quinta-feira, 22 de novembro de 2012

O Espiritismo e as Religiões



 

 

Fevereiro de 1917

O Espiritismo não é inimigo das religiões; ao contrário, fornece-lhe poderosos elementos de valor e de regeneração.

Os conhecimentos que ele nos proporciona sobre a vida no Além e as condições em que se desenvolve a existência após a morte, a certeza de leis justas e equitativas regendo o mundo invisível, formam outros tantos meios de análise e exame crítico, permitindo separar, nas religiões, o que é artificial e ilusório do que é real e imperecível.
Não há dúvida de que os fenômenos do Espiritismo se encontram na origem de todas as religiões, porém estas lhes emprestam um caráter sobrenatural e milagroso, transferindo-os para um passado remoto e fazendo-os perder toda a importância sobre a vida moral e social.
O intercâmbio com o invisível era apenas hipótese, uma vaga esperança; com o Espiritismo, torna-se certo e permanente.
Estamos vivendo uma das maiores épocas de transição da História. Os fatos que se estão desenrolando, as cruentas lutas dos povos e as subversões sociais são o começo, a preparação de uma nova ordem de coisas.
Quando terminar a guerra, a mente humana analisará todos os seus aspectos e procederá a um exame profundo de todas as forças que agiram no decorrer desses trágicos anos. Então comprovaremos que são as ideias que conduzem o mundo. O patriotismo, ao unir os corações dos franceses, conteve a invasão, limitando seus estragos.
O amor pela terra natal acordou o heroísmo que, apoiado pelos auxílios poderosos do mundo oculto, salvou a França.
Por isso a ideia de pátria terá que ocupar um lugar especial no ensino da educação popular. Entretanto, isso não será o bastante: para terminar com nossas desavenças, nossas rivalidades, lutas de classes e de interesses é preciso, antes de tudo, unir inteligências e consciências, pois sem a harmonia das almas não poderá haver a harmonia social.
Todavia, como se poderá preparar tal união? Trabalhe-se com ardor, com espírito de tolerância e concórdia, para aproximar os objetivos, as aspirações e as crenças. Dois poderosos meios se apresentam: A ciência e a fé.
Antagônicos na aparência, essas tendências se conciliam e se completam mutuamente, como veremos no decurso deste livro. Elas podem fornecer facilmente uma concepção da vida e do destino, uma noção das leis superiores e uma base moral, coisas estas que são indispensáveis à nossa perturbada sociedade e sem as quais a existência seria vazia de sentido, sem finalidade e sem sanção.
*
Dentro de toda alma humana há um retiro, um ponto secreto, onde se instala a centelha divina, a parte do Infinito que garante a cada um de nós a indestrutibilidade do seu eu. Ali dormitam as forças invisíveis, os recursos psíquicos cujo desenvolvimento fará, mais tarde, do ser mesquinho, frágil e ignorante que somos no princípio de nossa evolução, um gênio preparado para as grandes empresas e capaz de desempenhar um papel notável no Universo.
A verdadeira religião consiste am utilizar esses recursos ocultos e valorizá-los. Ela tem que nos ensinar a colocar o ser interior em comunhão com o divino, expandindo-o, libertando-o de influências inferiores, fazendo-o adquirir a plenitude de sua irradiação.
Conseguido esse estado espiritual, a alma humana poderá realizar suas mais árduas missões e aceitar com alegria as provações mais duras. Saberá conservar nos dias mais difíceis um otimismo e uma confiança inquebrantáveis.
Esse estado de espírito pode ser encontrado em todas as religiões, bem como fora delas. Atendo-se às práticas rituais da liturgia e aos diversos dogmas existentes dentro dos limites em que comumente se encontra a ideia religiosa, com frequência esquece-se da fé independente que paira acima de todos os cultos e não se sujeita a “credo” de nenhuma igreja.
Essa religião, pessoal e livre, talvez conte com maior número de membros do que as religiões reconhecidas, porém o número exato de seus adeptos foge a todo cálculo.
As descobertas científicas nos deram uma concepção do Universo vasta e grandiosa, mas diferente daquela possuída na Idade Média e na antiguidade.
A experimentação psíquica e o estudo do mundo invisível abriram perspectivas ilimitadas para a vida e para o destino do ser; o homem se sentiu ligado a todos os que pensam, amam e sofrem, na imensidão dos espaços.
Os modelos das religiões caducas se romperam com o impulso triunfante do espírito, sequioso para conquistar sua legítima parte de verdade e de luz. Quase não existem intelectuais que não tenham criado uma crença inspirada na observação direta da natureza, isenta das rotinas seculares, baseada na ciência e na razão.
