acumulam, a alma
francesa procura sempre uma base sólida, uma certeza onde apoiar a sua fé e só
as encontrará no moderno espiritualismo, o que equivale dizer no Espiritismo.
A religião do futuro se
apoiará na prova científica da sobrevivência, nas demonstrações experimentais e
no testemunho dos sábios que estudaram os problemas da vida invisível.
No decorrer desta
guerra, o antropomorfismo das religiões se apresentou em seu aspecto mais
monstruoso e o velho deus alemão não é mais do que uma evocação dos bárbaros
deuses do paganismo germânico. Sob a máscara cristã mal ajustada, Odin, que
comanda as cenas de carnificina, deixa entrever suas feições.
Essa noção da divindade
é muito próxima do mais baixo materialismo e repugna às almas delicadas e aos
espíritos refinados. Não se trata apenas das ações de um monarca ávido em dominar
o mundo e dos chefes militares que o rodeiam; essa concepção é também
encontrada nas obras dos pensadores alemães; professores, pastores e escritores
a proclamam abertamente em discursos e publicações.
Semelhante ao Jeová, do Antigo Testamento, o velho deus alemão
protege somente uma raça, vendo nas outras apenas um rebanho de povos vis e
corruptos, destinados à ruína e à morte.
Essa feroz mentalidade
faz dos alemães os pretensos instrumentos da vingança divina, impelindo-os a
uma obra de destruição que eles continuam metodicamente.
Essa grosseira mística
aproxima-se das teorias de Nietzsche, relativas ao super-homem, tão difundidas
na Alemanha, e podemos medir as funestas consequências de uma falsa religião
unida a uma não menos falsa filosofia.
É bom, sem dúvida, desenvolver
a vontade de poder, segundo a
expressão de Nietzsche, porém com a condição de se desenvolverem, ao mesmo
tempo, a consciência e as outras faculdades do espírito e do coração: a piedade
e a bondade, o respeito à verdade, ao direito e à justiça. Sem isto se rompe
todo o equilíbrio moral no ser humano e só se logrará produzir homens orgulhosos,
déspotas, monstros que, para triunfarem, não vacilarão no emprego de todos os
meios, mesmo os mais criminosos e odiosos.
Daí essa terrível luta
que se desenvolve em nossa volta, onde a Alemanha, em razão de seu feroz
egoísmo, se desacredita e se desonra aos olhos do mundo e da História.
2
Março de 1917
A ideia de Deus, em
nossa pátria obscurecida e alterada pelas religiões, apagou-se em muitas almas.
Já fazia muito tempo que
se formara na França uma corrente de incredulidade que minava, secretamente, os
alicerces da religião e até de toda a ordem social.
As horas trágicas
chegaram e, sob uma devastadora tempestade de ferro e de fogo, a França
conheceu a necessidade de um ideal nobre e de uma força moral que torne
possível olhar a morte frente a frente, suportando, sem vacilações, todos os
golpes da adversidade. A proximidade do perigo impôs mesmo para os mais
frívolos, uma gravidade concentrada e muitos pensamentos se voltaram para o
Além.
Tudo isso parecia ser
outros tantos indícios de renovação espiritual. Do fundo do abismo de sofrimentos
em que caímos, um grito de súplica se eleva para o céu; aspirações ascendem
para as formas religiosas mais altas e mais puras, proporcionando ao homem
meios eficientes, capazes de desenvolver nele o que existe de imortal e divino.
As ideias do passado
poderão influir para essa recuperação, porém, já o afirmamos, na nova ciência,
enaltecida e espiritualizada, é que se encontrará a religião do futuro, os
princípios de sua crença e os elementos de convicção, porque a religião e a
ciência não são antagônicas, exceto quando as consideramos em seus aspectos
inferiores. Elas se identificam e se fundem em sua diretriz fundamental, em seu
objetivo maior, que são o conhecimento do Universo e a comunhão íntima com a
causa de todas as coisas: Deus!
Talvez, em sua evolução,
a religião enfraqueça em seu caráter coletivo, mas se fortalecerá em cada um de
nós pelo desenvolvimento do conhecimento e da consciência individuais.
É bastante dirigirmos um
olhar de conjunto ao Universo, para nos encontrarmos em presença de leis majestosas,
que dominam os seres e as coisas sob a ação de um soberano poder. Ora, não
existe lei alguma sem uma mente que a crie e sem uma vontade que zele pelo seu
cumprimento.
