segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Albert de Rochas: Livro:As Vidas Sucessivas

 

 

Primeira Parte

Crenças antigas e conceitos modernos

Os egípcios

Num artigo publicado em 1º de fevereiro de 1895 pela Revue des Deux Mondes, o Sr. Edouard Schuré estudou as crenças egípcias relativas à outra vida.
Após a morte, a alma seria atraída para o alto por Hermes, seu gênio-guia, e retida no mundo terrestre por sua sombra, ainda ligada ao corpo material.
Se ela se decide a seguir Hermes, chega ao limite do mundo sublunar ou amenti, limite chamado muralha de ferro. A saída desse mundo é vigiada por espíritos elementares, cuja fluidez pode fazê-los representarem-se sob todas as formas animais, que investem tanto contra o homem vivo que deseje penetrar no invisível pela magia quanto contra a alma defunta que deseje sair do amenti para entrar na região celeste. Esses guardiães são representados na mitologia egípcia pelos cinocéfalos, sendo Anúbis, com cabeça de chacal, seu chefe; na mitologia grega o equivalente é Cérbero.
Quando a alma transpõe o amenti, adquire a recordação completa de suas vidas precedentes, a qual havia retomado apenas parcialmente em sua saída do corpo. Vê, então, suas faltas passadas e, iluminada pela experiência, volta para a esfera de atração da Terra. Aqueles que se endureceram no mal e perderam todo o sentido da verdade mataram neles próprios até mesmo a última recordação da vida celeste: romperam o laço com o espírito divino, pronunciaram seu próprio aniquilamento, isto é, a dispersão de sua consciência nos elementos. Aqueles em quem o desejo do bem subsiste, porém dominado pelo mal, condenaram-se a uma nova e mais árdua encarnação. Aqueles, ao contrário, em quem o amor à verdade e a vontade do bem elevaram-no acima dos baixos instintos estão aptos para a viagem celeste, apesar de seus erros e suas faltas passageiras. Nestes, então, o espírito divino recolhe tudo o que há de puro e de imortal adquirido nas experiências terrestres da alma, enquanto que todo o falso, o impuro e o perecível dissolvem-se no amenti como a sombra vã.
Assim a alma, através de uma série de provas de encarnações, destrói-se ou imortaliza-se facultativamente.

Os caldeus

A civilização caldéia é talvez mais antiga do que a egípcia. Os magos admitiam que a alma evoluía por uma ascensão contínua em direção à perfeição. Primeiro inconsciente, ela atravessava sucessivamente todos os reinos da natureza antes de chegar ao mundo da humanidade, onde aparece com faculdades intelectuais que adquiriu pouco a pouco no decorrer de suas existências passadas. Ela é destinada a ainda desenvolver-se e a experimentar milhares de degraus de inteligências mais elevadas.
Durante o período humano, as almas encarnadas são guiadas por férouers, almas dos defuntos notáveis por suas virtudes; quando encarnada, em cada alma se cria um envoltório mais ou menos sutil, mais ou menos luminoso, segundo suas ações, chamado kerdar (é o karma dos hindus). Em cada existência ela esquece as anteriores, porém conserva seu kerdar com as faculdades adquiridas. Quando chega, após uma série de encarnações, a um grau suficiente de pureza, não mais reencarna e seu kerdar, tornado férouer, recorda-se de todas as suas existências precedentes.

Os hindus

No Bhagavad-Gita, ou O canto do bem-aventurado, que se supõe ter sido composto aproximadamente no século X a.C., o príncipe Arjuna, já quase travando uma batalha, reconhece no exército inimigo parentes que ama e, como fica esmagado de dor ao pensar que, na luta, poderia matá-los, Krishna o consola, revelando-lhe a doutrina das transmigrações:
“Esses corpos perecíveis são animados por uma alma eterna indestrutível. Aquele que crê possa ela ser morta ou matar engana-se. Aquele que penetrou o segredo de meu nascimento e de minha obra divina não mais retorna a um novo nascimento; ao deixar seu corpo, retorna a mim. Tive muitos nascimentos, assim como tu também, Arjuna; eu os recordo a todos, porém tu os ignoras.”
Os hindus crêem que as vidas sucessivas criam na alma um envoltório chamado karma que se modifica para melhor ou pior, segundo todas as boas ou más ações praticadas.

Os gauleses

Na Guerra das Gálias (t. VI), Júlio César diz, referindo-se aos gauleses:
In primis hoc volunt persuadere non interire animas sed ab aliis post mortem ad alios transire putant.” [i]

Platão

Das leis

“É preciso crer nos legisladores, nas tradições antigas, e particularmente no que diz respeito à alma, quando nos dizem que ela é totalmente distinta do corpo e que é ela o nosso eu; que nosso corpo é apenas uma espécie de fantasma que nos segue; que o eu do homem é verdadeiramente imortal; que é o que chamamos de alma, que prestará contas aos deuses, como ensina a lei do país, o que é tanto consolador para o justo quanto terrível para o mau.
Não cremos, pois, que essa massa de carne que enterramos seja o homem, uma vez que sabemos que este filho, este irmão, etc. realmente partiu para um outro local após haver terminado o que tinha a fazer aqui. Isto é verdadeiro, embora para prová-lo seja necessária longa argumentação; e é preciso crer nestas coisas sobre a fé dos legisladores e das tradições antigas, a menos que se tenha perdido a razão.”

Cartas

“Certamente se deve sempre crer na antiga e sagrada tradição que nos ensina ser a alma imortal e que, após sua separação do corpo, um juiz inexorável inflige-lhe os suplícios merecidos.”