Os partidários dos dogmas não pretendem ver nesse sentimento senão o que denominam ironicamente de “religiosidade”. Realmente, ele possui em gérmen os elementos dessa religião universal, simples e natural que haverá, um dia, de reunir todos os povos do planeta e fundir as igrejas particulares, assim como os rios se fundem no oceano.
Os atuais acontecimentos repercutirão profundamente em todas as formas da atividade social e, assim que a paz reinar novamente no mundo, haverá uma revisão de todas as causas que contribuem para o progresso humano, não escapando as religiões a uma análise crítica e rigorosa.
Os terríveis fatos que estão acontecendo darão a medida que permitirá calcular o poder ou a fraqueza moral das religiões.
Verificar-se-á, não sem certo espanto, que a educação religiosa de povos que se intitulam cristãos, como a Alemanha e a Áustria, nada conseguiu fazer para impedir os mais condenáveis crimes que fazem a civilização se envergonhar.
Ver-se-á com tristeza que, nessas horas cruéis, a Igreja Romana quase sempre colocou seus interesses políticos acima das recomendações do Evangelho e dos sagrados direitos da consciência. Não foram melhores os adeptos do Islamismo e foi mais clara do que nunca a falência das religiões.
No início da guerra a França foi sacudida por um grande movimento religioso e, após nossas primeiras derrotas, as aspirações que moram no fundo de sua natureza lhe despertaram uma necessidade de crença, de saber que a morte não equivale ao nada e que, acima de tudo, existe um poder soberano, uma força inteligente e consciente, capaz de nos amparar e socorrer na provação e fazer prevalecer a justiça em um mundo de paixões descontroláveis.
Se tal sentimento houvesse podido alcançar o ideal sonhado, seria o começo de uma renovação nacional, todavia as soluções apresentadas pelas igrejas, as poucas consolações que elas ofereciam aos corações dilacerados, as práticas ritualísticas impostas aos seus fiéis já não satisfaziam às necessidades do tempo e do meio. Foram julgadas insuficientes e assim, pouco a pouco, o movimento religioso se enfraqueceu.
Todavia, o pensamento segue firme, voltado para o Além. Diante do perigo e do dilúvio de sofrimentos que nos ameaçam, no meio das ruínas e das mortes que se acumulam, a alma francesa procura sempre uma base sólida, uma certeza onde apoiar a sua fé e só as encontrará no moderno espiritualismo, o que equivale dizer no Espiritismo.
A religião do futuro se apoiará na prova científica da sobrevivência, nas demonstrações experimentais e no testemunho dos sábios que estudaram os problemas da vida invisível.
No decorrer desta guerra, o antropomorfismo das religiões se apresentou em seu aspecto mais monstruoso e o velho deus alemão não é mais do que uma evocação dos bárbaros deuses do paganismo germânico. Sob a máscara cristã mal ajustada, Odin, que comanda as cenas de carnificina, deixa entrever suas feições.
Essa noção da divindade é muito próxima do mais baixo materialismo e repugna às almas delicadas e aos espíritos refinados. Não se trata apenas das ações de um monarca ávido em dominar o mundo e dos chefes militares que o rodeiam; essa concepção é também encontrada nas obras dos pensadores alemães; professores, pastores e escritores a proclamam abertamente em discursos e publicações.
Semelhante ao Jeová, do Antigo Testamento, o velho deus alemão protege somente uma raça, vendo nas outras apenas um rebanho de povos vis e corruptos, destinados à ruína e à morte.
Essa feroz mentalidade faz dos alemães os pretensos instrumentos da vingança divina, impelindo-os a uma obra de destruição que eles continuam metodicamente.
Essa grosseira mística aproxima-se das teorias de Nietzsche, relativas ao super-homem, tão difundidas na Alemanha, e podemos medir as funestas consequências de uma falsa religião unida a uma não menos falsa filosofia.
É bom, sem dúvida, desenvolver a vontade de poder, segundo a expressão de Nietzsche, porém com a condição de se desenvolverem, ao mesmo tempo, a consciência e as outras faculdades do espírito e do coração: a piedade e a bondade, o respeito à verdade, ao direito e à justiça. Sem isto se rompe todo o equilíbrio moral no ser humano e só se logrará produzir homens orgulhosos, déspotas, monstros que, para triunfarem, não vacilarão no emprego de todos os meios, mesmo os mais criminosos e odiosos.
Daí essa terrível luta que se desenvolve em nossa volta, onde a Alemanha, em razão de seu feroz egoísmo, se desacredita e se desonra aos olhos do mundo e da História.

