Estudo sobre a Reencarnação
ou as Vidas Sucessivas
Resposta ao
inquérito aberto pela revista Internacional
"La Philosophie de la Science”, setembro de 1912
"La Philosophie de la Science”, setembro de 1912
I
A doutrina da reencarnação ou das vidas sucessivas é a
única que aclara com uma luz viva o problema do destino humano. Sem ela a vida
se nos apresenta como um tecido de contradições, de incertezas, de travas. Só
ela explica a variedade infinita dos caracteres, das aptidões, das condições.
Assim como a glande encerra, no estado de gérmen, o
carvalho soberbo em seu majestoso desenvolvimento; assim como a semente
minúscula representa a flor na expansão da sua beleza e de seus perfumes, assim
a alma humana, por muito inferior que seja, possui, em estado latente, os elementos
de sua grandeza, de seu poder, de sua felicidade futura, todas as forças do
pensamento, todos os recursos do gênio. Cumpre-lhe desenvolvê-los na série das
vidas inumeráveis, nas suas encarnações tempo em fora, através dos mundos, pelo
trabalho, pelo estudo, pela alegria, pela dor.
A própria alma constrói seu destino. A cada renascimento
traz, dos seus trabalhos anteriores, o fruto, que se revela pelas aptidões,
pelas faculdades de assimilação, pelas tendências, pelos gostos. Traz também o
capital moral que suas vidas passadas acumularam. Conforme seus méritos ou
deméritos, conforme o bem ou o mal praticado, a nova vida lhe será feliz ou
desgraçada, dominada pela fortuna ou pelo revés. Tudo o que fazemos recai sobre
nós pelo tempo adiante em felicidade ou em dores. O purgatório e o inferno se
encontram nas amarguradas existências terrenas, por meio das quais resgatamos
um passado de culpas, purificamos nossas consciências, aliviamos nossas almas e
nos preparamos para novas ascensões.
Só a dor, efetivamente, pode consumir e destruir os
germens impuros, os fluidos grosseiros que tornam pesado o ser psíquico e lhe
retardam a elevação.
Considerada deste ponto de vista, a doutrina das reencarnações
restabelece a justiça e a harmonia no mundo moral. Sendo, como é, o mundo
físico regido por leis ordenadoras, pode dar-se que no mundo psíquico só haja
desordem e confusão, conforme ressalta da crença numa vida única para cada um
de nós? A filosofia das vidas sucessivas vem restabelecer o equilíbrio e
mostrar-nos que a mesma ordem admirável se verifica nas duas faces do universo
e da vida, que se reúnem e fundem numa unidade perfeita.
Fácil é reconhecer-se que, tanto sob o ponto de vista moral
como sob o aspecto social, imensos são os resultados dessa doutrina. Graças a
ela, o homem adquire uma noção mais exata do seu valor, das forças adormecidas
dentro de si, uma idéia mais elevada de suas responsabilidades e do seu dever.
A lei segundo a qual a conseqüência dos atos recai sobre aquele que os pratica
é a mais sólida sanção que se possa oferecer à moral e a sua demonstração está
no espetáculo dos males e das provações que assaltam a Humanidade. A liberdade
e a responsabilidade do ser, muito restritas no início da sua carreira,
aumentam e crescem à medida que ele sobe na escala da evolução, até que,
chegado ás supremas alturas, lhe é dado colaborar e participar cada vez mais da
obra e da vida divinas.
Ao mesmo tempo, o homem se sente intimamente ligado aos
seus semelhantes, peregrinos, com ele, da grande viagem eterna e aos quais irá
encontrando nos diferentes planos do caminho. Sabendo que lhe é preciso passar
por todas as condições para perfazer a educação da alma, sabendo também que o
devotamento, o espírito de sacrifício, de abnegação e de solidariedade são os
meios mais eficazes para progredir, ele se sentirá com melhores disposições
para aceitar as disciplinas sociais e para trabalhar pela coletividade. Por esse
modo, a maior parte dos abusos, dos excessos, dos crimes que afligem a
sociedade atual, se atenuarão e dissiparão pouco a pouco. A educação se
transformará com o ideal e o objetivo essencial da vida, e o homem aprenderá a
adaptar melhor suas forças interiores aos verdadeiros fins a que é chamado a
atingir.
Fios misteriosos ligam todos os seres e todas as
coisas. O amor e o ódio são forças atrativas. Todos os que se hão amado, todos
os que se hão odiado se reencontrarão cedo ou tarde, a fim de que a afeição que
une os primeiros aumente ainda e se apure e que a aversão que separa os outros
seja vencida por melhores relações e mútuos serviços. Finalmente, liberto de
suas paixões materiais, todos se acharão reunidos na existência superior e
bem-aventurada. Assim, a doutrina das vidas sucessivas constitui um estimulante
poderoso para o bem, uma consolação e um reconforto na desgraça.
