segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

A pluralidade dos mundos habitados

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Ao abordar o estudo comparativo dos planetas, o primeiro ponto que
reclama nossa atenção é a posição ocupada pela Terra em nosso sistema.
Ora, fazendo a suposição, completamente gratuita, é verdade, de que
conhecemos o número total dos planetas, restringindo por um instante
nossas conclusões a este número determinado pela ciência de hoje em dia, e
estabelecendo nossas considerações sobre esta base e sobre as distâncias
respectivas dos planetas ao astro radioso, observaríamos de início que a
Terra é a terceira em nove — os asteróides contando como um só — e que,
por conseguinte, ela não é caracterizada nem por sua proximidade, nem por
seu distanciamento, nem por uma posição mediana; diríamos, a seguir, que
ela está quase três vezes mais afastada que Mercúrio e trinta vezes menos
que Netuno, e que nem está situada no meio do raio adotado para o sistema
solar, pois este ponto cai entre a órbita de Saturno e de Urano. Donde
concluiremos que, sob este primeiro ponto de vista, a Terra não se distingue
dos outros planetas. Mas esta consideração, atendo-se a dados muito
provavelmente incompletos, não tem outro objetivo senão subtrair aos
nossos adversários o argumento no qual pretendem se apoiar quando
pretendem combater, em nome da posição da Terra no sistema, a doutrina
da pluralidade dos mundos, e sua medíocre importância se apaga diante das
determinações a seguir.
Considerando a quantidade de calor e de luz que os mundos planetários
recebem do Sol, sabendo que a intensidade de cada um deles varia, todas as
coisas mantendo-se iguais, na razão inversa do quadrado das distâncias,
descobrimos que Mercúrio recebe 7 vezes mais luz e calor que nosso globo,
Vênus 2 vezes mais, Marte a metade, os planetas telescópicos 7 vezes
menos, Júpiter 27 vezes menos, Saturno 90 vezes menos, Urano 390 vezes
menos e Netuno 900 vezes menos.
Essas distâncias respectivas dos planetas ao foco solar, entre os quais a
da Terra não representa nenhum privilégio, determinam uma diminuição
gradual na temperatura de sua superfície, de Mercúrio até Netuno; essas
distâncias devem ser tomadas como bases fundamentais em nossas
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pesquisas sobre esta temperatura. Segundo os célebres trabalhos de Fourier,
sabemos, sem dúvida possível, que o calor interior do globo, seja qual for o
seu grau de intensidade, só tem fraca ação sobre o estado térmico da
superfície, relativamente à ação do Sol. A teoria matemática do calor fez
brilhantes progressos desde Buffon (1), e esses progressos não permitem
mais crer hoje em dia que o fogo central tenha uma influência exclusiva
sobre a temperatura da crosta resfriada. A existência de uma elevada
temperatura no interior da Terra e de um centro ígneo foi reconhecida pelo
aumento constante do calor a partir da superfície, seja qual for o lugar que
se experimente, aumento que de modo algum existiria se apenas o Sol
agisse sobre o globo. Demonstrada a existência desse calor interno, pode-se
procurar avaliar sua influência na superfície do solo, medindo o grau de
facilidade com o qual as camadas situadas imediatamente abaixo do solo
permitem que este calor as atravesse. Ora, todas as observações coletadas e
discutidas mostraram que a influência do calor central é atualmente quase
insignificante, na superfície da Terra.
(1) V. nota C do Apêndice, sobre a Temperatura dos Planetas.
Nos tempos primitivos, nosso planeta se ressentia ainda de sua origem
ígnea, e sua temperatura exterior era sem comparação com aquela que
observamos desde os tempos históricos. Mas a imaginação pode, com
dificuldade, formar uma idéia das eras que se passaram desde as primeiras
épocas da natureza. A relação que existe entre a duração do dia e o calor do
globo nos ensinou que o volume da Terra diminuía enquanto sua massa
esfriava, todo decréscimo de temperatura correspondendo a um acréscimo
da velocidade de rotação; ora, resulta, das observações astronômicas, que
desde Hiparco, quer dizer, há 2 mil anos, a duração do dia não diminuiu
nem um centésimo de segundo; pode-se afirmar, a partir disto, que a
temperatura média do globo só variou 1/170 grau em 2 mil anos. Parece, de
resto, demonstrado que a terra não esfria numa quantidade apreciável num
intervalo de 1 milhão e 280 mil anos. Pode-se avaliar por isto há quanto
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tempo a Terra está sujeita ao regime atual, regime durante o qual, como
dissemos, a influência do calor central é quase insignificante na superfície.
As conclusões obtidas por experiências feitas em nosso planeta podem
ser aplicadas aos outros mundos de nosso sistema, tudo convidando-nos a
crer que estes mundos têm a mesma origem que o nosso. A causa
preponderante do calor na superfície dos planetas corresponde a suas
distâncias respectivas ao astro do dia.