2
Março de 1917

A ideia de Deus, em nossa pátria obscurecida e alterada pelas religiões, apagou-se em muitas almas.
Já fazia muito tempo que se formara na França uma corrente de incredulidade que minava, secretamente, os alicerces da religião e até de toda a ordem social.
As horas trágicas chegaram e, sob uma devastadora tempestade de ferro e de fogo, a França conheceu a necessidade de um ideal nobre e de uma força moral que torne possível olhar a morte frente a frente, suportando, sem vacilações, todos os golpes da adversidade. A proximidade do perigo impôs mesmo para os mais frívolos, uma gravidade concentrada e muitos pensamentos se voltaram para o Além.
Tudo isso parecia ser outros tantos indícios de renovação espiritual. Do fundo do abismo de sofrimentos em que caímos, um grito de súplica se eleva para o céu; aspirações ascendem para as formas religiosas mais altas e mais puras, proporcionando ao homem meios eficientes, capazes de desenvolver nele o que existe de imortal e divino.
As ideias do passado poderão influir para essa recuperação, porém, já o afirmamos, na nova ciência, enaltecida e espiritualizada, é que se encontrará a religião do futuro, os princípios de sua crença e os elementos de convicção, porque a religião e a ciência não são antagônicas, exceto quando as consideramos em seus aspectos inferiores. Elas se identificam e se fundem em sua diretriz fundamental, em seu objetivo maior, que são o conhecimento do Universo e a comunhão íntima com a causa de todas as coisas: Deus!
Talvez, em sua evolução, a religião enfraqueça em seu caráter coletivo, mas se fortalecerá em cada um de nós pelo desenvolvimento do conhecimento e da consciência individuais.
É bastante dirigirmos um olhar de conjunto ao Universo, para nos encontrarmos em presença de leis majestosas, que dominam os seres e as coisas sob a ação de um soberano poder. Ora, não existe lei alguma sem uma mente que a crie e sem uma vontade que zele pelo seu cumprimento.
Nas silenciosas vastidões do abismo da vida onde gravitam os mundos uma Inteligência preside à ascensão das almas e a eterna harmonia do cosmo.[i]
As anomalias e as contradições que muitos creem descobrir no estudo do Universo nascem simplesmente da pobreza de suas observações. Nossos grosseiros sentidos, mesmo ajudados pelos instrumentos que a tecnologia nos oferta, não nos podem dar senão uma pálida ideia do conjunto das coisas.
Nossa ignorância sobre o mundo invisível ainda ajuda a enfraquecer nossos julgamentos e somente a revelação dos espíritos vem, oportunamente, preencher as principais lacunas do nosso entendimento, mostrando-nos, por exemplo, que as leis morais e as leis físicas se inter-relacionam e se fundem em um todo harmônico, o mesmo ocorrendo com a ideia de Deus que se aperfeiçoa e se engrandece.
Para o espírito que abandona as formas materiais e os limites dos cultos, Deus já não é um ser antropomórfico, isto é, o homem divinizado de que nos falam os livros sagrados e as crenças de idades antigas.
Não! Deus é pura essência, é um princípio e uma meta, uma causa e um fim.
Os espíritos bastante evoluídos para o poderem contemplar (e, neste caso, só conheço um), descrevem-no como um imenso foco de luz, cujo brilho e esplendor quase não se pode suportar e de onde partem as vibrações poderosas que animam o Universo inteiro.
Dele resulta uma impressão majestosa, mesclada por eflúvios de amor que penetram e comovem a quantos se aproximem dele.
Com as asas do pensamento e da oração, no recolhimento dos sentidos, qualquer alma pode comunicar-se com esse foco eterno e sentir suas irradiações. Todos os impulsos do pensamento religioso se permutam em contemplação e em êxtase, quando chegam a tais alturas.
Realmente, em seu começo e em seu nobre fim, todas as crenças estão irmanadas e convergem para um único ponto.