Nas silenciosas
vastidões do abismo da vida onde gravitam os mundos uma Inteligência preside à
ascensão das almas e a eterna harmonia do cosmo.[i]
As anomalias e as
contradições que muitos creem descobrir no estudo do Universo nascem
simplesmente da pobreza de suas observações. Nossos grosseiros sentidos, mesmo
ajudados pelos instrumentos que a tecnologia nos oferta, não nos podem dar
senão uma pálida ideia do conjunto das coisas.
Nossa ignorância sobre o
mundo invisível ainda ajuda a enfraquecer nossos julgamentos e somente a revelação
dos espíritos vem, oportunamente, preencher as principais lacunas do nosso
entendimento, mostrando-nos, por exemplo, que as leis morais e as leis físicas
se inter-relacionam e se fundem em um todo harmônico, o mesmo ocorrendo com a ideia
de Deus que se aperfeiçoa e se engrandece.
Para o espírito que
abandona as formas materiais e os limites dos cultos, Deus já não é um ser
antropomórfico, isto é, o homem divinizado de que nos falam os livros sagrados
e as crenças de idades antigas.
Não! Deus é pura
essência, é um princípio e uma meta, uma causa e um fim.
Os espíritos bastante
evoluídos para o poderem contemplar (e, neste caso, só conheço um), descrevem-no
como um imenso foco de luz, cujo brilho e esplendor quase não se pode suportar
e de onde partem as vibrações poderosas que animam o Universo inteiro.
Dele resulta uma
impressão majestosa, mesclada por eflúvios de amor que penetram e comovem a quantos
se aproximem dele.
Com as asas do
pensamento e da oração, no recolhimento dos sentidos, qualquer alma pode comunicar-se
com esse foco eterno e sentir suas irradiações. Todos os impulsos do pensamento
religioso se permutam em contemplação e em êxtase, quando chegam a tais
alturas.
Realmente, em seu começo
e em seu nobre fim, todas as crenças estão irmanadas e convergem para um único
ponto.
Assim como a fonte
límpida e o regato murmurante vão, finalmente, reunir-se no mar imenso, também
o Bramanismo, o Budismo, o Cristianismo, o Judaísmo, o Islamismo e seus
derivados, em suas mais nobres e puras formas, poderiam fundir-se numa vasta
síntese e suas orações, unindo-se às harmonias do mundo, se transformariam em
um hino universal de adoração e de amor!
Inspirado nesse
sentimento de ecletismo espiritualista, muitas vezes me aconteceu juntar-me às
orações de irmãos de outras religiões, sem me agarrar às fórmulas usadas em
semelhantes meios, podendo orar com fervor, tanto nas grandes catedrais
góticas, como nos templos protestantes, nas sinagogas ou mesmo nas mesquitas.
No entanto, minha oração
consegue maior impulso e ardor à beira do mar, quando o embala o ritmo das
ondas, assim como nos altos cumes, ante o panorama das planícies e dos montes,
ou sob o domo imponente das florestas ou, à noite, sob a abóbada estrelada do
firmamento, porque a natureza é o único templo verdadeiramente digno do Eterno.
*
A necessidade, existente
em cada um de nós, de criar-se um meio interior onde a alma possa encontrar
refúgio contra as preocupações exteriores, contra os cuidados materiais, fortalecendo-se
e voltando a tomar contato com a pura essência de onde ela provém, é uma das
condições indispensáveis da vida moral.
No momento em que a
idade e as doenças me privam dos grandes espetáculos da natureza, construí, por
minha vontade, um templo interior onde meu pensamento se alegra em ficar, nos
momentos de calma e de isolamento, para render culto aos nobres espíritos cujo
gênio revelador aclarou, com sua luz, os caminhos da humanidade.
Nesse templo interior,
por um esforço de minha imaginação, erigi as estátuas ideais, as imagens
augustas dos messias, dos profetas e dos filósofos mais merecedores de respeito
e admiração.
No meio do santuário
brilha o símbolo sagrado da Divindade, a quem, em primeiro lugar, minhas
adorações se dirigem. À sua direita, me aparece a grande figura do Cristo, meu
venerável mestre, e à esquerda os mestres asiáticos: Krishna, Buda, Lao-Tse e
Zoroastro, aos quais sucedem as estátuas dos filósofos gregos, desde Pitágoras
a Platão. Diante deles me alegro, recitando os maravilhosos versos da sabedoria
antiga.