Mas, sempre dando a este valor a parte que lhe faz jus aqui, não se deve
perder de vista que nossas determinações se aplicam implicitamente ao
globo terrestre, que substituímos, sem dúvida, por cada um dos planetas
estudados. E possível que em certas terras do espaço, o fogo central tenha
ainda uma ação poderosa sobre os fenômenos orgânicos que se operam na
superfície, assim como em certos planetas a criação pode estar apenas no
início de sua obra, e o homem ainda não apareceu. Para resolver este
problema do calor na superfície dos mundos, seria preciso termos dados que
ainda nos faltarão por um bom tempo. Seria preciso que conhecêssemos,
por exemplo, a diafaneidade, a densidade, a composição química e as
propriedades físicas das atmosferas ambientes; pois sabe-se que elas agem
como imensas estufas quentes, que deixam passar em maior ou menor
quantidade os raios solares para aquecer seus planetas, e que se opõem, em
seguida, com maior ou menor eficácia, a que este calor escape pela
radiação; esta propriedade, convenientemente proporcionada às distâncias,
bastaria para dar uma mesma temperatura média a mundos diversamente
afastados do Sol. Seria também preciso que conhecêssemos a natureza dos
materiais que constituem cada um dos corpos planetários, e que não têm a
mesma capacidade quanto ao calor, configuração orográfica e oceânica, e as
circunstâncias próprias para fazer variar notavelmente o calórico absorvido
ou refletido, a cor geral e os tons locais das diversas superfícies, o grau de
secura ou umidade ordinária do solo, ou a evaporação mais ou menos
freqüente das massas líquidas, a altura das montanhas, a higrometria e a
isotermia dos globos, seu estado elétrico e magnético, enfim, o estado
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calorífico próprio de cada uma das esferas celestes; seria preciso também
que conhecêssemos mil causas influentes das quais não podemos fazer a
menor idéia, julgando toda a criação pelos fenômenos terrestres, os únicos
que podemos observar, e encontrando-nos na impossibilidade de imaginar
as causas das quais não temos ao menos uma noção, aqui embaixo. Que nos
baste compreender que todas as objeções que derivam do afastamento ou da
proximidade do Sol, e que parecem impedir a existência de seres vivos em
certos mundos porque seriam queimados, e em outros porque seriam
congelados, não são de nenhum valor, quando são opostos ao poder eficaz
da Natureza (1), e que, em conseqüência, seja que esta toda poderosa
Natureza produza nessas regiões seres organizados para o estado normal do
planeta, ou que ela atenue as circunstâncias extremas que são geralmente
desfavoráveis às funções dos organismos vivos, não é menos certo que, sob
este novo ponto de vista, a posição da Terra não a distingue em nada dos
outros mundos planetários.
(1) A fim de que não se de uma interpretação panteísta a esta palavra, Natureza, que
reaparecerá com freqüência nestes estudos, diremos que: Consideramos a Natureza, quer dizer,
a universalidade das coisas criadas e das leis que as regem, como a expressão da vontade
divina.— (V. nossa obra Dieu dans la nature.)
Abordemos outros pontos de semelhança. Considerando os satélites
como colocados no céu não somente para iluminar a noite, mas ainda para
determinar o fluxo e o refluxo do oceano e da atmosfera, o movimento dos
meteoros e a produção de diversos fenômenos atmosféricos, observaremos
que certos planetas possuem até oito deles, e que a Terra está longe de ser
privilegiada sob este aspecto. Aqui temos uma observação importante a
dirigir a certos partidários das causas finais, que admiram, com razão, essas
luminárias cuja suave claridade substitui, à noite, a ofuscante luz do dia,
mas que erram ao pretender que a Lua e os satélites não serviriam para nada
se não prestassem alguns serviços a seus planetas, e que esta é sua única
razão de ser. Vamos fazê-los observar simplesmente que seu argumento
pode ser voltado, com vantagem, contra eles. Com efeito, os habitantes
destes pequenos mundos certamente têm um direito de se julgar
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privilegiados e sustentar que a Terra e os outros planetas, que refletem
muito mais luz, foram formados expressamente para iluminar suas noites
tão longas; e esta maneira de ver é tanto mais fundamentada por os planetas
ultrapassarem em muito os satélites em extensão reflexiva. Assim sendo, a
Terra envia treze vezes mais luz à Lua do que ela nos dá, e, malgrado o
número de satélites de Saturno, Urano e Júpiter, a diferença ainda é mais
marcada. Seja qual for o lado pelo qual se examine a questão, não só a
Terra é menos favorecida que os grandes planetas, mas o é ainda menos que
os próprios satélites. Para dissipar completamente a oposição daqueles que
invocam, neste sentido, a causalidade final e que a aplicam tão
superficialmente às grandes obras da natureza, observaremos, com Arago,
que, para satisfazer às suas opiniões, seria preciso que os planetas tivessem
tantos mais satélites a seu serviço quanto mais afastados estivessem do Sol,
o que não é verdade; com Laplace que, para uma iluminação permanente
das noites de nosso mundo, seria preciso que a Lua, sempre em oposição, e
a uma distância quádrupla daquela em que está, cumprisse em um ano sua
revolução numa órbita abarcando a da Terra e no mesmo plano, o que não é
verdade, nem poderia ser; com Augusto Comte, que o melhor para este,
seria ter dois satélites dispostos de maneira que o nascer de um coincidisse
com o ocaso do outro, o que aconteceria se estes dois satélites circulassem
numa mesma órbita, ficando constantemente afastados um do outro em 180
graus de longitude — o que tampouco seria possível.