Fédon (diálogo entre Sócrates e Cebes)

“É opinião bastante antiga – diz Sócrates – que as almas ao deixarem este mundo vão para o Hades e que de lá voltam a este mundo e retornam à vida, após terem passado pela morte. Se assim é e se os homens, após a morte, voltam à vida, segue-se necessariamente que as almas vão para o Hades durante este intervalo, pois não voltariam ao mundo se não mais existissem; e isto será uma prova suficiente se enxergarmos claramente que os vivos não nascem senão dos mortos.”

Apolônio de Tiana
(Carta a Valerius, A. Chassang, Apolônio de Tiana)

“Ninguém morre, assim como ninguém nasce, senão aparentemente. Com efeito, a passagem da essência à substância é o que se chama nascer; e o que se chama morrer é, ao contrário, a passagem da substância à essência. Nada nasce e nada morre na realidade, porém tudo no princípio torna-se visível para, em seguida, tornar-se invisível; o primeiro efeito é produzido pela densidade da matéria; o segundo, pela sutileza da essência, que permanece sempre a mesma, porém encontra-se ora em movimento, ora em repouso. Ela possui uma propriedade intrínseca em sua mudança de estado; esta não provém do exterior: o todo subdivide-se em partes ou as partes reúnem-se em um todo; o conjunto é sempre único. Alguém talvez pergunte: como é possível alguma coisa ser ora visível, ora invisível, e compor-se dos mesmos elementos ou de elementos diferentes?
Pode-se responder: tal é a natureza das coisas aqui em nosso mundo; quando concentradas, são visíveis devido à resistência de sua massa; quando, ao contrário, encontram-se dispersas, sua sutileza as torna invisíveis. A matéria encontra-se necessariamente concentrada ou dispersa fora do vaso eterno que a contém, entretanto ela não nasce nem morre. Os pais são o meio e não a causa do nascimento dos filhos, assim como a terra permite que as plantas saiam de seu seio e, no entanto, não as produz. Não são os indivíduos visíveis que se modificam, é a substância universal que se modifica em cada um deles.”

Jâmblico
(Tratado dos Mistérios Egípcios, Seção IV, capítulo 4)

“A justiça de Deus não é absolutamente a justiça dos homens. O homem define a justiça a partir das relações existentes em sua vida atual e de seu estado presente; Deus a define relativamente a nossas existências sucessivas e à universalidade de nossas vidas. Assim, as penas que nos afligem são freqüentemente os castigos de um pecado cometido por nossa alma em vida anterior. Algumas vezes Deus nos esconde a razão desses castigos, porém não devemos duvidar de sua justiça.”

Cícero
(Palavras ditas pelo velho Catão no Tratado da velhice)

“Quanto à origem eterna das almas, não vejo como é possível disto duvidar, uma vez que é verdadeiro que os homens vêm ao mundo munidos de grande quantidade de conhecimentos. Ora, uma grande prova de que assim o é está na faculdade e na prontidão com que as crianças aprendem as artes bastante difíceis em que há uma infinidade de coisas a compreender, o que nos permite crer que estas não lhe são novas e que, ensinando-lhes, apenas reavivamos sua memória. É o que nos ensina nosso divino Platão.
Jamais nos persuadirão, meu caro Cipião, de que nem vosso pai Paulo Emílio, nem vossos dois ancestrais Paulo e Cipião, o africano, nem o pai deste, nem seu tio, nem tantos outros grandes homens, que não é necessário enumerar, teriam empreendido tantas grandes coisas cuja memória a posteridade conservaria, se não tivessem entrevisto claramente que o futuro, até mesmo o mais distante, concernir-lhes-ia tanto quanto o presente. E para vangloriar-me também, segundo o costume dos anciãos, credes que eu teria trabalhado noite e dia, como fiz, na guerra e na República, se a glória de meus trabalhos fosse terminar junto com a minha vida? Teria eu, incomparavelmente, melhor feito se a tivesse passado repousando, sem prender-me a nenhum tipo de compromisso? Porém minha alma, elevando-se de algum modo acima do tempo que tenho para viver, sempre estendeu seus olhos até a posteridade, e sempre achei que seria após o fim desta vida mortal que eu estaria ainda mais vivo. É assim que todos os grandes homens pensam; e se a alma não fosse imortal, eles não fariam tantos esforços para alcançar a imortalidade.”

Virgílio
(Discurso de Anquises a seu filho Enéias que o encontra nos Campos Elíseos e lhe pergunta quem são as almas que vê errarem a seu redor – Eneida, livro VI)

Meu filho, diz o velho, vês aqui aparecerem
Aqueles que em outros corpos devem um dia renascer,
Porém, antes da outra vida, antes de seus penosos labores,
Procuram as impassíveis águas do Letes,
[ii]
E no longo sono das paixões humanas,
Bebem o feliz esquecimento de seus primeiros amargores...
– Ó meu pai, é verdade que, em novos corpos,
De sua prisão grosseira uma vez desprendida,
A alma, esse fogo tão puro, queira de novo mergulhar?
Ela não mais se recorda de suas longas dores?
Todo o Letes pode às suas infelicidades bastar?
– Um Deus para o Letes conduz todas as almas;
Elas bebem suas águas e o esquecimento de seus males
As empenha a retornarem sob novos laços.
 [iii]

Porfírio

“A alma não se encontra jamais despojada de algum corpo; um corpo mais ou menos puro a ela está sempre ligado, adaptado a seu estado do momento. Porém, tão logo ela abandona o corpo terrestre e grosseiro, o corpo espiritual, que lhe serve de veículo, parte necessariamente contaminado e espesso pelos vapores e exalações do primeiro. Purificando-se a alma progressivamente, este corpo torna-se, com o tempo, um puro esplendor que nenhuma névoa obscurece ou mancha.”