Detrás do Cristo
aparecem os mais autorizados representantes da doutrina cristã e, junto deles,
repito para mim próprio o Sermão do Monte, que é o resumo e a essência do
próprio Cristianismo: “Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados”,
assim como os conceitos evangélicos reconhecidos como autênticos. Muito longe
fiquei de me esquecer do grupo dos druidas e dos bardos. À frente deles se
ergue a alta silhueta, a imponente figura de Taliésin e diante dele recito, com
muita alegria, As Tríades, que são um
maravilhoso monumento das tradições celtas, cuja ciência se iguala à profunda
sabedoria do Oriente.
Por último, após ele,
vem Allan Kardec, a quem considero continuador e renovador das grandes
tradições de nossa raça.
Suplico ao leitor que me
desculpe, prendendo-o com coisas tão pessoais, porém só lhe quis dar um exemplo
de que pode conseguir ensinamentos úteis e inspirações salutares. Realmente, em
minhas visitas costumeiras a esses grandes espíritos, nos exercícios que a
recordação deles provoca, isto é, no fato de recitar trechos de suas mais
célebres obras, sempre encontrei a serenidade e o reconforto para o espírito.
Não vejam, na
diversidade de suas concepções, qualquer contradição, porque sob suas formas
variadas, em cada uma delas encontramos o mesmo impulso, a mesma aspiração para
o bem e para a suprema beleza, que são outros tantos atributos de Deus, uma
irradiação divina.
De todo o conjunto se
desprende uma síntese magnífica que resume o pensamento de todo um mundo no que
ele possui de mais nobre e puro; síntese que narra, precisa e fecundamente, o
moderno espiritualismo, numa comunhão universal que um dia ligará todas as
consciências e todos os corações.
*
Lançando um olhar panorâmico
sobre a história dos tempos modernos, parece que uma das missões da França é
criar correntes de ideias pelo mundo.
Após dezoito séculos da
vinda do Cristo, a França despertou a noção de fraternidade que dormitava no
fundo das almas. Nenhuma outra nação trabalhou mais ardentemente para libertar
o pensamento dos grilhões seculares e assegurar os direitos da consciência. Ela
comunicou a chama de seu gênio a várias teorias humanitárias e sociais.
Na atual luta, o papel
da França cresceu mais ainda, porque arrisca sua liberdade e sua própria
existência para salvar a Europa de sua volta à barbárie. Assim obteve a
simpatia e a admiração dos neutros, e até mesmo a consideração de seus
inimigos. Antes da guerra, acreditavam e afirmavam que se encontrava em franca
decomposição, porém ela se sublimou, com um verdadeiro holocausto.
Assim que acabar o
sangrento drama a que assistimos, outra missão caberá à nossa pátria e essa
concórdia, que une todos os seus filhos na hora do perigo, será mantida e
garantida por outros meios, isto é, por novos processos de ensino e educação.
A França deve ensinar ao
mundo as regras da religião do futuro, dessa religião ampla e tolerante que
terá por base a ciência dos fatos e por coroamento as mais altas e mais puras
aspirações do ideal espiritualista.
Nessa religião, a fé e a
ciência encontrarão um campo comum, uma possibilidade de comunhão de todos os
espíritos e corações. Essa obra haverá de ser, entre todas, a mais preciosa
para a humanidade, porque fará desaparecer a maior parte dos motivos de
separação e de ódio, unindo os pensamentos e as vontades para esse “caminho
real da alma”, do qual nos falou Platão, visando o fim elevado da alma, conforme
a Doutrina dos Espíritos nos revela.
Tal iniciativa
garantiria que a França completasse a vitória das armas com uma vitória
intelectual e moral mais bela e ainda mais frutífera. Dessa forma, nosso país
se elevaria à primeira classe das nações, merecendo o reconhecimento de todos
os séculos futuros.
Os tempos nunca foram
mais favoráveis que agora para uma renovação religiosa, que excluiria qualquer
espírito de sectarismo e de reação. Da presente luta, assim esperamos,
aparecerá uma nova sociedade, doutrinada pela provação, fortalecida pelo
infortúnio e mais unida, disciplinada, consciente de seus deveres e responsabilidades.
Parece que um progresso
já se produz nos espíritos e que os homens compreenderam a natureza precária
das coisas deste mundo, encarando com mais agrado o problema dos destinos.
Já faz três anos que a
morte tem batido em tantas portas, tem visitado tantas casas que até os mais
indiferentes a encararam, indagando a si mesmos, quem era esse misterioso
hóspede e, pelas reflexões que sua presença ditou, abriu-se nesses seres um
caminho para o Infinito, para o Divino.
No calor dos sofrimentos,
a alma humana tornou-se mais apta para receber e compreender as verdades
superiores e, de agora em diante, as futilidades e a sensualidade de outrora e
as obras decadentes não poderiam mais satisfazê-la. Ela exige alimentos mais
substanciosos e mais fortes.