A nossos olhos, a Lua tem outro destino a cumprir que não o de rolar
solitariamente em redor de nosso globo. Ou ela é habitada, ou foi habitada,
ou virá a ser habitada. Que o telescópio nos mostra a solidão de suas
paragens e a esterilidade de seu hemisfério visível, é fato da observação, é
verdade, mas é um fato que não nos autoriza a negar nada, nem nos permite
afirmar coisa alguma, no estado atual de nossos conhecimentos. E mesmo
que a ausência de toda atmosfera, e portanto de todo líquido, na superfície
deste hemisfério, esteja superabundantemente demonstrada, isto ainda não
implicaria na desabitação do satélite. Há quase toda uma metade deste
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satélite que nos é inteiramente subtraída, e que nos ficará eternamente
desconhecida; lá, mares podem recortar continentes férteis, e florestas
sombrias vestir as montanhas; lá, os animais podem ter encontrado um asilo
e condições de vida; lá, uma humanidade pode viver e florescer sem que
nos seja possível ter a menor suspeita dela. Mas mesmo fora desta hipótese,
que reconhecemos ser completamente conjetural, a desabitação de nosso
satélite não provaria que não tenha sido habitado outrora. Ele sofreu
revoluções geológicas formidáveis, das quais seus inumeráveis vulcões
conservam ainda hoje eloqüentes vestígios. Qual teria sido então a
vitalidade deste astro vizinho? E será que todo tipo de vida seria impossível
nas condições atuais? As diferenças essenciais que existem entre este
mundo e o nosso devem nos dissuadir de poder julgar seu estado de
habitação; a questão não pode ser atualmente resolvida, e o pró e o contra
podem ser igualmente defendidos.
Ao proclamar a habitabilidade da Lua e dos satélites, estamos longe de
lançar para a sombra as vantagens que estes astros secundários
proporcionam a seus respectivos planetas. Dizemos, ao contrário, que a Lua
é uma companheira bem útil da Terra; útil sob o aspecto da mecânica
celeste, para os movimentos oscilatórios do globo; útil sob o aspecto da
vida astral do planeta, para a sua meteorologia, ainda tão misteriosa; útil
sob o aspecto de sua habitação viva, na iluminação de suas noites e nas
influências que ainda se pode apreciar na economia dos seres, vegetais e
animais. Dizemos, ademais, que as vantagens que recebemos de nosso
satélite não foram reconhecidas em sua multiplicidade, nem apreciadas em
toda sua extensão. Mas se logo acrescentarmos que as visões da
Onipotência não parecem parar aí, e que seria uma pretensão próxima do
ridículo afirmar que somos o objetivo único da criação da Lua, e que este
astro, sobre o qual foram distribuídas certas condições biológicas
particulares, só teria, desde a sua formação, perspectivas de uma
esterilidade permanente e uma morte eterna.
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A questão das causas finais, levantada pela habitabilidade dos satélites,
leva-nos ao terreno da questão da habitabilidade do Sol, dos cometas, dos
astros que não parecem ter sido criados para si mesmos, mas tendo em vista
outros mundos. O Sol, esta fonte abundante de luz e de vida que sustenta
em nossos mundos tantas raças e seres organizados, este eixo central cujo
domínio garante a estabilidade, a regularidade e a harmonia dos
movimentos planetários; o Sol, como dizíamos, tem como objetivo
principal a função bem determinada de sustentar o sistema nos vazios do
espaço. Mas se se considera que uma grande multiplicidade de ações é
ordinariamente efetuada nas obras da Natureza, e que este poder
essencialmente agente tende constantemente à maior soma de trabalho útil,
tirando proveito dai; forças, na aparência, as mais fracas, nos lugares onde
menos se suporia sua presença ou a possibilidade de sua ação, admitir-se-ia
que à indispensável utilidade do Sol como sustentáculo e foco dos mundos
se acrescentaria ainda a utilidade mais admirável por seu luxo de ser a
morada de inteligências elevadas, ocupando essa terra radiosa que não
conhece as noites nem os invernos, cujo esplendor eclipsa todos os outros, e
que fica suspensa como uma região magnífica, enriquecida, talvez, com as
produções mais opulentas da natureza; as obras da criação concorrem
sempre para o efeito mais útil c, no final, o mais completo. Mas apressemonos
em dizer que estas conjeturas são puramente hipotéticas, sedutoras,
quem sabe, mas longe das razões e fatos sobre os quais se apóia a doutrina
geral da pluralidade dos mundos. Seria vão, e sem sentido, querer tratar
cientificamente a questão dos habitantes do Sol. O inglês Knight, em um
livro onde tentou explicar todos os fenômenos da natureza pela atração e
repulsão; o doutor Elliot, que foi absolvido num debate perante um júri por
ter pretendido que o Sol era habitado e assim passado por louco; William
Herschel, que veio, oito anos mais tarde, esposar essas idéias que valeram a
seu autor o título de louco (e a vida), e proclamar a habitabilidade do astro
solar; Bode, o astrônomo alemão, que redigiu uma dissertação sobre a
felicidade dos solarianos; e muitos astrônomos de nosso século, no número
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dos quais citaremos Humboldt e Arago, acreditaram, é verdade, nesta
habitabilidade, e adotaram a teoria da constituição física solar que parecia
permitir a habitação. Outros sustentaram não só que este astro era habitado,
mas ainda, a exemplo de Bode, que era a imensa morada de delícias e
longevidade, e que as vantagens biológicas mais preciosas foram dadas ao
mais importante dos mundos do sistema, ao que domina todos os outros,
que os governa, e que os envolve em seus raios benfazejos de calor e de luz.