Assim como a fonte límpida e o regato murmurante vão, finalmente, reunir-se no mar imenso, também o Bramanismo, o Budismo, o Cristianismo, o Judaísmo, o Islamismo e seus derivados, em suas mais nobres e puras formas, poderiam fundir-se numa vasta síntese e suas orações, unindo-se às harmonias do mundo, se transformariam em um hino universal de adoração e de amor!
Inspirado nesse sentimento de ecletismo espiritualista, muitas vezes me aconteceu juntar-me às orações de irmãos de outras religiões, sem me agarrar às fórmulas usadas em semelhantes meios, podendo orar com fervor, tanto nas grandes catedrais góticas, como nos templos protestantes, nas sinagogas ou mesmo nas mesquitas.
No entanto, minha oração consegue maior impulso e ardor à beira do mar, quando o embala o ritmo das ondas, assim como nos altos cumes, ante o panorama das planícies e dos montes, ou sob o domo imponente das florestas ou, à noite, sob a abóbada estrelada do firmamento, porque a natureza é o único templo verdadeiramente digno do Eterno.
*
A necessidade, existente em cada um de nós, de criar-se um meio interior onde a alma possa encontrar refúgio contra as preocupações exteriores, contra os cuidados materiais, fortalecendo-se e voltando a tomar contato com a pura essência de onde ela provém, é uma das condições indispensáveis da vida moral.
No momento em que a idade e as doenças me privam dos grandes espetáculos da natureza, construí, por minha vontade, um templo interior onde meu pensamento se alegra em ficar, nos momentos de calma e de isolamento, para render culto aos nobres espíritos cujo gênio revelador aclarou, com sua luz, os caminhos da humanidade.
Nesse templo interior, por um esforço de minha imaginação, erigi as estátuas ideais, as imagens augustas dos messias, dos profetas e dos filósofos mais merecedores de respeito e admiração.
No meio do santuário brilha o símbolo sagrado da Divindade, a quem, em primeiro lugar, minhas adorações se dirigem. À sua direita, me aparece a grande figura do Cristo, meu venerável mestre, e à esquerda os mestres asiáticos: Krishna, Buda, Lao-Tse e Zoroastro, aos quais sucedem as estátuas dos filósofos gregos, desde Pitágoras a Platão. Diante deles me alegro, recitando os maravilhosos versos da sabedoria antiga.
Detrás do Cristo aparecem os mais autorizados representantes da doutrina cristã e, junto deles, repito para mim próprio o Sermão do Monte, que é o resumo e a essência do próprio Cristianismo: “Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados”, assim como os conceitos evangélicos reconhecidos como autênticos. Muito longe fiquei de me esquecer do grupo dos druidas e dos bardos. À frente deles se ergue a alta silhueta, a imponente figura de Taliésin e diante dele recito, com muita alegria, As Tríades, que são um maravilhoso monumento das tradições celtas, cuja ciência se iguala à profunda sabedoria do Oriente.
Por último, após ele, vem Allan Kardec, a quem considero continuador e renovador das grandes tradições de nossa raça.
Suplico ao leitor que me desculpe, prendendo-o com coisas tão pessoais, porém só lhe quis dar um exemplo de que pode conseguir ensinamentos úteis e inspirações salutares. Realmente, em minhas visitas costumeiras a esses grandes espíritos, nos exercícios que a recordação deles provoca, isto é, no fato de recitar trechos de suas mais célebres obras, sempre encontrei a serenidade e o reconforto para o espírito.
Não vejam, na diversidade de suas concepções, qualquer contradição, porque sob suas formas variadas, em cada uma delas encontramos o mesmo impulso, a mesma aspiração para o bem e para a suprema beleza, que são outros tantos atributos de Deus, uma irradiação divina.