II
O valor científico desta doutrina não é menos considerável
do que o seu valor moral e social. Com efeito, incitando-nos a procurar as
provas experimentais que lhe servem de apoio, ela nos coloca em presença dos
aspectos mais profundos e mais ignorados da natureza humana.
Pelo que me concerne pessoalmente, já pude colher algumas
provas de minhas vidas anteriores. Consistem essas provas diferentes, por meio
de médiuns que se não conheciam e que jamais tiveram relação entre si. Tais
revelações são concordes e idênticas. Além disso, logrei verificar-lhes a
exatidão pela introspecção, isto é, por um estudo analítico e atento do meu caráter
e da minha natureza psíquica.
Este exame me fez descobrir, muito acentuados em mim,
os dois principais tipos de homem que realizei no curso das idades e que
dominam todo o meu passado: o monge estudioso e o guerreiro. Ser-me-ia possível
ajuntar numerosas impressões e sensações que me permitiram reconhecer, nesta
vida, seres já encontrados anteriormente.
Creio que muitos homens, observando-se com atenção, conseguiriam
constituir seu passado pré-natalício, senão nas minúcias, pelo menos nas
grandes linhas.
Mas é sobretudo pela hipnose, pelo transe, pelo desprendimento
da alma que o passado pode ressurgir e reviver. Fiz com muitos pacientes
experiências nesse sentido. Adormecidos, quer por mim, quer por Entidades
invisíveis, eles reproduziam cenas de suas existências precedentes, cenas
pungentes ou trágicas, que nenhum teria podido ou sabido inventar, por muitas
razões. Algumas particularidades dessas vidas se puderam examinar e foram
reconhecidas como verdadeiras. Infelizmente, a natureza toda íntima dos fatos
não me consente entregá-los à publicidade.
O coronel de Rochas fez, seguindo a mesma ordem de estudos,
experiências que relatei e resumi em meu livro O Problema do Ser, do Destino e da Dor, cap. XIV. Acrescentei-lhes
outros testemunhos provindos dos príncipes Galitzin e Wiszniewsky, além de
muitos experimentadores espanhóis.
Em resumo, todos esses fatos demonstram que a nossa
personalidade é muito mais ampla do que até hoje se acreditou. Nossa
consciência e nossa memória têm profundezas que se conservam mudas enquanto nos
achamos despertos, mas que, no sono hipnótico e no estado de desprendimento, se
revelam e entram em ação. Aí repousa um mundo de conhecimentos, de lembranças,
de impressões acumuladas por nossas vidas antecedentes e que o véu da carne ocultou
ao renascermos. É a isso que alguns experimentadores e críticos chamam
consciência subliminal, subconsciência superior ou o Ser subconsciente. Na
realidade, não há aí mais do que um estado do ser que constitui a consciência
integral, a plenitude do eu. Quanto mais profundo é o sono, mais o desprendimento
da alma se acentua e as camadas veladas da memória começam a vibrar: o passado
ressuscita e revive. O ser pode então recompor as cenas longínquas, os quadros
da sua própria história. Essa ordem de pesquisas constitui uma psicologia nova
e amplificada, cujo estudo atento, junto a uma observação rigorosa, revolucionará
a ciência da alma e ocasionará uma renovação completa da filosofia e da
religião.
Às experiências indicadas acima convém acrescentar as
reminiscências de homens e de crianças. Grande número de casos desses citei em O Problema do Ser, cap. XV. Poderia
aditar os de muitas crianças se lembrarem de suas vidas anteriores, casos que
não se explicam nem pela imaginação, nem pela influência do meio, porquanto os
pais, na sua maioria, são hostis à idéia de reencarnação. Semelhantes fenômenos
desaparecem com o crescimento, quando a consciência profunda, de alguma forma
sepultada sob o invólucro carnal, deixa de vibrar. As reminiscências de homens
célebres se explicam pelo grau de evolução e o apuramento dos sentidos
psíquicos.
A esses casos acrescentarei um, citado pelo Sr. H. Varigny,
no folhetim científico do Journal des Débats,
de 11 de abril de 1912:
“Segundo um autor que muito conviveu com os Birmans e
os estimulou, consagrando-lhes um livro de grande interesse, o Sr. Fielding
Hall relatou o fato seguinte, que não é mais do que unum et pluribus. Entre os Birmans, encontrar-se-iam freqüentemente
crianças que se recordavam de vidas anteriores. Infelizmente essa lembrança se
apaga e desaparece com a idade.