Os hebreus

O Talmude diz que a alma de Abel passou para o corpo de Set e depois para o de Moisés.
Acrescenta o Zohar:
“Todas as almas são submetidas às provas da transmigração. Os homens desconhecem a vontade do alto com relação a eles. Ignoram por quantos sofrimentos e transformações misteriosas devem passar e quão numerosos são os espíritos que, vindo a este mundo, não retornam ao palácio de seu divino rei. As almas devem, por fim, novamente imergir na substância de onde saíram; entretanto, antes desse momento, já devem ter desenvolvido até o mais alto grau todas as virtudes cujo germe nelas encontra-se latente; se esta condição não é realizada em uma única existência, devem as almas renascer até que tenham atingido o grau de desenvolvimento que torna possível sua absorção em Deus.”
As encarnações, de acordo com a Cabala, ocorrem com longos intervalos entre si; as almas esquecem inteiramente o passado e, longe de constituírem uma punição por suas faltas, os renascimentos são uma bênção que permite aos homens purificarem-se.
(Dr. Pascal. A reencarnação)

Os Evangelhos

Mateus 17, 9-13; Marcos 9, 9-13:

“É verdade que Elias deve retornar e restabelecer todas as coisas; porém vos declaro que Elias já veio e eles não o reconheceram e o trataram como lhes aprouve. Assim também farão sofrer o filho do homem. Então seus discípulos compreenderam que foi de João Batista que Jesus lhes falara.”

Mateus 16, 13-20; Marcos 8, 27-30; Lucas 9, 18-21:

“E aconteceu que, um dia, orava ele em local retirado e seus discípulos com ele estavam; interrogou-os dizendo: – O povo, quem diz ele que sou? Eles lhe responderam: – Uns dizem João Batista, outros Elias, e outros algum velho profeta ressuscitado. E ele lhes perguntou: – E vós, quem dizeis que sou? Simão Pedro, respondendo, disse: – O Cristo de Deus. Então ele os proibiu expressamente de dizê-lo a alguém.”

João 3, 1-3:

“Havia um homem entre os fariseus, chamado Nicodemos, senador dos judeus, que veio à noite até Jesus e lhe disse: – Mestre, sabemos que vieste por parte de Deus para instruir-nos como um doutor; pois ninguém poderá realizar os milagres que realiza se Deus não estiver consigo. Jesus respondeu-lhe: – Em verdade te digo: Ninguém pode alcançar o reino de Deus se não nascer de novo.”

Léon Denis
(Os pais da Igreja)

“Os primeiros pais da igreja e, dentre todos, Orígenes e Clemente de Alexandria, pronunciam-se a favor da transmigração das almas. São Jerônimo e Rufino (Cartas a Anastácio) afirmam que esse conceito era ensinado como verdade tradicional a um certo número de iniciados.
Em sua obra capital, Dos princípios, livro I, Orígenes revisa os numerosos argumentos que mostram serem a preexistência e a sobrevivência das almas em outros corpos o corretivo necessário à desigualdade das condições humanas. Ele se interroga qual é a totalidade das etapas percorridas por sua alma em suas peregrinações através do infinito, quais os progressos alcançados em cada uma dessas etapas, as circunstâncias dessa imensa viagem e a natureza particular de cada estágio.
São Gregório de Nice diz que há necessidade natural de a alma imortal ser curada e purificada e que, se ela não o for em sua vida terrestre, a cura operar-se-á nas vidas futuras e subseqüentes.
Todavia esta alta doutrina não podia conciliar-se com certos dogmas e artigos de fé, armas poderosas para a igreja, tais como a predestinação, as penas eternas e o juízo final. Com ela, o catolicismo teve de ceder mais amplo espaço à liberdade do espírito humano, chamado em suas vidas sucessivas a elevar-se por seus próprios esforços e não apenas por uma graça do alto.
Do mesmo modo constituiu um ato de inúmeras conseqüências funestas a condenação dos conceitos de Orígenes e das teorias gnósticas pelo Concílio de Constantinopla de 553. Ela acarretou o descrédito e a rejeição do princípio das reencarnações. Vimos edificar-se, então, no lugar de uma concepção simples e clara sobre o destino, compreensível para as mais humildes inteligências, conciliando a justiça divina com a desigualdade das condições e dos sofrimentos humanos, todo um conjunto de dogmas que lançaram a obscuridade sobre o problema da vida, revoltaram a razão e, finalmente, afastaram o homem de Deus.” [iv]

Pezzani
(Deus, o homem, a humanidade e o progresso)

“Segundo as antigas cosmogonias que ensinavam terem sido os astros criados pela Terra e que, além disso, não havia mais do que um Deus e anjos, puros espíritos, podia-se concluir que, após a prova terrestre, tudo estava terminado para o mérito e a liberdade. Porém, a partir de Copérnico e de Galileu, desde que soubemos que existe um número infinito de mundos, não haveria uma singular estreiteza de visão ao querermos limitar nossas provas ao mundo miserável e ínfimo da Terra, que não é senão um de nossos estágios, uma das fases de nossa existência imortal, e ao nos recusarmos no futuro todo meio de reparação?”

Lavater
(Carta à imperatriz Maria Feodorovna, da Rússia. 1º de agosto de 1798.)