De todo o conjunto se desprende uma síntese magnífica que resume o pensamento de todo um mundo no que ele possui de mais nobre e puro; síntese que narra, precisa e fecundamente, o moderno espiritualismo, numa comunhão universal que um dia ligará todas as consciências e todos os corações.
*
Lançando um olhar panorâmico sobre a história dos tempos modernos, parece que uma das missões da França é criar correntes de ideias pelo mundo.
Após dezoito séculos da vinda do Cristo, a França despertou a noção de fraternidade que dormitava no fundo das almas. Nenhuma outra nação trabalhou mais ardentemente para libertar o pensamento dos grilhões seculares e assegurar os direitos da consciência. Ela comunicou a chama de seu gênio a várias teorias humanitárias e sociais.
Na atual luta, o papel da França cresceu mais ainda, porque arrisca sua liberdade e sua própria existência para salvar a Europa de sua volta à barbárie. Assim obteve a simpatia e a admiração dos neutros, e até mesmo a consideração de seus inimigos. Antes da guerra, acreditavam e afirmavam que se encontrava em franca decomposição, porém ela se sublimou, com um verdadeiro holocausto.
Assim que acabar o sangrento drama a que assistimos, outra missão caberá à nossa pátria e essa concórdia, que une todos os seus filhos na hora do perigo, será mantida e garantida por outros meios, isto é, por novos processos de ensino e educação.
A França deve ensinar ao mundo as regras da religião do futuro, dessa religião ampla e tolerante que terá por base a ciência dos fatos e por coroamento as mais altas e mais puras aspirações do ideal espiritualista.
Nessa religião, a fé e a ciência encontrarão um campo comum, uma possibilidade de comunhão de todos os espíritos e corações. Essa obra haverá de ser, entre todas, a mais preciosa para a humanidade, porque fará desaparecer a maior parte dos motivos de separação e de ódio, unindo os pensamentos e as vontades para esse “caminho real da alma”, do qual nos falou Platão, visando o fim elevado da alma, conforme a Doutrina dos Espíritos nos revela.
Tal iniciativa garantiria que a França completasse a vitória das armas com uma vitória intelectual e moral mais bela e ainda mais frutífera. Dessa forma, nosso país se elevaria à primeira classe das nações, merecendo o reconhecimento de todos os séculos futuros.
Os tempos nunca foram mais favoráveis que agora para uma renovação religiosa, que excluiria qualquer espírito de sectarismo e de reação. Da presente luta, assim esperamos, aparecerá uma nova sociedade, doutrinada pela provação, fortalecida pelo infortúnio e mais unida, disciplinada, consciente de seus deveres e responsabilidades.
Parece que um progresso já se produz nos espíritos e que os homens compreenderam a natureza precária das coisas deste mundo, encarando com mais agrado o problema dos destinos.
Já faz três anos que a morte tem batido em tantas portas, tem visitado tantas casas que até os mais indiferentes a encararam, indagando a si mesmos, quem era esse misterioso hóspede e, pelas reflexões que sua presença ditou, abriu-se nesses seres um caminho para o Infinito, para o Divino.
No calor dos sofrimentos, a alma humana tornou-se mais apta para receber e compreender as verdades superiores e, de agora em diante, as futilidades e a sensualidade de outrora e as obras decadentes não poderiam mais satisfazê-la. Ela exige alimentos mais substanciosos e mais fortes.
Os estudos psíquicos, os testemunhos dos sábios com relação à sobrevivência da alma, lhe oferecerão condições mais sólidas para erguer um edifício mais digno dela e de seus objetivos.
A filosofia se aclarará com novas luzes, tiradas da doutrina de Allan Kardec. Em certas escolas já se compreende e se admite que a personalidade humana não se formou de um só golpe, porém lentamente e através dos séculos. A concepção apressada e insuficiente de uma única vida é trocada, paulatinamente, pela da evolução da alma através de existências sucessivas no infinito do tempo.