No entanto, quem quer que se dedicasse a especulações arbitrárias sobre seu
grau de habitabilidade e sobre seu gênero de habitação, se engajaria no erro
desde os primeiros passos. Pelo que vimos, os trabalhos mais recentes da
astronomia física não nos autorizam a crer, como há vinte anos, com Arago,
que a população do Sol possa ser análoga às planetárias; ela é, sob todos os
pontos de vista, radicalmente distinta. Esta não é razão para adiantar que
não haja lá nenhuma espécie de ser; é apenas para crer que o Sol só poderia
ser habitado por seres diferindo essencialmente de nós em todos os
caracteres.
Entre os corpos celestes cujo destino não parece ser o de sustentar a
vida e a inteligência, e cujo estado cósmico parece até incompatível com os
fenômenos da existência, mencionaremos esses astros cabeludos com
caudas chamejantes, outrora o terror de todos, e agora o preferido dos
curiosos. Os cometas, com efeito, não poderiam ter o menor lugar em
nossas considerações sobre a pluralidade dos mundos. Sua origem, sua
natureza, sua função na economia do sistema e seu objetivo final nos são
desconhecidos. Hóspedes misteriosos do espaço, vemo-los errar de um
mundo para outro, esquecer as distâncias, ignorar as fronteiras dos Estados
celestiais, e franquear impetuosamente as grandes extensões em seu curso
descabelado. Alguns deles passaram perto de nós e permanecem cativos,
sob a rede da atração solar; outros, semelhantes a gigantescos quirópteros
abrindo suas asas vigorosas, desvencilharam-se dos liames e saíram
esvoaçando pelas profundezas do infinito. Sombras ligeiras, vapores
imensos, criações móveis, que são, e por que são? — Derham emitiu a
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opinião de que, tendo em vista as variações incessantes de sua temperatura,
desde o calor tórrido até o frio glacial, que fazem deles uma morada
inóspita, deveriam provavelmente servir de lugar de suplício para os
danados... Outros sistemas de explicações, mais ou menos engenhosos,
foram aplicados a eles... Não vamos acompanhar estes atrevidos
romancistas em suas especulações hipotéticas.
Consideremos agora a questão das atmosferas na superfície dos
planetas, as propriedades dos envoltórios aéreos sobre a economia dos seres
e sua influência no sistema físico de cada mundo. Na Terra, a atmosfera é
uma mistura composta de 79 partes de azoto e 21 de oxigênio; e desde o
peixe, que respira por brânquias, até o homem, cujo aparelho pulmonar é o
mais perfeito, é a esta composição química, um pouco mais ou um pouco
menos modificada, segundo as influências locais, que os animais devem o
sustento de sua vida. Há mesmo vegetais que respiram de dia por um modo
inverso ao nosso, e de noite por um modo semelhante. O ar é, pois, o
alimento primeiro e indispensável da vida terrestre. Todo ser vivo depende
da atmosfera, pois todo ser vivo carrega dentro de si um aparelho mecânico
e químico de respiração construído segundo a natureza íntima desta
atmosfera. Além das propriedades relativas à respiração, indispensável para
a vida do globo, o fluido atmosférico possui outras, não menos notáveis. Se,
para as funções internas do corpo, o aparelho pulmonar está organizado de
maneira a transformar incessantemente o sangue venoso em sangue arterial,
e a renovar assim sem cessar os princípios de nossa vida, para as funções
externas, e especialmente as do ouvido e da vista, estão dispostos em
condições de receber e de transmitir ao cérebro as influências exteriores das
quais a atmosfera é o meio. De um lado, o mecanismo dos órgãos vocais
imprime à atmosfera as vibrações que constituem o som e que levam a voz
ao mecanismo do ouvido; de outro, o mecanismo do ouvido, de uma
suscetibilidade correlata, recebe essas vibrações e é o seu intérprete para o
senso íntimo do pensamento. Todo mundo desprovido de atmosfera seria,
por isto mesmo, um mundo de surdos-mudos, uma morada de eterno
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silêncio. O que acabamos de dizer para o sentido auditivo terá aplicações
diferentes para o sentido da visão. Sabe-se, com efeito, que a difusão da luz
é devida à massa atmosférica, e que sem esta, nunca haveria coisas visíveis,
senão os objetos expostos diretamente à luz solar; não haveria sombra nem
penumbra; a claridade esfuziante do Sol ou a obscuridade completa da
noite; nem aurora nem crepúsculo, nem transições nos fenômenos da luz, e
daí, nenhuma habitação possível ao ar livre, e todo um novo gênero de vida
incompatível como que mencionamos aqui. E isto não é tudo. Sem
atmosfera, nada de nuvens; uma luz monótona e fastidiosa, uniformemente
vertida pelo astro ofuscante, sem a menor diversidade de aparência no céu.