“Os órgãos simplificam-se, adquirem harmonia entre si e tornam-se mais apropriados à natureza, às características, às necessidades e às forças da alma, à medida que esta se concentra, enriquece-se e depura-se aqui neste mundo, perseguindo um só objetivo e agindo em um sentido determinado. A alma aperfeiçoa, vivendo sobre a Terra, as qualidades do corpo espiritual, do veículo no qual continuará a existir após a morte de seu corpo material e que lhe servirá de órgão para conceber, sentir e agir em sua nova existência.”

Voltaire

“A partir do momento em que se começa a crer que há no homem um ser absolutamente distinto da máquina e que o entendimento subsiste após a morte, atribui-se a esse entendimento um corpo leve, sutil, vaporoso, que se assemelha ao corpo no qual está alojado. Se a alma de um homem não tivesse forma semelhante à que possuía durante a vida, não se poderia distinguir, após a morte, a alma de dois homens diferentes. Essa alma, essa sombra que subsiste desligada de seu corpo material pode muito bem mostrar-se em dados momentos, rever os locais que havia habitado, visitar seus parentes, seus amigos, falar-lhes, instruí-los; não há em nada disto nenhuma incompatibilidade. O que existe pode fazer-se perceber.” [v]

Jean Reynaud
(Terra e Céu)

“Quando pensamos nas magníficas luzes que o conhecimento das existências anteriores espalharia, tanto sobre as coisas relativas à nossa vida atual na Terra, quanto sobre as esperanças relativas do céu, que impressionante sintonia a falta de memória nos mostra da imperfeição de nossa constituição psicológica de hoje! Não vemos de onde partimos, da mesma forma como não vemos para onde somos conduzidos; sabemos apenas que viemos cá de baixo e que vamos para o alto, e não nos é preciso mais para nos interessarmos por nós e para sabermos que substância somos.
Porém quem ousaria assegurar que nosso ser não encerra em suas profundezas algo com que iluminar um dia todos os espaços sucessivamente atravessados por nós desde nossa primeira hora? Não sabemos, pela própria experiência desta vida, que recordações que nos pareciam absolutamente esquecidas reavivam-se às vezes e devolvem-nos de repente um passado que acreditávamos apagado para sempre nos abismos do esquecimento?
A surpreendente faculdade que chamamos memória é, pois, de natureza a guardar no fundo de nós mesmos, sem nosso concurso, impressões que, por terem momentaneamente cessado de surgir a nossos chamados, continuam no entanto a fazer parte de nosso domínio onde permanecem adormecidas; e, por conseguinte então, por que não ocorreria o mesmo com sua ação no que se refere aos acontecimentos que precederam o período atual de nossa existência, como ocorre abertamente com sua ação concernente a tantos outros eventos registrados enquanto vivos e cujos vestígios vemos um dia, após longos isolamentos, voltarem de tempos em tempos? Não sereis vós quem negará que esta faculdade seja puramente espiritual, uma vez que não tendes nenhuma dificuldade em prolongá-la, sem distinção, para todas as almas, desta vida até a seguinte; e se ela constitui, com efeito, como não se pode contestar, uma das propriedades mais essenciais do espírito, como poderia ela experimentar da morte alguma impressão radical? Sua imortalidade a garante. O golpe do trespasse pode muito bem perturbá-la, porém da mesma forma como um golpe de ar perturba a limpidez da atmosfera que outro golpe de ar restabelece.
Aliás, se nosso progresso na beatitude não consiste simplesmente em uma admissão a mundos melhores, mas, acima de tudo, no desenvolvimento das altas faculdades inerentes às nossas pessoas, como o poder de nossa memória não estaria destinado a crescer ao mesmo tempo que todos os outros poderes de que também gozamos, atualmente, segundo o modo imperfeito que convém à Terra? E, se esse poder aumenta, não devemos crer que chegará cedo ou tarde à energia necessária para retomar as impressões bastante delicadas e bastante longínquas, para não ficarem desproporcionadas a seu estado de hoje? É do que não duvido; e o que acaba por dar, a meu ver, toda firmeza a tal esperança é pensar que não poderíamos alcançar nossa coroação sem que as recordações colocadas em reserva no fundo de nossa memória fossem, com efeito, retomadas, pois seria possuirmo-nos imperfeitamente ou não possuirmos completamente nossa história. Para gozarmos nossa imortalidade em plena luz é preciso que saibamos quem somos e é a contemplação de nosso passado que no-lo ensina; e esta contemplação faz até mais, pois é ela que, por comparação, faz-nos provar nossa beatitude em toda a sua extensão, mostrando-nos, ao lado do que somos, o que nosso ser foi.
Se fossem examinados todos os homens que passaram sobre a Terra desde que a era das religiões sábias se iniciou, ver-se-ia que a grande maioria viveu na consciência mais ou menos estacionária de uma existência prolongada por vias invisíveis, aquém como além dos limites desta vida. Há aí, com efeito, uma espécie de simetria tão lógica que deve ter seduzido as imaginações à primeira vista: o passado equilibra-se com o futuro, e o presente não é senão o eixo de ligação entre o que não é mais e o que não é ainda.”