Nosso destino não é determinado por um favor particular ou pelo sacrifício de um salvador, mas por nós próprios. O ser consciente se constrói a si mesmo, tal como o escultor aperfeiçoa sua estátua: a sua forma representativa só tem como valor a soma de seus esforços e cuidados. Ele se ilumina ou se obscurece conforme a natureza de seus pensamentos e de seus atos: a fonte das alegrias, das penas ou das recompensas reside nele, em suas faculdades, em suas percepções, aumentadas ou diminuídas.
O destino não é senão o resultado de nossas obras boas ou más e recai sobre nós em forma de raios ou de chuva. Todo sofrimento que se suporta com paciência é qual um golpe do cinzel do escultor que colabora para aperfeiçoar sua obra.
O resultado de nosso progresso é um desfrutar crescente de tudo que é grande, de tudo que é beleza, esplendor, luz e harmonia. É uma progressiva participação na vida universal, uma cooperação à obra soberana, sob a forma de tarefas e missões que aumentam, gradualmente, de importância e extensão. Finalmente, é a plenitude da felicidade em suas três formas importantes: virtude, gênio e amor...
Nossa meta principal deve ser nos aproximarmos do foco supremo, deixando-nos penetrar pelas irradiações do pensamento divino, tornando cada vez mais estreita e mais profunda a comunhão com Deus, e, assim, atingirmos o conhecimento de todas as coisas, porque tudo se resume nele e vive nele.
Tal é, em sua essência, o ensino que decorre da revelação dos grandes espíritos e que é bem conhecido dos que viveram em sua intimidade e deles receberam o pão da vida. Só participa desse ensino, por enquanto, um pequeno número de pessoas, mas ele deve ser estendido com profusão, para que as inteligências se aclarem, os caracteres se aperfeiçoem e as almas se elevem.
Aí está por que, depois da guerra, os espíritos deverão divulgar essas verdades a mãos cheias, porque o terreno já estará admiravelmente bem preparado para a semeadura e eles não estarão sós em seu trabalho, porque a multidão imensa dos invisíveis os ampara e alenta.
Sobre nós pairam, espiritualmente, os que deram sua vida em sacrifício pela França e tombaram mortos na defesa da causa e do direito.
Eles nos inspiram e nos exortam a não esquecermos de seu nobre exemplo e, por nossa vez, trabalharmos, de outras formas, para salvação e fortalecimento da pátria.
Eles se debruçam sobre os corações angustiados e as almas enlutadas, a fim de lançar nelas o bálsamo das consolações e das esperanças; asseguram-lhe que sua afeição não se extinguiu e que sua atividade não decresceu, mas que, pelo contrário, seus sentimentos e sua vida são mais intensos, mais reais e mais poderosos que os nossos.
De todas as partes se levanta a voz dos espíritos para nos afirmar que sobre a atmosfera de ódio, vingança e pavor que pesa sobre nosso infeliz planeta há um mundo superior onde reina a eterna justiça, onde os que lutaram e penaram na Terra recolhem os frutos dos males que suportaram; um mundo no qual nos reuniremos algum dia para juntos comungarmos na paz serena e na divina harmonia!
Léon Denis

O Mundo Invisível e a Guerra





[i]    Nossos telescópios captam mais de cem milhões de estrelas que, como sabemos, são outros tantos sóis, a maior parte dos quais superam o nosso em poder e brilho, arrastando, cada um deles, um maravilhoso cortejo de mundos.
     Qual é a força que sustenta esses milhares de astros e planetas no vazio dos espaços, dirigindo sua marcha interminável? É a mesma que regula o agrupamento dos átomos e as afinidades químicas, isto é, a lei da atração. Pois bem, essa lei pertence ao domínio do invisível.

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