Cinqüenta anos antes, duas crianças, um menino e uma
menina, nasceram no mesmo dia e na mesma aldeia. Para abreviar: casaram-se e
morreram na mesma data, depois de terem fundado uma família e praticado todas
as virtudes.
Sobrevieram dias agitados, diz a história, cuja lembrança,
entretanto, pouca utilidade tem para esta narrativa. Basta dizer-se que dois
jovens de sexos diferentes foram obrigados a fugir da aldeia, onde o primeiro
episódio se passara, e foram estabelecer-se alhures. Tiveram dois filhos
gêmeos. Aqui começa o segundo episódio.
Os dois gêmeos, em lugar de se tratarem pelos respectivos
nomes, se designavam pelos nomes (muito semelhantes) do casal virtuoso que
morrera; por conseguinte, uma das crianças dava a outra um nome feminino.
Os pais se admiraram disso um pouco, porém logo compreenderam
o que havia. Para eles o casal virtuoso se reencarnara nos meninos. Quiseram
tirar a prova. Levaram ambos à aldeia onde tinham nascido. Reconheceram tudo:
estradas, casas, pessoas, até as roupas do casal, conservadas sem que se saiba
por que razão. Um se lembrou de haver emprestado certa soma a determinada
pessoa, que ainda vivia e confirmou o fato.
Ao Sr. Fielding Hall, que viu os dois meninos quando
tinham seis anos, parecia que um apresentava aspecto um tanto feminil: era o que
abrigava a alma da mulher defunta. Antes da reencarnação, viveram, dizem os
dois, algum tempo sem corpo, nos galhos das árvores, mas suas reminiscências se
vão tornando cada vez menos nítidas e se apagam: as da vida anterior,
naturalmente.[i]
III
1. Conforme o demonstramos em O Problema do Ser, capítulo XV – Os meninos-prodígio e a hereditariedade
–, o caráter individual não se pode explicar unicamente pelas leis do atavismo
e da hereditariedade. Se se encontram nos filhos, às vezes fortemente
acentuadas, as qualidades ou os defeitos dos ascendentes, verificam-se também
traços distintivos, que não podem provir senão de aquisições pessoais,
anteriores ao nascimento. Os gêmeos são, não raro, de caracteres muito
dessemelhantes e os meninos-prodígio possuem talentos que os pais não acusam.
Descartes, Leibniz e Kant tiveram uma certa intuição
destes fatos, sobretudo Descartes, na sua teoria das idéias inatas; mas só o
espiritualismo experimental contemporâneo pôde lançar luz sobre tais problemas.
2. A lei das
reencarnações é conforme ao princípio de evolução, aclara-o e completa.
Somente, em vez de lhe procurar a causa inicial na matéria, a coloca no
espírito, livre e responsável, que por si mesmo constrói as formas sucessivas
que revestirá para percorrer a escala magnífica dos mundos.
3. Na obra já
citada expus as razões que tornam necessário e justificam o esquecimento das
existências anteriores durante a nossa passagem pela Terra. Na maioria dos
casos, a lembrança seria um entrave ao nosso progresso, uma causa de inimizade
entre os homens. Perpetuaria, entre as gerações, os ódios, os ciúmes, os
conflitos de toda ordem. A alma, depois de ter bebido a água do Letes, recomeça
uma outra carreira, mais livre de construir a sua existência em um novo e
melhor plano, liberta dos preconceitos, das rotinas, dos erros e dos rancores
passados.
4. Todas as
grandes religiões se hão baseado em a crença nas vidas sucessivas: o
bramanismo, o budismo, o druidismo, o islamismo (ver Surate II, v. 26 do
Alcorão; Surate VII, c. 55; Surate XVII, v. 52; Surate XIV, v. 25). O
Cristianismo primitivo não abriu exceção à regra. Traços desta doutrina se nos
deparam no Evangelho. Os Padres gregos Orígenes, Clemente de Alexandria e a
maior parte dos cristãos dos primeiros séculos a admitiam (ver minha obra Cristianismo e Espiritismo, caps. III e
IV e Nota 5). O Catolicismo julgou dever deixar na sombra esse ensino e
substituí-lo pela teoria de uma vida única e pelo dogma das penas eternas, como
mais eficazes para a salvação das almas e talvez mais ainda para a dominação da
Igreja. Daí, acreditamos, a sua atual impotência para dar solução satisfatória
ao problema da vida e do destino, uma das razões do seu enfraquecimento e da
sua decadência.
Léon Denis
Livro: O Além e a Sobrevivência do Ser
Fonte:
www.autoresespiritasclassicos.com
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