Rauch
(A alma e o princípio vital)

“Em que momento a alma é criada? Apenas três hipóteses são possíveis: 1ª- a alma é criada ao mesmo tempo que o ser; 2ª- ela é criada na eternidade; 3ª- em uma época intermediária entre as duas precedentes.
É difícil admitir que a alma seja criada ao mesmo tempo que o ser humano ao qual é destinada, pois que então seria impossível explicar a diferença de condição moral existente entre os homens. De onde viriam, com efeito, as qualidades que diferenciam a alma de um homem da de outro e que criam toda a distância entre um homem virtuoso e um celerado capaz de todos os crimes? Diferença de conformação craniana, responde a antropologia criminalista. Porém minha razão insurge-se contra uma doutrina que tende a rebaixar o ser humano ao nível do animal, sujeitando-o a obedecer simplesmente aos impulsos do instinto; o que quer que digam, sinto firmemente em mim uma consciência que é livre para escolher e uma vontade que me permite determinar-me pelo bem ou pelo mal. O mal não é fatal, e a prova é que a criminalidade aumenta à medida que o temor salutar da repressão diminui. Uma vez que todas as almas saem da mão de Deus em um estado de igualdade inicial, se a alma fosse criada ao mesmo tempo que o ser haveria de ser necessário que todos os homens fossem iguais em valor moral, ao menos no momento de seu nascimento. Ora, não é absolutamente assim; na idade em que a criatura não pôde ainda fazer nem o bem nem o mal, nem receber nenhuma influência do mundo exterior, ela acusa as qualidades e as taras que já estão em si: certas crianças são viciosas, outras possuem sentimentos de retidão e de honestidade, e o meio no qual nasceram e foram criadas nem sempre é suficiente para explicar estas variações. Desde o início da vida, percebe-se uma desigualdade de nível moral que aumenta ainda mais à medida que o ser cresce e que permanece inexplicada nesta primeira hipótese.
Enfim, dizer que a alma é criada no mesmo instante em que deve penetrar o corpo não significa admitir implicitamente que Deus possa fazer-se o cúmplice das traições, dos incestos, dos estupros, dos adultérios aos quais infelizes seres devem a vida? Ele permite que cometam o crime, isto é verdade, e a corrupção de nossos costumes torna-o bastante freqüente; porém como não rejeitar com indignação a suposição de que, por uma criação que seria um ato direto da vontade soberana, ele intervenha, nesse mesmo momento, para sancionar a obra do vício e da devassidão?
A segunda hipótese não é mais admissível do que a primeira. Se a alma é criada na eternidade, de onde vem o estado de inferioridade, e mesmo de degradação, no qual vemos tantos de nossos semelhantes? Pois se a perfectibilidade é uma propriedade da alma, é impossível que, desde a eternidade, no decorrer das inumeráveis vicissitudes que elas tiveram de atravessar, essas almas não se tenham elevado acima de seu estado primitivo, e que outras tenham até descido abaixo da bestialidade. Dir-se-á que as almas podem ter sido criadas na eternidade, mas que permaneceram em uma vaga inatividade até o momento em que foram chamadas a unir-se a um corpo. Porém a alma é uma substância inteligente e, sendo próprio da inteligência uma indefectível atividade, não se pode explicar que as multidões de almas tenham permanecido inativas, errantes no espaço, desde que receberam com o sopro divino as faculdades que devem pôr em exercício.
Resta a terceira hipótese: é a única plausível, a única capaz de justificar, pela desigualdade da idade das almas, a desigualdade do desenvolvimento moral que existe entre os homens. “Deus cria as almas na época determinada por sua sapiência soberana e, por um ato especial de sua vontade, confere-lhe ao mesmo tempo a imortalidade.” [vi]
Das três hipóteses que acabo de examinar, a terceira parece a mais provável. A alma, com efeito, em razão dos altos destinos que lhe são fixados, é a criatura divina por excelência, a que possui o mais alto valor diante de Deus. Daí não podemos nos recusar a admitir que dela Ele faça o objeto de sua solicitude especial, que Ele tenha reservado sua criação como a obra particular de sua predileção.
(...) Não nos é dado conhecer que nossa passagem sobre a Terra é apenas um capítulo de uma história, cujos acontecimentos anteriores ignoramos e que se perpetuará em condições que nos são igualmente ocultas, porém que depende de nós torná-las sempre melhores. Assim encontra-se posto o princípio da preexistência. A preexistência e a sobrevivência são os dois termos dos quais se compõe nossa imortalidade; colocadas uma antes, outra após nossa bastante curta existência terrestre, elas são exatamente o prolongamento uma da outra, e todas as hipóteses que podem ser levantadas logicamente sobre os acontecimentos da sobrevivência encontram logicamente seu lugar na preexistência.”