Que dizíamos sobre o céu? Não haveria céu! Este azul límpido que encanta
a nossa visão, seria substituído por uma imensidade negra e lúgubre; o
globo do Sol, na Lua e as estrelas o percorreriam sós em seu trajeto
periódico.
Os jogos esplêndidos da lua em nosso céu, da manhã e do anoitecer, as
radiações douradas da aurora sobre nossas paisagens que despertam, as
nuvens vermelhas e as glórias do crepúsculo sobre nossas montanhas, as
criações fantásticas de mil cores que se sucedem ao nosso redor, todas essas
maravilhas seriam desconhecidas para um tal mundo privado de atmosfera,
morno império que relembra as regiões silenciosas e vazias do Purgatório
onde Dante encontrou os Espíritos do Limbo.
Mas vamos mais adiante. A atmosfera envolve nosso globo como uma
estufa quente que conserva o calor solar e o calor terrestre. Sem atmosfera,
o calor e a luz do Sol seriam devolvidos aos espaços celestes, e nosso globo
seria totalmente reduzido à sorte das grandes alturas dos Andes, do
Himalaia e dos picos alpinos, onde a atmosfera rarefeita só reina sobre um
deserto de gelo e morte eterna (1). Vamos mais longe ainda na exposição
dos resultados funestos que acompanham inevitavelmente a ausência de
atmosfera, e no estudo das vantagens que devemos ao envoltório que cobre
a superfície do globo. Sabe-se que a água constitui o elemento principal de
todos os líquidos em ação na economia terrestre, seja nos vasos sanguíneos
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do animal, seja no tecido das plantas; que este elemento é, quase tanto
quanto o ar, indispensável às funções da vida terrestre, e que sem ele as
transformações orgânicas não poderiam se efetuar em um ou outro reino.
Ora, a própria existência da atmosfera é uma condição necessária para a
existência da água, ou de qualquer outro líquido na superfície de um astro;
sua ausência implica por isso mesmo na ausência desses líquidos, todo
acúmulo de águas necessitando, para se formar e se manter, de uma pressão
atmosférica qualquer. Todos os mundos que fossem desprovidos de
atmosfera seriam, ao mesmo tempo, desprovidos de todas as espécies de
líquidos, e vemos que, se a vida tivesse aparecido em sua superfície, só
poderia ser sob uma forma e num estado radicalmente incompatíveis e sem
o menor caráter de analogia com as manifestações da vida sobre a Terra.
(1) V. nossa extensa obra L'Atmosphère, Livro III, caps. 1 e II.
Tais são as propriedades da atmosfera terrestre. Mas aqui, como
precedentemente, nosso mundo não recebeu o menor favor, e, talvez à
exceção da Lua, todos os mundos onde se pode aplicar medidas relativas a
este tipo de determinação foram encontrados como providos de atmosferas.
Em Vênus, os fenômenos crepusculares, as manchas das nuvens, revelam a
sua existência; em Marte, tempestades se erguem sobre os mares e vão, em
volumosas nuvens, refrescar os continentes; em Júpiter e em Saturno,
nuvens análogas correm de cada lado do equador e sulcam essas regiões
com faixas brilhantes. Daqui observamos, sob as esteiras de vapores que
atravessam as suas atmosferas, os ventos salutares e benéficos que sopram
sobre aqueles campos longínquos; as evaporações que se erguem pelos ares
e se condensam em nuvens; as nuvens que caem em chuvas refrescantes e
que trazem a fertilidade para as pradarias; julgamos ver, nesses
mediterrâneos e oceanos entrecortados, os traços de união que aproximam
os povos e que são o veículo do comércio internacional; e sob os fatos que
se destacam deste estado de coisas, cujo conjunto oferece tantas analogias
com o que se passa na Terra, vemos lá, tanto quanto aqui, nações
inteligentes entregues a todas as atividades de uma civilização progressista.