Os estudos psíquicos, os
testemunhos dos sábios com relação à sobrevivência da alma, lhe oferecerão
condições mais sólidas para erguer um edifício mais digno dela e de seus objetivos.
A filosofia se aclarará
com novas luzes, tiradas da doutrina de Allan Kardec. Em certas escolas já se
compreende e se admite que a personalidade humana não se formou de um só golpe,
porém lentamente e através dos séculos. A concepção apressada e insuficiente de
uma única vida é trocada, paulatinamente, pela da evolução da alma através de
existências sucessivas no infinito do tempo.
Nosso destino não é
determinado por um favor particular ou pelo sacrifício de um salvador, mas por
nós próprios. O ser consciente se constrói a si mesmo, tal como o escultor
aperfeiçoa sua estátua: a sua forma representativa só tem como valor a soma de
seus esforços e cuidados. Ele se ilumina ou se obscurece conforme a natureza de
seus pensamentos e de seus atos: a fonte das alegrias, das penas ou das
recompensas reside nele, em suas faculdades, em suas percepções, aumentadas ou
diminuídas.
O destino não é senão o
resultado de nossas obras boas ou más e recai sobre nós em forma de raios ou de
chuva. Todo sofrimento que se suporta com paciência é qual um golpe do cinzel
do escultor que colabora para aperfeiçoar sua obra.
O resultado de nosso
progresso é um desfrutar crescente de tudo que é grande, de tudo que é beleza,
esplendor, luz e harmonia. É uma progressiva participação na vida universal,
uma cooperação à obra soberana, sob a forma de tarefas e missões que aumentam,
gradualmente, de importância e extensão. Finalmente, é a plenitude da
felicidade em suas três formas importantes: virtude, gênio e amor...
Nossa meta principal deve
ser nos aproximarmos do foco supremo, deixando-nos penetrar pelas irradiações
do pensamento divino, tornando cada vez mais estreita e mais profunda a
comunhão com Deus, e, assim, atingirmos o conhecimento de todas as coisas,
porque tudo se resume nele e vive nele.
Tal é, em sua essência,
o ensino que decorre da revelação dos grandes espíritos e que é bem conhecido
dos que viveram em sua intimidade e deles receberam o pão da vida. Só participa
desse ensino, por enquanto, um pequeno número de pessoas, mas ele deve ser
estendido com profusão, para que as inteligências se aclarem, os caracteres se
aperfeiçoem e as almas se elevem.
Aí está por que, depois
da guerra, os espíritos deverão divulgar essas verdades a mãos cheias, porque o
terreno já estará admiravelmente bem preparado para a semeadura e eles não
estarão sós em seu trabalho, porque a multidão imensa dos invisíveis os ampara
e alenta.
Sobre nós pairam,
espiritualmente, os que deram sua vida em sacrifício pela França e tombaram
mortos na defesa da causa e do direito.
Eles nos inspiram e nos
exortam a não esquecermos de seu nobre exemplo e, por nossa vez, trabalharmos,
de outras formas, para salvação e fortalecimento da pátria.
Eles se debruçam sobre
os corações angustiados e as almas enlutadas, a fim de lançar nelas o bálsamo
das consolações e das esperanças; asseguram-lhe que sua afeição não se
extinguiu e que sua atividade não decresceu, mas que, pelo contrário, seus
sentimentos e sua vida são mais intensos, mais reais e mais poderosos que os
nossos.
De todas as partes se
levanta a voz dos espíritos para nos afirmar que sobre a atmosfera de ódio,
vingança e pavor que pesa sobre nosso infeliz planeta há um mundo superior onde
reina a eterna justiça, onde os que lutaram e penaram na Terra recolhem os
frutos dos males que suportaram; um mundo no qual nos reuniremos algum dia para
juntos comungarmos na paz serena e na divina harmonia!
Léon Denis
O Mundo Invisível e a Guerra
[i] Nossos telescópios captam mais de cem
milhões de estrelas que, como sabemos, são outros tantos sóis, a maior parte
dos quais superam o nosso em poder e brilho, arrastando, cada um deles, um maravilhoso
cortejo de mundos.
Qual é a
força que sustenta esses milhares de astros e planetas no vazio dos espaços,
dirigindo sua marcha interminável? É a mesma que regula o agrupamento dos
átomos e as afinidades químicas, isto é, a lei da atração. Pois bem, essa lei
pertence ao domínio do invisível.
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