Victor Hugo

Eis como Arsène Houssaye relata a resposta que Victor Hugo deu a ateus em 1866:
“Quem nos diz – recomeçou o poeta – que não me reencontro através dos séculos? Shakespeare escreveu: A vida é um conto de fadas que se lê pela segunda vez.
Ele poderia ter dito: “pela milésima vez!”, pois não há século em que eu não veja passar minha sombra.
Vós não credes nas personalidades que se movem (isto é, nas reencarnações) sob o pretexto de que não vos lembrais de nada de vossas existências anteriores. Porém, como a recordação dos séculos dissipados permaneceriam impressas em vós, quando mal vos recordais das mil e uma cenas de vossa vida presente? Desde 1802, houve em mim dez Victor Hugo! Credes, pois, que me recordo de todas as suas ações e de todos os seus pensamentos?
Quando eu tiver atravessado a tumba para reencontrar uma outra luz, todos esses Victor Hugo ser-me-ão um pouco estranhos, porém será sempre a mesma alma!
Sinto em mim – diz-lhes ele ainda – toda uma vida nova, toda uma vida futura. Sou como a floresta que várias vezes foi abatida: os jovens rebentos são cada vez mais fortes e vivazes. Subo, subo em direção ao infinito! Tudo é radiante diante de mim. A terra me dá sua seiva generosa, porém o céu ilumina-me com os reflexos dos mundos entrevistos!
Dizeis que a alma é apenas a expressão das forças corporais. Então, por que minha alma está mais luminosa quando as forças corporais vão em breve abandonar-me? O inverno encontra-se sobre minha cabeça, porém a primavera eterna está em minha alma! Respiro a esta hora os lilases, as violetas e as rosas como aos vinte anos!
Quanto mais me aproximo do fim, mais ouço a meu redor as imortais sinfonias dos mundos que me chamam! É maravilhoso, e é simples.
Há todo um meio século que escrevo meu pensamento em prosa e em verso: história, filosofia, drama, romance, lenda, sátira, ode, canção, etc.; tudo tentei; porém sinto que não disse a milésima parte do que se encontra em mim. Quando eu me deitar na tumba, não direi como tantos outros: terminei minha jornada. Não, pois minha jornada recomeçará no dia seguinte de manhã. A tumba não é um beco sem saída, é uma avenida; ela se fecha no crepúsculo, reabre no alvorecer!”
Destinos da alma
O homem tem sedes insaciadas;
Em seu passado vertiginoso
Sente reviver outras vidas,
Conta os nós de sua alma.
Procura no fundo das sombrias cúpulas
Sob que forma resplandeceu,
Ouve seus próprios fantasmas,
Que atrás de si lhe falam.
O homem é o único ponto da criação
Em que, para permanecer livre tornando-se melhor,
A alma deve esquecer sua vida anterior.
Ele diz: Morrer é conhecer;
Procuramos a saída tateando;
Eu era, eu sou, eu devo ser,
A sombra é uma escada, subamos.
 [vii]

François Coppée

A vida anterior
Se é verdade que este mundo é para o homem um exílio
Onde, curvando-se sob o peso de um labor duro e vil,
Ele expia chorando sua vida anterior;
Se é verdade que, numa existência melhor;
Entre os astros de ouro que giram no céu azul,
Ele viveu, formado de um elemento mais puro,
E que ele guarda um lamento de seu primeiro esplendor;
Deves vir, criança, deste lugar de luz
Ao qual minha alma deve ter recentemente pertencido;
Pois dele devolveste-me a vaga recordação,
Pois, apercebendo-te, loura virgem ingênua,
Gemi como se te houvesse reconhecido,
E, tão logo meu olhar no fundo do teu mergulhou,
Senti que já nos havíamos amado.
E, desde esse dia, tocado de nostalgia,
Meu sonho no firmamento sempre se refugia,
Desejando lá descobrir nosso país natal.
E, logo que a noite cai no céu oriental,
Procuro com o olhar na Via Láctea
A estrela que por nós foi habitada um dia.
[viii]

Leon Tolstoi
(Trecho de uma entrevista em 1908)

“Da mesma forma como os sonhos de nossa vida terrestre constituem um estado durante o qual vivemos de impressões, de sentimentos, de pensamentos pertencentes à nossa vida anterior e fazemos provisão de forças para o despertar, para os dias de porvir, toda a nossa vida atual constitui um estado durante o qual vivemos por meio do karma da vida precedente, e fazemos provisão de forças para a vida futura.
Da mesma forma como vivemos dos milhares de sonhos durante nossa vida terrestre, esta é uma das milhares de vidas nas quais entramos, saindo da outra, mais real, mais autêntica e à qual retornamos após nossa morte.
Nossa vida terrestre é um dos sonhos de uma outra vida, mais real, e assim por diante até ao infinito, até a última vida, que é a vida de Deus.”

Sir Oliver Lodge
(Trecho de uma entrevista em 1906)

“A idéia de que existimos no passado e de que devemos existir no futuro é tão velha quanto Platão; não há nada de novo nela. Um poeta disse que “somos maiores do que pensamos”, o que significa que a totalidade de nosso ser jamais está totalmente encarnada. Parece-me que, no nascimento, um pouco desse grande eu, que constitui o ser, encarna e, à medida que o corpo cresce, passa a poder contê-lo ainda mais;[ix] esse eu infiltra-se cada vez mais em nosso corpo; algumas vezes mais, outras vezes menos. Quando se infiltra bastante e prospera, dizemos: “Eis um grande homem”; quando infiltra-se apenas um pouco, muito pouco, dizemos: “Ele não é completo”. Nenhum de nós é “completo”. E quando este corpo está gasto, reunimo-nos à grande parte de nós próprios; a seguir, uma outra parte de nós reencarnará, e assim por diante. As diversas partes do grande eu unir-se-ão sucessivamente à matéria por um dado tempo a fim de receber uma educação que, parece, não pode ser adquirida de outro modo. É uma espécie de educação particular que se recebe em cada planeta, utilizando-se as partículas materiais que extraímos deste pela alimentação e por outras formas. Não é ciência o que faço neste momento; são hipóteses, porém elas são baseadas em fatos: fenômenos de memória anormal, de personalidade múltipla, de estado de transe, etc., que ainda não são cuidadosamente estudados e que, no entanto, devem sê-lo, se quisermos esclarecer esse grande problema da vida após a morte.”