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Quando falamos das atmosferas dos planetas ou de suas condições
aquosas, não afirmamos com isto que por lá haja ar ou água, idênticos ao ar
que respiramos e à água de nossas fontes. Nada nos prova que os líquidos
ou os gases planetários sejam de uma composição idêntica à dos líquidos e
dos gases terrestres. Somos de opinião, ao contrário, que eles podem diferir,
porque se encontravam, na época em que se formaram, em condições
totalmente diferentes das que presidiram à formação das substâncias
terrestres. É tão mais importante apoiar-se sobre esta maneira de ver que
certos autores modernos, que escreveram sobre a pluralidade dos mundos,
enganaram-se grosseiramente imaginando, contra toda evidência, que todo
meio atmosférico tem como expressão: 0,208 O + 0,792 Az, e todo
acúmulo de água como notação química em equivalentes: HO; isto
inevitavelmente os conduziu às conclusões as mais errôneas. Habituamonos
aqui aos três estados diferentes dos corpos, determinados pela
quantidade de calor existente ao nosso redor, e somos levados a ver nos
outros mundos condições análogas às da Terra. Mas, aprofundando a
questão, chegamos a uma opinião contrária, e descobrimos que a
composição dos corpos difere conforme o mundo, tanto por causa da
diversidade original destes, quanto pelo seu estado calorífico atual. Este
estado calorífico apenas bastaria, por exemplo, para reduzir a parte dos
líquidos e até dos gases terrestres ao estado sólido, em Urano e em Netuno,
e para elevar ao estado gasoso, em Mercúrio, um grande número de corpos
que estão no estado líquido na Terra. Como seria irracional imaginar sobre
todos os outros mundos água, ar e substâncias idênticas à água, ao ar e às
outras substâncias do globo terrestre! (1)
(1) Desde a primeira edição desta obra, a maravilhosa descoberta da análise espectral
demonstrou que há, especialmente em Marte e Vênus, água, e que é quimicamente a mesma que
a nossa. Uma diferença notável existe, ao contrário, entre o estado dos líquidos e dos gases de
Júpiter e de Saturno e o das substâncias terrestres. (Nota da 25° edição.)
A física está aí, de resto, para nos ensinar que os três estados sob os
quais os corpos nos aparecem, o estado sólido, o estado líquido e o estado
gasoso, não são senão as transformações que todos os corpos podem sofrer,
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e que são determinadas pela natureza desses corpos, pelo calor ambiente,
pela gravidade e pela pressão atmosférica. Se se considera de início o
fenômeno da fusão, quer dizer, a passagem do estado sólido para o estado
líquido, vemos que o grau de temperatura em que se opera difere para cada
substância: é assim que o mercúrio passa do estado sólido para o líquido a
39 graus acima de zero; a água, a O grau; o potássio, a 55 graus acima de
zero; o enxofre, a 110 graus; o estanho, a 228 graus; o chumbo a 335 graus;
o zinco a 500 graus; a prata a 20 graus do pirômetro, quer dizer, a 2020
graus; o ouro, a 2900 graus, etc. Vemos aqui uma diversidade tão grande
quanto a das substâncias, e que levanta toda dificuldade relativa aos outros
mundos. Se se considera o fenômeno da ebulição, quer dizer, a passagem
do estado líquido para o gasoso, a diversidade é mais admirável ainda, pois
aqui não é somente a temperatura que age, mas também o estado da
atmosfera. Os líquidos se evaporam quando a força elástica de seu vapor é
igual à pressão atmosférica; assim a água, que evapora a 100 graus sob a
pressão barométrica ordinária (Om,76), evapora muito mais rápido nas
montanhas, onde a pressão é menor: no Monte Branco, por exemplo, a
temperatura da ebulição da água é apenas de 84 graus; sob o recipiente da
máquina pneumática, onde o ar é de rarefação extrema, a água ferve à
temperatura ordinária; reciprocamente, se a pressão aumenta, a ebulição é
retardada; só ocorre, por exemplo, a 121 graus, quando a pressão é igual a
duas vezes a pressão atmosférica ordinária. O mesmo ocorre para outros
líquidos: o éter passa do estado líquido ao estado gasoso a 35 graus
somente, porque a este grau de temperatura a força elástica de seu vapor é
igual à pressão atmosférica; o álcool, a 94 graus, pela mesma razão, o
mercúrio a 360 graus etc. De outro lado, os gases se liquefazem sob certas
pressões: por exemplo, o ácido sulfuroso se liquefaz sob a pressão de duas
atmosferas, o hidrogênio sulfurado sob a pressão de 17, o ácido carbônico
sob a pressão de 36, etc. Aplicado à diversidade de natureza dos mundos
planetários, o quadro geral da física dos corpos terrestres estabelece com
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autoridade na sua superfície um conjunto de transformações inorgânicas
particulares, apropriadas à natureza específica de cada mundo.
Acrescentemos agora, para completar a questão das atmosferas, que
mesmo quando nos é impossível constatar a existência de uma atmosfera
em torno de um globo, não é para dizer com isto que ela não existe; isto
significa somente que ela escapa aos nossos meios de observação. Na Lua,
por exemplo, as experiências de polarização não indicaram acúmulo de
água na sua superfície, e as observações de ocultações de estrelas ou de
planetas deixando suspeitar por vezes de ligeiros traços de atmosfera, não
provaram que haja uma atmosfera normal. A questão é por isto respondida
negativamente? De modo algum, pois de um lado, o hemisfério que nos é
perpetuamente invisível nos é, por força, desconhecido, e pode estar
revestido de uma camada atmosférica cuja existência poderemos nunca
constatar; por outro lado, se se refletir nas pequenas dimensões de nosso
satélite, na sua pequena massa e na sua medíocre densidade, conviremos
que ele poderá ser dotado de uma atmosfera ligeira, cuja altura seria muito
pequena em comparação à da nossa, e que, ocupando apenas seus vales e
planícies baixas, estaria longe de atingir o cume de suas gigantescas
montanhas.