Henri Martin
(O êxtase e o sonambulismo)

“Existe, na humanidade, uma espécie excepcional de fatos morais e físicos que parecem derrogar as leis comuns da natureza; são os estados de êxtase e de sonambulismo, seja espontâneo, seja artificial, com todos os seus surpreendentes fenômenos de deslocamento dos sentidos, de insensibilidade total ou parcial do corpo, de exaltação da alma, de percepção além de todas as condições da vida habitual. Esta categoria de fatos foi julgada por pontos de vista bastante opostos.
Os fisiologistas, vendo as relações habituais dos órgãos perturbadas ou deslocadas, qualificam de doença o estado extático ou sonambúlico, admitem a realidade desses fenômenos que podem levar para o campo da patologia e negam todo o resto, isto é, tudo o que parece além das leis constatadas da física. A própria doença torna-se loucura a seus olhos, quando, ao deslocamento da ação dos órgãos, somam-se alucinações dos sentidos, visões de objetos que não existem senão para o visionário. Um fisiologista eminente afirmou abertamente que Sócrates era louco, porque acreditava conversar com seu demônio.
Os místicos respondem não apenas afirmando como reais os fenômenos extraordinários das percepções magnéticas, questão sobre a qual encontram inúmeros auxiliares e inúmeras testemunhas fora do misticismo, mas sustentando que as visões dos extáticos apresentam objetos reais, vistos, é verdade, não pelos olhos do corpo, mas pelos olhos do espírito. O êxtase é para eles a ponte entre o mundo visível e o mundo invisível, o meio de comunicação do homem com os seres superiores, a recordação e a promessa de uma existência melhor de onde decaímos e que devemos reconquistar.
Que lugar devem tomar neste debate a história e a filosofia?
A história não poderia pretender determinar com precisão os limites nem o alcance dos fenômenos nem das faculdades extáticas e sonambúlicas, porém constata: que eles existiram em todos os tempos; que os homens neles sempre acreditaram; que exerceram uma ação considerável sobre os destinos da espécie humana; que se manifestaram não somente nos contemplativos, como também nos gênios mais poderosos e mais ativos, e na maioria dos grandes iniciantes; que, por menos razoáveis que sejam muitos extáticos, não há nada em comum entre as divagações da loucura e as visões de alguns; que essas visões podem conduzir a certas leis; que os extáticos de todos os países e de todos os séculos possuem o que podemos chamar de uma língua comum, a língua dos símbolos, em que a poesia é apenas um derivado, exprimindo mais ou menos constantemente as mesmas idéias e os mesmos sentimentos através das mesmas imagens.
Talvez seja mais temerário tentar concluir em nome da filosofia. No entanto, após haver reconhecido a importância moral desses fenômenos, por mais obscuros que nos sejam a lei e o fim; após haver distinguido dois graus, um inferior, que não é senão uma estranha extensão ou um inexplicável deslocamento da ação dos órgãos, e outro superior, que é uma exaltação prodigiosa das potências morais e intelectuais, o filósofo poderia sustentar, ao que me parece, que a ilusão do inspirado consiste em tomar por revelação trazida por seres exteriores, anjos, santos ou gênios, as revelações interiores dessa personalidade infinita que se encontra em nós e que, às vezes, nos melhores e maiores, manifesta por lampejos forças latentes que ultrapassam quase que sem medida as faculdades de nossa condição atual. Em suma, na linguagem escolar, trata-se para nós de fatos de subjetividade; na língua das antigas filosofias místicas e das religiões mais elevadas trata-se de revelações do férouer masdeísta, do bom demônio (aquele de Sócrates), do anjo guardião, desse outro eu que é apenas o eu eterno, em plena posse de si mesmo, planando sobre o eu envolvido nas sombras desta vida (é a figura do magnífico símbolo zoroastriano em todos os lugares figurado em Persépolis e em Nínive; o férouer alado ou o eu celeste planando sobre a pessoa terrestre).
Negar a ação de seres exteriores sobre o inspirado, não ver em suas pretensas manifestações senão as formas dadas às intuições do extático pelas crenças de seu tempo e de seu país, procurar a solução do problema nas profundezas da pessoa humana não significa, de maneira nenhuma, pôr em dúvida a intervenção divina nos grandes fenômenos e nas grandes existências. O autor é o sustento de toda vida – essencialmente independente que ele seja de cada criatura e da criação inteira, distinta que seja de nosso ser contingente sua personalidade absoluta – absolutamente não é um ser exterior, isto é, estranho a nós, e não é de fora que ele nos fala; quando a alma mergulha em si própria, encontra-o e, com toda a inspiração salutar, nossa liberdade associa-se à Providência. É preciso aqui evitar, como em tudo, o duplo obstáculo da incredulidade e da devoção mal iluminada: uma não vê senão ilusões e embustes puramente humanos; a outra recusa-se a admitir alguma ilusão, ignorância ou imperfeição onde vê o dedo de Deus, como se os enviados de Deus cessassem de ser homens, os homens de um certo tempo e de um certo local, e como se os lampejos sublimes que lhes atravessavam a alma lá depositassem a ciência universal e a perfeição absoluta. Nas inspirações mais evidentemente providenciais, os erros que vêm do homem confundem-se com a verdade que vem de Deus. O ser infalível não comunica sua infalibilidade a ninguém.” [x]

Armand Sabatier
(Os corpos sucessivos da alma)