Devemos examinar agora as relações de tamanho e superfície que
caracterizam os planetas entre si; este exame nos mostrará, como os
precedentes, que a Terra não foi distinguida entre os outros corpos celestes,
que não é nem a menor em superfície, nem a mediana, nem a mais extensa.
O diâmetro de Marte é duas vezes menor que o da Terra, o que dá a este
planeta uma superfície quatro vezes menor que a do globo terrestre;
Mercúrio também é um mundo inferior ao nosso em extensão; mas acima
da Terra, contamos, ao contrário, outros, incomparavelmente mais vastos;
destarte, enquanto que o diâmetro médio de nosso globo não mede mais que
3.200 léguas (1), o de Saturno mede 28.650 e o de Júpiter perto de 36.000.
A superfície de Saturno é oitenta vezes maior que a da Terra, e mede nada
menos que 25 bilhões e 200 milhões de léguas quadradas. A superfície de
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Júpiter é ainda de uma vez e meia maior e se estende por 40 bilhões de
léguas. Esta comparação lembra uma das páginas mais engenhosas do livro
de Fontenelle, onde a marquesa lhe pergunta se os habitantes de Júpiter
puderam constatar a existência de nosso pequeno globo. "À boa-fé",
responde-lhe o filósofo, "receio que lhes somos desconhecidos; seria
preciso que vissem a Terra, cem vezes menor do que nós vemos o seu
planeta; é muito pouco, e eles não a vêem. Eis somente o que poderíamos
crer o melhor para nós. Haveria em Júpiter astrônomos que, depois de se
dar a muito trabalho em montar excelentes lunetas, depois de escolher as
mais belas noites para observar, descobririam no céu um pequeno planeta
que jamais viram antes. De início, apenas o Jornal dos Cientistas daquele
país falaria dele; o povo de Júpiter não ouve falar, ou apenas ri; os filósofos
que com isto têm suas opiniões destruídas determinam-se a não crer em
nada disto; as pessoas sensatas duvidam. Observa-se mais, reencontra-se o
pequeno planeta, certifica-se de que não é uma visão, e por fim, graças a
todos os esforços dos sábios, fica-se sabendo em Júpiter, que nossa terra
está no mundo... Mas nossa Terra não é nós: não se tem a menor suspeita de
que ela possa ser habitada, e se alguém vier a imaginá-lo, Deus sabe o
quanto todo Júpiter zomba dele." (2)
(1) O raio terrestre médio, o que passa pelo meio da França, é de 6 bilhões 366 milhões 407
mil metros; o diâmetro médio do globo é pois de 12 bilhões 732 milhões 814 mil metros, e sua
circunferência, de 4 mil miriâmetros, ou 10 mil léguas métricas. Uma observação não
desprovida de interesse, que devemos fazer aqui sobre a relação entre as superfícies dos
planetas, é que uma viagem de circunavegação que pode ser feita praticamente em um ano sobre
a Terra, duraria, supondo circunstâncias idênticas, mais de nove anos em Saturno, e mais de
onze em Júpiter, e mais de um século, para o Sol.
(1) Les Mondes, IVª noite.
Poder-se-ia dar demasiado valor às palavras de Fontenelle e mostrar que
ele chegou a pressentir como é pouca a visibilidade da Terra para os
habitantes de Júpiter. Aqui temos um pequeno problema de trigonometria.
Fazendo o cálculo, descobrimos que para Júpiter a Terra não se afasta do
Sol senão numa oscilação de 11 a 13 graus de uma quadratura a outra,
parecendo então (ao telescópio) como a Lua nos aparece em seu primeiro e
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último quarto; ela só se mostra a seus habitantes pela manhã antes do nascer
do Sol e à noite, após o ocaso; e que nunca fica mais de 22 minutos acima
de seu horizonte. Esta duração tão curta da visibilidade da Terra é ainda
mais breve para eles, relativamente à duração do dia, pois estes 22 minutos
formam apenas 9 dos deles. Não são então "as mais belas noites" que os
astrônomos jupiterianos podem escolher para observar nossa pequena
Terra, mas sim os poucos minutos durante os quais ela pode ser vista na
aurora ou no crepúsculo, de seis em seis meses, ou nos momentos em que
ela passa, a cada ano, como um pequeno ponto negro, invisível a olho nu,
perante o seu pequeno Sol.
Se, depois de ter comparado Saturno e Júpiter a nosso globo, lhe
compararmos o Sol, estabeleceremos que o diâmetro deste é igual a 356 mil
léguas, e sua superfície a 385 trilhões e 133 bilhões de léguas quadradas; de
tal sorte que, se julgarmos por nosso globo, cuja superfície de 318 milhões
de léguas quadradas alimenta perto de 1 bilhão e 400 milhões de habitantes
(3) o Sol, cuja extensão é 12 mil vezes maior, poderia ter uma população
que, sem ser mais densa que a da Terra, contaria com 16 trilhões de
habitantes. Mas esta é uma conjetura talvez sem explicação possível.
Reportemo-nos aos mundos planetários de Júpiter e de Saturno, de que
falávamos há pouco, e constatemos o quanto sua importância os torna
superiores ao nosso pequeno globo. Se os habitantes dos outros mundos são
levados, como os da Terra, a ver no Universo um edifício construído em
seu favor, se eles também imaginam ser o objetivo da grande criação,
quantas dessas esferas esplêndidas têm mais direito de considerar tais
corpos planetários como lançados no espaço para lhes ensinar as leis do
mundo e fazê-los admirar a sua harmonia, a eles, cujos anos se contam por
séculos e que receberam tantas marcas de distinção da natureza! Quantos
desses habitantes, privilegiados na ordem moral como numa ordem física,
estariam mais fundados em observar a si mesmos como monarcas do
mundo, eles, tão elevados acima das mesquinhas criaturas humanas que
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balbuciam na superfície de nosso globo! Assim, pois, como
precedentemente, a Terra não recebeu nenhuma distinção da Natureza.
(3) Diga-se de passagem, como dados estatísticos curiosos, que a população do globo
terrestre é hoje de 1 bilhão e 400 milhões de habitantes. Esta soma se renova periodicamente em
razão de 90.720 nascimentos e mortes por dia, o que dá mais ou menos um nascimento e uma
morte por segundo (o número dos nascimentos supera um pouco o número de mortes). — Cada
uma de nossas pulsações marca a morte de uma criatura humana e o nascimento de uma outra.
As conclusões precedentes podem a fortiori estender-se às
considerações que poderíamos desenvolver a respeito dos volumes
planetários. É com dificuldade que podemos fazer uma idéia do mundo
gigantesco de Saturno, quando ficamos sabendo que 800 globos do
tamanho da Terra, reunidos em um só, não dariam ainda um volume igual
ao deste planeta, sem considerar ainda seus vastos anéis nem seus
numerosos satélites. Como então abraçar em nossas concepções o de
Júpiter, que ultrapassa o nosso em 1.234 vezes! E o do Sol, que representa,
apenas ele, 1 milhão 280 mil globos terrestres? "Perante o aspecto dessas
massas imponentes", exclamava Fontenelle, "como poderíamos imaginar
que todos esses grandes corpos foram feitos para não serem habitados, que
essa é sua condição natural, e que haveria uma exceção justamente em
favor da Terra apenas? Quem quiser acreditar nisso, que o faça; quanto a
mim, não consigo me resolver. Seria muito estranho que a Terra seja
habitada, tal como é, e que os outros planetas não o fossem absolutamente...
A vida está em todos os lugares; e mesmo que a Lua não seja mais que um
amontoado de pedras, eu antes as faria roer por seus habitantes que não pôlos
lá."
Esta idéia burlesca lembra Cyrano de Bergerac, que, em seu livro nada
científico, faz mui engenhosamente ressaltar o absurdo das opiniões que se
nos opõem. Nós o citaríamos mais de uma vez, se não receássemos abusar
do tempo que o leitor quer conceder a nossas considerações; mas nós
respeitamos este tempo, e vamos nos contentar com a seguinte passagem,
que caracteriza particularmente a sua obra (1). "Seria tão ridículo crer", diz
ele, "que a grande luminária do Sol girasse em torno de um ponto quanto
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imaginar, quando se vê uma andorinha assada, que para prepará-la, a
fogueira girou ao seu redor. Por outro lado, se o Sol tivesse de pensar nesse
trabalho, pareceria a medicina tendo necessidade do doente; que o forte
devesse se submeter ao fraco, o grande servir ao pequeno, e em lugar de um
barco singrar as costas de uma província, a província é que giraria ao redor
do barco... a maioria dos homens se deixou persuadir por seus sentidos, e
girando junto com a Terra, no céu, acreditaram que era o céu que girava ao
redor deles. Acrescentemos a isto o orgulho insuportável dos seres
humanos, que se persuadem de que a Natureza foi feita só para eles, como
se fosse possível que o Sol, um grande corpo 434 vezes maior que a Terra,
(2) só tivesse se acendido para amadurecer suas nêsperas e para plantar seus
repolhos!
(1) Histoire des États et Empires de Ia Lune et du Soleil.
(2) Cyrano escreveu sua Voyage dans la Lune em 1649, e alguns anos mais tarde sua
Histoire des États du Soleil. Naquela época, ainda não se pudera medir exatamente a paralaxe
do Sol, e as verdadeiras dimensões deste astro eram desconhecidas.
A Pluralidade dos Mundos Habitados
Estudo onde se expõem as condições de habitabilidade das terras celestes
discutidas do ponto de vista da astronomia e da filosofia natural:
Fonte: www.autoresespiritasclassicos.com




GRANDEURS COMPAREES DES PLANETES
= Tamanhos comparados dos planetas.
II
Estudo Comparativo dos Planetas
Posição da Terra no sistema. — Condições de habitabilidade dos
mundos. — Quantidade de calor e luz sobre cada planeta. — Número dos
satélites; seu papel. — Habitabilidade da Lua; — do Sol; — dos cometas.
— As atmosferas na superfície dos mundos; propriedades importantes; o ar
e a água. — Tamanhos, superfícies e volumes; a Terra vista de Júpiter;
nosso mundo comparado ao Sol. Densidade dos planetas. — Peso dos
corpos na sua superfície. — O peso do Sol. — Conclusão tirada do estudo
dos mundos planetários.

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