“Nos insetos em que ocorrem metamorfoses, na passagem de uma forma a outra, o corpo primitivo desaparece e um novo corpo é formado, mais perfeito, mais completo, com uma organização mais aperfeiçoada e mais adaptado à existência nova e superior. Disse eu que um novo corpo sucede ao corpo primitivo... Esse novo corpo é um edifício que não é simples modificação do primeiro; não é um novo arranjo; não é o primeiro consertado e restaurado. O novo corpo não é sequer reconstruído com as pedras do primeiro, pois essas pedras, que são as células, desorganizam-se e decompõem-se. A comparação será justa se dissermos que as pedras do primeiro edifício são não apenas trituradas e reduzidas a pó, mas decompostas quimicamente e que, com os elementos dessa decomposição, são reconstruídas novas pedras que servem à construção do novo edifício.
Não há motivos para pensarmos que, abandonando o meio terrestre e o envoltório corporal que foram a condição e a sede de seu primeiro desenvolvimento, no momento da morte, o homem dá entrada num meio e num envoltório mais favoráveis a uma fase superior de sua evolução? Não vejo razão séria para crer no contrário; e a morte do homem então não é mais esse mal físico infligido ao pecado como o mais terrível dos castigos, mas o ato mais benéfico e mais desejável àqueles que têm razões suficientes para crer em uma vida de além-túmulo... Esse envoltório de outro tipo e esse novo meio destinados a dar à personalidade humana um novo desabrochar podem, por sua vez, dar lugar a outros melhores.”




[i]     Querem, sobretudo, persuadir de que as almas não morrem, mas passam, depois da morte, de uns para outros corpos. (A.R.)
[ii]    O Letes, segundo a mitologia clássica, é “um dos rios dos infernos, cujo nome significa esquecimento; as sombras bebiam as suas águas, antes de voltarem à nova vida, para esquecerem completamente o passado”. (A.R.)
[iii]    Nota da tradutora – Tendo sido esta tradução feita já a partir de outra, francesa, toda a melodia do poema foi prejudicada no intuito de podermos conservar o máximo de fidelidade ao texto. A seguir, transcrevemos a tradução francesa de Delille:
« Mon fils, dit le vieillard, tu vois ici paraître / Ceux qui dans d'autres corps doivent un jour renaître, / Mais avant l'autre vie, avant ses durs travaux. / Ils cherchent du Léthé les impassibles eaux, / Et dans le long sommeil des passions humaines, / Boivent l'heureux oubli de leurs premières peines... / – O mon père, est-il vrai que dans des corps nouveaux, / De sa prison grossière une fois dégagée, / L'âme, ce feu si pur, veuille être replongée? / Ne lui souvient-il plus de ses longues douleurs? / Tout le Léthé peut-il suffire à ses malheurs? / (...) / – Un Dieu vers le Léthé conduit toutes les âmes; / Elles boivent son onde, et l'oubli de leurs maux / Les engage à rentrer dans des liens nouveaux. »
[iv]    Le problème de l’ètre et de la destiné, p. 366. (A.R.) (*)
      (*) Nota da editora – A tradução em português, feita pela Federação Espírita Brasileira, sem indicar o autor da tradução, acrescentou ao título a palavra dor: O problema do ser, do destino e da dor.
[v]     Dictionnaire Philosophique. “Magie, oracles”. (A.R.)
[vi]    Reynaud, Jean – Terra e céu. (A.R.)
[vii]   Nota da tradutora – Para que pudéssemos ser fiéis ao conteúdo do texto original e aos termos utilizados pelo poeta, obrigamo-nos a prejudicar toda a melodia e as rimas dos versos, pois, para mantê-los, precisaríamos mudar as estruturas das frases e as palavras, o que fatalmente mudaria em parte o sentido do texto original. Preferimos, portanto, traduzi-lo quase que literalmente. Eis a seguir, no entanto, o texto original, com toda a sua beleza de forma e de conteúdo:
« Des destinées de l’âme / L’homme a des soifs inassouvies; / Dans son passé vertigineux / Il sent revivre d’autres vies, / De son âme il compte de noeuds, / Il cherche au found des sombres dômes / Sous quelle forme il a lui, / Il entend ses propres fantômes / Qui lui parlent derrière lui. / L’homme est l’unique poit de la création / Où, pour demeurer libre en se faisant meilleure, / L’âme doive oublier sa vie anterieure. / Il se dit: Mourir c’est connaítre; / Nous cherchons l’issue à tátons; / J’étais, je suis, je dois être, / L’ombre est une échelle, montons. »
[viii]  Nota da tradutora – Eis o texto original:
« La vie antérieure / S'il est vrai que ce monde est pour l'homme un exil / Où, ployant sous le faix d'un labeur dur et vil, / Il expie en pleurant sa vie antérieure ; / S'il est vrai que, dans une existence meilleure, / Parmi les astres d'or qui roulent dans l'azur, / Il a vécu, formé d'un élément plus pur, / Et qu'il garde un regret de sa splendeur première ; / Tu dois venir, enfant, de ce lieu de lumière / Auquel mon âme a dû naguère appartenir ; / Car tu m'en as rendu le vague souvenir, / Car en t'apercevant, blonde vierge ingénue, / J'ai gémi comme si je t'avais reconnue, / Et, lorsque mon regard au fond du tien plongea, / J'ai senti que nous nous étions aimés déjà. / Et, depuis ce jour-là, saisi de nostalgie, / Mon rêve au firmament toujours se réfugie, / Voulant y découvrir notre pays natal. / Et, dès que la nuit tombe au ciel oriental, / Je cherche du regard dans la voûte lactée / L'étoile qui par nous fut jadis habitée. »
[ix]    Lodge compara em outro estudo o eu a um iceberg cuja cabeça, que seria o eu consciente, emerge sozinha acima do nível do mar, enquanto que a parte mais considerável, a base, fica mergulhada na água e emerge mais ou menos, segundo as circunstâncias. (A.R.)
[x]     Histoire de France, tomo VI, p. 143. (A.R.)
 Fonte: www.autoresespiritasclassicos.com

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